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Vida Urbana
História de vida

Jovem que ficou paraplégico após acidente tem vaga em medicina 'guardada' pela UFPE e realiza sonho

Heberth Vinícius Silva de Santana, de 21 anos, conseguiu iniciar o curso de medicina  na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), após sofrer um grave acidente de carro e ficar paraplégico

Nicolle Gomes

Publicado: 24/10/2025 às 18:12



Heberth Vinícius Silva de Santana
/Rafael Vieira/DP Foto

Heberth Vinícius Silva de Santana (Rafael Vieira/DP Foto)

“Uma roda gigante”. É assim que Heberth Vinícius Silva de Santana, de 21 anos, descreve a própria vida. Atualmente, ele é calouro do curso de medicina na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O fato curioso que cerca a história é que a vaga ficou guardada por quase dois anos, após o estudante sofrer um acidente gravíssimo que o deixou paraplégico.

Herberth estava internado e havia acabado de receber a notícia da paraplegia. Ele não conseguiu comemorar a aprovação em duas das universidades mais concorridas do Brasil, a UFPE e a Universidade Estadual Paulista (Unesp).

 Rotina

 Antes de ficar paraplégico, Heberth era um jovem com muitos sonhos, estudioso e ativo. Ele tinha uma rotina corrida de estudos, pensando em focar no objetivo de cursar medicina.

 “Eu acordava às 3h30, estudava até as 5h. Depois, ia para a academia, voltava, ia para a escola, chegava em casa às 18h30, 19h. Nessa época, eu morava em Paulista. Quando chegava, eu comia alguma coisa, tomava banho e começava a estudar até as 22h, para dormir e acordar novamente às 3h”, relembra.

 A ideia de cursar medicina surgiu pela vontade de ajudar as pessoas, após conviver com os problemas de saúde dos avós.

"Em 2014, meu avô sofreu uma série de AVCs (Acidente Vascular Cerebral). Eu convivia com meu avô. Durante as crises convulsivas, eu via meu avô se debatendo e não entendia o que estava acontecendo, mas eu tentava ver alguma coisa para evitar que acontecesse. Em 2021, a gente descobriu que minha vó estava com uma doença degenerativa. Isso aumentou ainda mais a minha vontade de estar nessa área por causa minha família como um todo, minha mãe trabalhava na área de saúde, então sempre tive admiração por ela”, conta.

 O início do drama

Tudo aconteceu em 2023, quando Hebert tinha 19 anos. Após realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ele viajou para São Paulo para fazer as provas da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest) e Unesp.

Após “bater na trave” no vestibular, Heberth conta ao Diario de Pernambuco que estava empolgado com o desempenho nos exames para alcançar o objetivo de ingressar na universidade.

“Em 2022 eu fiz Enem e não fui aprovado. Em 2023, tentei fazer também outros vestibulares. Eu fiz Enem aqui (no Recife), e no dia seguinte ao segundo dia de prova, peguei o avião para São Paulo, para ir para casa do meu tio, porque, na mesma semana, era a prova da primeira fase da Unesp. Eu me classifiquei para a segunda fase e continuei em São Paulo estudando. Eu estava contente em relação às primeiras provas, porque eu tive um bom resultado. Fiz a segunda fase da Unesp e, quando eu saí da prova, tive uma sensação boa. Eu comentei com meu tio e chamei ele para comemorar a boa prova”, relembra.

 Pesadelo

Mas o que era uma comemoração virou um pesadelo. Na volta para casa, Herbeth e o tio sofreram uma tentativa de assalto. O tio tentou fugir da investida criminosa e perdeu o controle do veículo, que capotou várias vezes.

 “Saímos para comemorar, nos divertimos e, quando, a gente estava voltando para casa, sofremos uma tentativa de assalto. Meu tio, para tentar sair da situação, acelerou o carro para poder evitar. Ele foi fazer uma curva, acabou perdendo o controle e o carro capotou algumas vezes. Eu estava no banco de trás, sem cinto de segurança. Estava o meu tio e o colega com o cinto na frente. Eu fui jogado para tudo que é canto”, conta.

A partir daí, começou a luta de Herbeth para continuar vivo. A equipe médica não acreditou que uma pessoa poderia estar viva após um acidente tão grave. 

