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Vida Urbana
200 ANOS

José Rozenblit, o empreendedor que levou os ritmos pernambucanos às multidões

Reportagem retrospectiva dos 200 anos Diario de Pernambuco conta a história de José Rozenblit, um dos maiores empreendedores pernambucanos do século passado que criou a fábrica de discos mais moderna do Brasil

Carlos Lopes

Publicado: 25/10/2025 às 09:46

Claudionor Germano teve suas interpretações levadas às multidões pela Rozenblit/ARQUIVO DP

Claudionor Germano teve suas interpretações levadas às multidões pela Rozenblit (ARQUIVO DP)

Tudo começou após uma viagem aos Estados Unidos, ainda na primeira metade do século passado. José passou a importar discos de vinil e a comercializá-los, inicialmente no estabelecimento da família.

A retrospectiva dos 200 anos do Diario de Pernambuco conta a história de José, um dos maiores empreendedores do estado no século passado, criador e sócio majoritário da Fábrica de Discos Rozenblit Ltda., referência no mercado fonográfico do país entre os anos 1950 e 1960.

Com o selo Mocambo, foi o responsável por levar o frevo, dentre outros ritmos regionais, para o vinil, difundindo-o para milhões de ouvintes, e impulsionando a carreira de artistas como Capiba, Nelson Ferreira e Claudionor Germano, para não estender demais a lista.

O começo

José Rozenblit nasceu no bairro da Boa Vista, região central do Recife. Filho de família judia e de origem romena, teve desde jovem a capacidade de enxergar as oportunidades além do seu tempo, identificar tendências.

Primeiro veio a Irmão Rozenblit Cia. e Ltda., loja que oferecia cabines individuais de audição onde os clientes podiam escolher alguns dos discos importados do catálogo. Mas a loja não vendia apenas discos. Era possível comprar equipamentos de som, eletrodomésticos. A Rua da Palma foi o primeiro endereço. Depois veio a filial na Rua da Aurora.

Inquieto, como todo empreendedor visionário, e inconformado com o tratamento dado pelas gravadoras do Sudeste para os artistas locais, como todo bom pernambucano, resolveu virar o jogo.

No começo dos anos 1950, bancou a gravação de um disco de 78 rotações, nos estúdios da Rádio Clube, com o frevo de rua Come e Dorme, de Nelson Ferreira, e o frevo canção Boneca, com interpretação de Claudionor Germano.

Fabricado no Rio de Janeiro, o disco foi lançado em 1953, o primeiro com o selo Mocambo, que abrigaria o melhor da música pernambucana, mas que também seria estampado em “bolachas” de grandes artistas nacionais.

Satisfeito com a boa aceitação da empreitada, resolveu investir pesado na produção fonográfica. Com a participação dos irmãos na sociedade, em 1954, fundou a Fábrica de Discos Rozenblit Ltda, na Estrada dos Remédios, número 855.
Além dos discos

Os “irmãos Rozenblit” eram envolvidos também com artes plásticas, responsável por uma das mais badaladas galerias do Recife em meados do século passado.
Mas a outra grande paixão de José era o futebol, mas especificamente o Sport. Por aproximadamente duas décadas teve participação ativa no clube, de conselheiro a diretor de futebol, sendo eleito presidente para o biênio 1969-70.

 

A fábrica mais moderna do Brasil

“Mocambo – a mais moderna fábrica de discos do Brasil” foi o título em destaque da página 5 da edição do domingo, 28 de março de 1954 do Diario. A matéria saudava o empreendimento ousado, cuja gigantesca sede situada na Estrada da Batalha, número 855, seria inaugurada no final do ano. “Iniciativa de mais ampla repercussão, essa, sem dúvida alguma, da firma pernambucana Irmãos Rozenblit & Cia. Ltda”, iniciava o texto.

A matéria registrava a visita do “Mr. Irving Green”, presidente da Mercury Records dos Estados Unidos, ao escritório dos Rozenblit e à futura fábrica de discos. “Quero dar a minha ajuda pessoal, um pouco de minha experiência a esses moços ativos e empreendedores”, comentou o norte-americano, que já mantinha parceria com a família.

Antes da visita do presidente da Mercury Records, José Rozenblit ocupava as páginas do Diario não apenas com articulações estratégicas futuras, mas também com o fortalecimento da marca junto ao público que consumiria o seu produto.

