'O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua' relembra um carnaval silencioso
Documentário dirigido por Mariana Soares e Bruno Mazzoco estreia hoje na competição do 29º Cine PE — Festival do Audiovisual
Publicado: 10/06/2025 às 06:00

Longa foi gravado durante o primeiro carnaval cancelado por conta da pandemia (Divulgação)
A lembrança do momento em que o povo pernambucano não pôde curtir sua maior demonstração de festa parece, hoje, uma distopia. A pandemia da Covid-19 e o longo período de isolamento social, que começou em março de 2020, varreram a alegria dos foliões em 2021, resultando no primeiro ano sem carnaval no Recife e em Olinda. A melancolia desse recorte temporal e a apoteose do retorno estão registrados no documentário O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua, dirigido pela pernambucana Mariana Soares e pelo paulistano Bruno Mazzoco, que passa hoje na competição de longas-metragens do Cine PE – Festival do Audiovisual.
No último carnaval antes da pandemia, a dupla de cineastas veio passar alguns dias no Recife, ocasião em que Bruno vivenciou pela primeira vez a folia recifense. A vontade de reviver aquela experiência foi frustrada pelo isolamento pandêmico, do qual, no entanto, surgiu a ideia de cair em campo para captar o vazio físico e emocional das duas cidades que estariam pulsando em cor, música e alegria nos lugares emblemáticos filmados em toda sua magnitude poética.
Com equipe e orçamento reduzidos à guerrilha, os diretores, ambos estreantes em longa, partiram para uma desafiadora imersão no então ferido coração do ritmo pernambucano, contando com participações de Fernando Zacarias, porta-estandarte do Galo da Madrugada, Lúcio Vieira da Silva, maestro da Orquestra Henrique Dias, e artistas como Spok e Nena Queiroga, além da participação mais que especial de Jota Michiles, um dos maiores compositores vivos de frevo. As filmagens continuaram nos dois anos seguintes, registrando o cancelamento do carnaval em 2022 e o catártico regresso da folia em 2023.
Ao longo dos depoimentos e das imagens desse adiamento necessário para a preservação de tantas vidas, O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua versa, sim, sobre a tristeza das almas foliãs, mas também revela a esperança pelo renascer do carnaval e pela reconstrução da música que corre nas veias das duas cidades protagonistas. O doc mergulha, sobretudo, na resistência de um povo que teve de segurar a emoção por um bem maior e, quando finalmente teve a chance, transbordou sua felicidade recuperando o pique do passo.
A admiração pela cultura pernambucana já acompanhava Bruno desde garoto, intensificando-se a partir contato com o frevo e com o cinema. “O manguebeat me marcou demais na juventude e a pujança da cinematografia desse lugar na época da retomada mexeu muito comigo durante a faculdade de jornalismo. Quando, através de Mariana, pude viver esse universo ao vivo, fiquei encantado”, conta o diretor, em entrevista ao Viver. “É uma grande alegria poder fazer a primeira apresentação do filme em uma tela privilegiada como a do Cine-PE, principalmente por ser onde todo o projeto surgiu”, completa Bruno.
Mariana, também jornalista de formação, mora há 16 anos em São Paulo. Filha do folião e compositor pernambucano Romero Andrade, grande influência em sua trajetória, ela sempre foi apaixonada por carnaval e encarou o desafio logístico das gravações como forma de se reconectar ainda mais com sua terra. “Mesmo no silêncio e no vazio, ter feito esse filme aqueceu muito meu coração, especialmente quando eu entendi que de fato não haveria carnaval”, relembra. “Com toda a tristeza do momento que o mundo vivia e de não podermos festejar como sempre fizemos, eu estava no lugar onde queria estar. Me mobilizou intensamente ouvir as histórias e sentimentos daqueles que, como eu, amam o frevo”.
Visto sob as lentes de um presente que já pode, há três anos, respirar de novo o ar da festa de Momo, o documentário O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua é tanto um registro histórico apaixonado quanto uma lembrança do impacto e da complexidade do mundo carnavalesco. Do desalento de um adiamento à catarse do reencontro.