“O colega do meu tio falou que eu estava no banco de trás, porque pessoal do resgate, não estava dando atenção para mim, porque eles olharam o estado do carro e não acreditaram. Ele falou que o bombeiro que não tinha condições de ter alguém atrás, porque o carro está muito amassado. Se tivesse alguém atrás, a pessoa estaria morta. Eles abriram a lataria do carro para poder me tirar e quando conseguiram me enxergar, disseram que eu estava embaixo do banco do motorista com as pernas nos ombros”, descreve.

Heberth foi resgatado e sofreu uma parada cardiorrespiratória durante o socorro para um hospital próximo ao local do acidente, na rodovia Anchieta, entre São Bernardo no Campo e São Paulo. Ele precisou ser transferido às pressas para o Hospital das Clínicas (HC), em São Bernardo do Campo, para ser operado por conta de um sangramento na cabeça.

 “O Hospital de Clínicas foi onde eu fiquei internado por um longo tempo. Lá foi feita uma cirurgia para tirar um pedaço da parte óssea da cabeça minha cabeça”, ele relembra.

A mãe de Heberth, Rozilda Maria da Silva, de 44, só ficou sabendo do estado do filho após receber uma notificação, que, a princípio, achou se tratar de um trote. Só após um tempo ela soube que era de fato algo grave. Ela contou o desespero que foi ter que viajar para São Paulo sem nem sequer saber se o filho estava vivo.

“Minha mãe é enfermeira e trabalha em UTI neurológica. Ela estava muito ocupada quando contaram para ela da notificação do acidente no celular. Ela não deu importância, achou que era trote. A notificação continuou com o tempo, e a correria da UTI diminuiu. Quando ela pegou o celular, minha mãe ligou para o Hospital, se identificou, e ficou sabendo. Eu estava com documento no bolso e ela ficou sabendo que era eu, mas não sabia se eu estava vivo. A moça da recepção só falou: ‘Vem para São Paulo para você saber de alguma coisa’”.

Rozilda largou tudo para ir atrás do filho, em São Paulo. Ela só soube que o filho estava vivo quando recebeu uma ligação para autorizar a cirurgia de Herbeth. O procedimento foi tão complexo que, quando a mãe de Herberth chegou ao Hospital, ele ainda não tinha saído da cirurgia. A primeira mensagem que Rozilda recebeu da equipe médica foi: "Meus pêsames".

 “Quando eu cheguei, as pessoas do hospital ficavam olhando para mim assim: ‘Coitada dessa mãe, só tem ele, Meu Deus do céu’. Eu cheguei ao Hospital, os porteiros estavam chorando, as enfermeiras olhando para mim chorando. Eu não sabia se ele tinha morrido naquela hora, pela reação das pessoas”, ela lembra.

Ela diz que mesmo em choque e sabendo do quadro difícil, tinha fé de que Heberth estava vivo.

 “O bombeiro ligou para mim para fazer ainda o boletim de ocorrência, ele falou comigo o seguinte: ‘Quando eu tirei seu filho do carro, ele estava realmente parado na rodovia, eu achei que tinha morrido. E se ele está vivo hoje, realmente eu não sei o que aconteceu’. O tempo do socorro para o hospital é 15 minutos, com 15 minutos em parada cardíaca não tem como sobreviver. Pela minha vivência de UTI, eu sabia o risco de morte era grande, eu sabia que ele poderia morrer. Mas tem um momento que é sobre fé, é acreditar no que você não vê. Eu tinha certeza que ele não morreria por algum propósito. Eu nem chorava, ficava só o olhar fixo e concentradíssima, porque eu tinha que me concentrar para conseguir escutar a minha fé, a voz do Espírito Santo. Era eu e Deus”.

Herberth só acordou 15 dias após cirurgia. Foram 30 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e 65 hospitalizado. Rozilda não saiu de perto do filho nenhum minuto, mesmo com a equipe médica reforçando o risco de morte de Herberth.

“Eu não podia desanimar ali, nem fracassar e nem deixar que as pessoas me colocassem na minha cabeça que Hebeth ia morrer, se ele estava vivo. Então eu lutei o tempo todo. Eu fiquei com Herbert na UTI desde o primeiro momento, não porque me deixaram ficar, não porque as pessoas eram boas naquele lugar. É porque achavam que Herbert era o menino que não ia sair dali”.

No meio de tudo, a avó de Heberth e mãe de Rozilda, não aguentou a notícia do que tinha acontecido com o neto.

