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CRÍTICA

Em 'A Hora do Mal', o horror se esconde onde menos se espera

Dirigido por Zach Cregger (de 'Noites Brutais'), 'A Hora do Mal' já está em cartaz no Recife; filme é um mistério contado por diferentes pontos de vista e tem o final mais absurdo do ano

Andre Guerra

Publicado: 08/08/2025 às 13:00

 /Warner/Divulgação

(Warner/Divulgação)

Como explicar o desaparecimento de 17 crianças que, no mesmo horário da madrugada, abrem os braços como aviões e correm na direção da escuridão? Todos os pais de uma cidade de subúrbio se fazem essa pergunta, que se torna ainda mais enigmática quando percebem que todos os pequenos respondem a uma mesma professora, Justine Gandy (vivida por Julia Garner).

Não para por aí: apenas um aluno dessa classe não sumiu e, apesar das investigações tentarem extrair dele alguma informação, a polícia não possui pistas concretas para resolver o mistério. Resta a um dos pais, Archer (Josh Brolin), e à própria professora tentar entender o que aconteceu após mais de um mês sem respostas.

Já em cartaz nos cinemas do Recife, A Hora do Mal — tradução genérica para o significativo título original, Weapons ("armas") — não se tornou um dos mais aguardados do ano sem motivo. Escrito e dirigido por Zach Cregger, do aclamado Noites Brutais (2022), o filme vem sendo descrito desde sua produção como uma versão épica de terror de Magnólia, clássico do diretor Paul Thomas Anderson e reconhecido pelo seu jogo de múltiplas perspectivas que vão se alternando.

Apesar da comparação ser feliz, o trabalho de Cregger é dividido em seis capítulos muito claros em seus pontos de vista e temporalidades, o que o torna ao mesmo tempo mais simples e mais complexo do que essa possível fonte de inspiração. 

Explique-se: A Hora do Mal não tenta transparecer a ambição dramática e metafísica de Magnólia ou de outros longas emblemáticos por esse recurso narrativo da não-linearidade. Não é, enfim, um filme que existe em função de uma grande mensagem social, tônica frequente no cinema de horror conceitual da última década.

Por outro lado, Zach Cregger conjuga uma série de outras referências que vão desde a obra de Stephen King, com seus subúrbios sombrios, passando por A Cidade dos Amaldiçoados, de John Carpenter, até o thriller policial de Os Suspeitos, de Denis Villeneuve. Tem até uma homenagem nítida a O Bebê de Rosemary na introdução de uma icônica e assustadora personagem, filmada como se estivesse dentro do universo do recente Longlegs: Vínculo Mortal.

O conjunto de nomes que vêm à mente ao longo do filme jamais o transforma, porém, em um pastiche de citações e, sim, demonstra o domínio que o diretor tem de diferentes vertentes do gênero e sua capacidade de brincar com as expectativas do público para criar algo novo. Mesmo com a bizarra premissa, A Hora do Mal parte de uma caracterização realista e do clima de tensão psicológica, focado nas excelentes atuações de Julia Garner e Josh Brolin, para depois intensificar sua natureza espiralar, em que o sobrenatural come pelas beiradas até tomar as rédeas da história.

A câmera faz uma radiografia minuciosa desse cenário, seja movimentando-se na velocidade maníaca dos personagens ou sugerindo distintas possibilidades de perigo nas mais apavorantes situações, sempre adiando as respostas (destaque para a cena em que Julia Garner fica dentro do seu carro vigiando uma casa no meio da noite).

É um filme mais complicado e intrincado pela forma como estrutura os seus arquétipos do que propriamente pelo que tem a dizer, embora sua narrativa tangencie uma série de temas de mal-estar contemporâneo que muita gente pode passar sem perceber (as crianças sendo instrumentalizadas por forças incompreensíveis não deixa mentir).

Em Noites Brutais, Zach Cregger já havia trabalhado com essa ideia de uma ameaça inicialmente difícil de decifrar e cuja explicação das origens ocorria através de flashbacks e cruzamentos de perspectiva. No entanto, as mudanças bruscas de marcha, do horror atmosférico para o ridículo mórbido, atingem um outro nível em A Hora do Mal, que possui possivelmente o final mais arriscado, recompensador e maquiavélico do ano até agora. Gostando ou não, é bem improvável alguém ficar indiferente.

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