'Eddington' rememora a pandemia pelo olhar (míope) de um western contemporâneo
Diretor Ari Aster (de 'Hereditário' e 'Midsommar') atualiza iconografia do gênero clássico americano a partir do caos informacional do auge da Covid-19, mas resultado termina aborrecido e visualmente enfadonho
André Guerra - Enviado especial
Publicado: 17/05/2025 às 11:15

Joaquin Phoenix e Pedro Pascal interpretam os rivais na trama ambientada em 2020 (A24/Divulgação)
O ano é 2020. A placa imensa na estrada anuncia o título do filme, nos moldes dos nomes 'Mulholland Drive' ou, em uma referência mais próxima (em todos os sentidos), 'Bacurau'. Somos apresentados inicialmente a um bêbado sem rumo e, não muito tempo depois, ao protagonista da história: um xerife obstinadamente arrogante (Joaquin Phoenix) que se recusa a usar máscara de proteção facial mesmo quando recebe uma chamada de um superior. Pouco depois, entra em cena o oponente desse personagem, o prefeito (Pedro Pascal) que já está trabalhando firmemente em sua reeleição.
Uma das estreias mais prestigiadas da 78ª edição do Festival de Cannes, exibido em competição, Eddington mais confirma uma curva descendente do seu realizador, Ari Aster, do que aponta uma recuperação criativa após o decepcionante Beau Tem Medo, de 2023. Responsável por dois grande fenômenos do cinema de terror contemporâneo, Hereditário e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, o diretor parece querer se afastar cada vez mais do gênero que impulsionou o começo de sua carreira — o que, em princípio, poderia ser animador.
O resultado, no entanto, é um filme excessivamente verborrágico que, ironicamente, diz muito pouco ou quase nada em quase 2h30 de duração. Enquanto Beau ao menos oferecia um engajamento sensorial no pesadelo cômico sadicamente controlado do primeiro ato, Eddington demora muito para sequer oferecer algum tipo de impacto que remeta aos melhores momentos de Ari Aster como condutor de situações desconcertantes (traço reconhecido seu).
Claro que a intenção de atualizar códigos do western a esse mundo de paranóias, cheio de seus anacronismos, tem um valor que até é explorado na superfície pelo filme — na maneira como estabelece o cenário no começo, na apresentação gradual dos personagens, na tensão de pequenos confrontos verbais. Mas não dura nem 20 minutos e tudo começa a ficar meio morto.
O que pareciam pontos de conflito sendo gestados vão se provando apenas atritos acumulativos e repetitivos. Personagens que prometiam ingressar na trama principal (se há uma) são esquecidos ou simplesmente apagados. E todo o cenário que, em princípio, parecia tão possibilitador se torna um grande vazio, que mais parece uma cidade qualquer com pessoas pobremente caracterizadas — e com uma concepção estética que passa uma impressão até algo incompleta.
Do ponto de vista tonal, Ari Aster tenta se equilibrar entre um realismo seco da imagem, que parece sempre apontar na direção da seriedade dramática, e sua natureza satírica à lá Não Olhe para Cima (filme igualmente bagunçado na sua mistura de registros). Infelizmente, ele nunca consegue se localizar entre essa suposta importância temática (com referências literais tanto à Covid-19 quanto a casos emblemáticos da violência americana, como de George Floyd) e o humor do absurdo que a própria interpretação de Joaquin Phoenix evoca. Os personagens adolescentes que rondam esse núcleo do protagonista, por exemplo, parecem sempre estar povoando um conjunto improvisado.
O que Ai Aster acaba fazendo é se colocar como crítico de tudo e todos, encher o filme de sacadas que se reiteram de modo visualmente pouco inspirado. Ainda que o terceiro ato puxe de uma referência direta (de Onde os Fracos Não Têm Vez) e consiga brincar com a ação com muito mais gosto e gás do que todo o resto, aquele mundo — e seus coadjuvantes/figurantes, como Emma Stone e Austin Butler — importa muito pouco àquela altura para que, dramaticamente, o epílogo tenha algum efeito duradouro.

