Prejuízos da poluição sonora diária vai de danos psicológicos a perda auditiva
Trânsito, bares e obras estão entre os principais focos de poluição sonora que afetam a audição e a saúde mental da população
Publicado: 20/10/2025 às 07:00

Bares com som alto podem prejudicar audição (Foto: Crysli Viana/DP Foto)
O ruído constante das ruas, buzinas, obras e som alto em festas vem deixando sequelas cada vez mais claras na saúde auditiva, e a Região Metropolitana do Recife não está imune ao problema. Na capital, o Código Municipal de Meio Ambiente estabelece limites de emissão sonora que variam por horário e tipo de área e em geral são permitidos até 70 decibéis entre 6h e 18h e, à noite, limites menores, com quedas para 55 decibéis e 45 quando se trata de áreas sensíveis, como escolas e hospitais.
As regras existem para proteger o sossego e a saúde da população, mas o descumprimento e a exposição contínua tornam a fiscalização e a conscientização necessárias. Uma pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) intitulada “Diagnóstico da Poluição Sonora na Cidade do Recife” aponta que muitos pontos urbanos do Recife apresentam níveis de ruído que incomodam e, em alguns casos, superam limites saudáveis.
O trabalho destaca que trabalhadores como camelódromos registraram exposição diária a diferentes fontes sonoras, com o tráfego figurando entre os principais geradores de incômodo.
Os principais vilões do barulho são bares, restaurantes, atividades religiosas, propagandas com caixas de som, casas de show e obras da construção civil. Segundo a pesquisa, Boa Viagem, no sul da cidade, e bairros do Centro e Zona Norte, como Boa Vista e Casa Amarela, concentram grande parte das denúncias.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ruído é considerado a terceira maior forma de poluição do planeta, atrás apenas da água e do ar. Sons acima de 75 decibéis já podem causar danos auditivos, estresse, aumento da pressão arterial e distúrbios do sono.
“A gente sabe que o uso prolongado e com volume alto também causa perda auditiva. Hoje, vivemos até uma espécie de “epidemia” de perdas auditivas em pacientes jovens, justamente pelo uso excessivo de fones com volume muito alto”, afirma a otorrinolaringologista Nicole Cardoso.
Níveis de ruído e riscos à audição
No Brasil, as normas trabalhistas estabelecem que o limite de exposição segura durante uma jornada de oito horas é de 80 decibéis. Isso significa que quanto mais alto for o ruído, menor deve ser o tempo de permanência no ambiente para evitar prejuízos auditivos.
De acordo com uma tabela elaborada pela Universidade de São Paulo (USP), o tempo máximo recomendado de exposição varia conforme a intensidade sonora, de até 8 horas para 85 decibéis; 4 horas para 90 decibéis; 2 horas para 95 decibéis; 1 hora para 100 decibéis; 30 minutos para 105 decibéis e apenas 15 minutos para 110 decibéis.
O otorrinolaringologista Luiz Antônio Barbosa explica que “existem algumas alterações auditivas induzidas por ruído que são causadas por sons contínuos, como, por exemplo, a exposição prolongada à música em volume alto ou ao uso de equipamentos e máquinas que produzem ruídos constantes. Esses casos precisam de uma continuidade na exposição para gerar lesão auditiva. Por exemplo, uma pessoa que opera uma máquina diariamente fica exposta àquele som por várias horas, e essa exposição repetida, ao longo do tempo, pode causar dano auditivo”.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que 17,3 milhões de brasileiros com dois anos ou mais, o equivalente a 8,4% da população, possuem algum tipo de deficiência.
A pesquisa explica que a perda auditiva se caracteriza quando a pessoa tem muita dificuldade para ouvir ou não consegue escutar de forma alguma. Uma das principais causas é a exposição constante a ruídos intensos, especialmente acima de 85 decibéis, durante longos períodos.
“A chamada perda auditiva induzida por ruído, que ocorre pela exposição constante a sons altos, pode não ter reversão. Uma vez que a perda acontece, o paciente pode não recuperar mais a audição. Então, por exemplo, se a pessoa reside ou trabalha ao lado de um local onde há uma obra com uso de maquinário, que produz sons muitas vezes acima de 100 decibéis, ela pode, em apenas uma ou duas horas de exposição, desenvolver uma lesão auditiva irreversível”, destaca a otorrinolaringologista Nicole Cardoso.
Barulho do trânsito associado à depressão e ansiedade
Um levantamento realizado pela Universidade de Oulu, na Finlândia, indica que viver em locais com muito barulho de trânsito pode elevar o risco de depressão e ansiedade entre crianças, adolescentes e jovens adultos. O estudo identificou que níveis de ruído acima de 53 decibéis já representam um fator de risco para a saúde mental.
“O som é processado inicialmente como um estímulo neutro, mas torna-se um estressor quando ultrapassa a capacidade de adaptação do sistema nervoso, seja pela intensidade, frequência, imprevisibilidade ou impossibilidade de controle. O cérebro, especialmente a amígdala, interpreta ruídos altos ou contínuos como potenciais sinais de ameaça. Isso aciona o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, liberando cortisol e adrenalina. Quando essa resposta é repetida, o corpo permanece em estado de alerta prolongado”, explica a psicóloga Brunna Lima.
A pesquisa, publicada na revista Environmental Research, acompanhou mais de 114 mil pessoas nascidas entre 1987 e 1999. Os participantes foram monitorados por até dez anos, entre 8 e 21 anos de idade, com base em informações sobre o ambiente residencial e registros de saúde.
Os cientistas calcularam a média anual de ruído proveniente do tráfego rodoviário e ferroviário nas áreas onde os jovens viviam. Esses dados foram cruzados com diagnósticos de depressão e ansiedade. A partir dessa análise, os pesquisadores conseguiram traçar um retrato detalhado da relação entre a exposição ao som urbano e o bem-estar psicológico.
Os resultados mostraram que o risco de ansiedade é mais baixo em locais onde o ruído fica entre 45 e 50 decibéis. No entanto, quando o nível passa dos 53, o som começa a funcionar como um estressor psicológico importante, afetando a saúde emocional dos jovens, mesmo que eles morem ou durmam na parte mais silenciosa da casa.
“Vários estudos mostram que a poluição sonora noturna interfere na arquitetura do sono, especialmente nas fases profundas (REM e N3). Isso gera despertares noturnos, sono fragmentado, aumento de irritabilidade e ansiedade, e, a longo prazo, maior risco de sintomas depressivos”, pontua Brunna Lima.
A profissional ainda destaca que crianças, que possuem o sistema nervoso ainda em desenvolvimento podem sofrer problemas de atenção, aprendizado e regulação emocional “processam estímulos sensoriais com maior intensidade e o som pode ser percebido como invasivo ou doloroso”.