“Fiz uma chamada de vídeo com ela e Herbert, ele não lembra, porque ele realmente estava meio grogue da medicação, mas ele viu a avó, ela falou com ele e tudinho, mas depois ela infartou e faleceu. Ela infartou subitamente depois da notícia. E faleceu. Eu estava com ele na UTI e eu tive que sair de lá, deixei ele com o pessoal da enfermagem, e vim aqui em Recife e enterrar minha mãe, depois voltei para São Paulo para ficar com ele, e fiquei lá o resto do internamento”, contou Rozilda.

 

 Paraplegia

Heberth teve uma lesão medular na vértebra T4, abaixo da região do pescoço. Ele não consegue movimentar os membros inferiores. Ele relembra que demorou a processar a notícia de que tinha ficado paraplégico.

 “Eu não fiquei emotivo, abalado, nem chorando. Muito devido às medicações que eu estava recebendo, fiquei muito aéreo. Eu associei a lesão medular à paraplegia, mas eu a ficha só caiu dois, três meses depois. Eu fui processando essa informação, vendo o que a paraplegia tinha me imposto para viver”.

Só então Heberth soube que foi aprovado na universidade. Ele conta que naquele momento sequer conseguiu entender que tinha conseguido o grande objetivo da vida dele.

 “A minha reação não foi compatível com a pessoa que é aprovada no vestibular de medicina. A minha reação foi: ‘Tenho que passar em alguma coisa, depois de estudar feito condenado, tenho que passar’. Essa foi a reação da pessoa que passou em duas faculdades de medicina. Não teve tanta diferença em relação à expressão de emoção. Depois de um tempo a ficha foi caindo, eu pensei: ‘Eu passei na faculdade que eu sempre queria ser aprovado, estudei, consegui a aprovação’”.

Conforme Herberth foi entendendo a aprovação, surgiram as dúvidas sobre como poderia ser iniciar um curso que demanda muitas coisas.

“Uma semana após a informação da aprovação, a ideia começou a se tornar mais concreta, e veio na minha cabeça: ‘Como que eu vou fazer? Beleza, eu passei em medicina, mas agora estou paraplégico, não vai dar para fazer a faculdade’. Eu ficava feliz pela aprovação, e eu ficava triste porque eu imaginei que eu nem ia conseguir fazer a faculdade, então por que eu iria ficar feliz?”, ele compartilha.

Apesar da incerteza, Herberth conta que nunca pensou em desistir. Ele buscou e encontrou histórias de pessoas que, como, ele tinha limitações físicas e que também cursaram Medicina.

“Eu não pensei em desistir, mas pensei em como fazer a faculdade. Na época, não conhecia um médico que era paraplégico. Então, não tinha uma referência de médicos paraplégicos e por não ter essa referência, foi difícil pensar nisso. Eu descobri foi tentar ver mecanismos, se eu achava algum caminho para conseguir realmente fazer a faculdade. Foi aí que eu fui descobrindo alguns médicos cadeirantes, conhecendo histórias de pessoas e vi que seria possível, sim, fazer a faculdade”, relata.

Processo

Após um ano e nove meses entre tratamentos, cirurgias e hospitais, Herberth voltou para o Recife para iniciar a faculdade. Em processo interno, a UFPE aceitou que ele trancasse os três primeiros períodos do curso. No dia 8 de setembro, no início do período letivo 2025.1 da UFPE, Herberth viveu finalmente o sonho de começar a cursar medicina.

 “Vindo de São Paulo, eu fiquei muito ansioso em querer começar, mas ao mesmo tempo, estava muito receoso em como seria. Na minha cabeça só havia dúvidas sobre as aulas e tudo mais, e hoje eu tenho vivido as aulas, estou entendendo e ficando mais tranquilo com algumas coisas”, ele conta.

 Propósito

Para Heberth, o propósito da vida dele vai muito além de ajudar as pessoas além da medicina, mas também inspirar os outros com sua história. Tal como a mãe, ele enxerga a fé como peça fundamental nessa trajetória.

 “Eu penso no longo prazo sim. Vejo que é possível, sim, me tornar médico. Mesmo enfrentando todas essas dificuldades, vejo que é, sim, possível. Indo para a questão da fé, eu acho que um dos propósitos da minha vida está nesse caminho. Acho que o Senhor tem uma vontade que eu serva além da medicina, mostrando que é viável você conseguir fazer uma faculdade, é viável você fazer algo que queira fazer, mesmo sendo deficiente”, afirma.

 

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