“Irmãos Rozenblit & Cia. Ltda. patrocina as transmissões da P.R.A. – 8 na ‘Copa do Mundo’: O Rádio Clube de Pernambuco falará do Maracanã, na palavra de Cleo, durante os jogos Brasil x Chile e Brasil x Paraguai”, trazia o título e subtítulo da matéria que contava detalhes do acordo comercial para levar a emissora radiofônica do grupo Diarios Associados aos jogos eliminatórios do Mundial da Hungria de 1954.

A fábrica e estúdios

Com o selo Mocambo dando os primeiros passos com artistas regionais, a Fábrica de Discos Rozenblit Ltda foi inaugurada em 18 de dezembro daquele ano, em um megaevento. Mas José Rozenblit levaria o empreendimento da família a outro patamar:

“A inauguração, ontem, dos modernissimos studios de gravação da Fabrica de Discos Rozenblit Ltda”, como trouxe o título da página na edição do dia 15 de julho de 1956. Na ocasião, o Hino de Pernambuco foi gravado comercialmente pela primeira vez na história.
Sucessos

Com a fábrica e os estúdios, a Mocambo decolou com a produção regional, e outros selos criados por José Rozenblit que abrigariam artistas de todo canto do país, como Tom Zé (álbum de estreia do cantor baiano), Jorge Bem, Martinha e Zé Kéti.

A Rosenblit lançou discos de forrozeiros, como Genival Lacerda, e de artistas de ciranda, coco e embolada. Mas a preferida de José era o frevo. E grandes nomes passaram pela Mocambo. “Capiba 25 anos de Frevo”, lançado para o carnaval de 1960, com a orquestra de Nelson Ferreira e interpretação de Claudionor Germano, foi o seu maior sucesso de vendas.

 

Empreendimento arrastado pelas águas

“Fábrica de Discos Rozenblit, que há mais de 20 anos, vem sendo a grande divulgadora da cultura musical do Nordeste, foi uma das indústrias mais atingidas pela última inundação do Rio Capibaribe atingindo seus prejuízos à casa dos Cr$ 2 milhões”, começava a matéria sobre os estragos da Cheia de 1975, sob o título “Fábrica de discos tem vultosos prejuízos”.

A dor de José Rozenblit não foi apenas no bolso. “Toda a edição dos poemas de Ascenso Ferreira, reeditados pela Fábrica e seriam lançados em agosto, foi destruída pelas águas”, lamentou o empreendedor. Outro trecho da matéria publicada em 2 de agosto citou mais projetos da empresa que não puderam ser levados adiante.

“Em agosto, a Rozenblit iniciaria as produções de Sinfonia Pernambucana, disco reunindo peças sinfônicas inspiradas no folclore pernambucano; a reedição de Pastoril dos Irmãos Valença; Baile da Saudade n.° 2, com sucessos de 100 anos do carnaval brasileiro: Frevo de Levino Ferreira, com arranjos do maestro Guedes Peixoto, o Carnaval dos Irmãos Valença, reunindo os maiores sucessos dos mais antigos compositores da música popular brasileira, autores do internacionalmente conhecido O Teu Cabelo não Nega (1928).”

Não havia sido o primeiro grande prejuízo que a Fábrica Rozenblit sofrera devido às inundações do Recife nos anos 1960 e 1970. Nem foi o último. Mas a enchente de 1975 foi o pior dos golpes. O colunista João Alberto cravou o que aconteceria anos depois: “Fábrica Rozenblit agora pode fechar”.

“O aspecto da Fábrica de Discos Rozenblit, onde estive, ontem, era tenebroso. Uma destruição total. Pela terceira vez, José Rozenblit tem todo o seu trabalho inteiramente levado pelas águas. Com um esforço extraordinário, conseguiu recuperar sua fabrica de discos, a única realmente brasileira. Os estúdios, recentemente, receberam novos equipamentos, a produção de discos estava sendo incrementada, as perspectivas eram das melhores.”, relatava o colunista.
“De repente, novamente o terrível Capibaribe leva tudo, na sua fúria. Agora, Rozenblit está diante do dilema: ou recebe a ajuda já prometida e adiada ou terá que forçosamente, fechar as portas da fábrica de discos, que tantos serviços já prestou a Pernambuco.”

José Rozenblit foi o homenageado do Carnaval do Recife, em 2003, com a saúde já debilitada devido a um AVC. O próximo dia 29 marcará os nove anos da sua morte. Toda a sua história, no entanto, está registrada no acervo do Diario e seguirá sendo contada. De preferência, com o chiadinho da agulha no vinil e um bom frevo ao fundo.

 

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