Cidades de Pernambuco perderam 81% dos recifes de corais por conta de onda de calor em 2024
Publicado: 26/09/2025 às 20:15

Falta de coloração é um dos sintomas do "adoecimento" dos corais (Foto: Thales Vidal/PELDTAMS)
Os recifes de coral de Pernambuco estão entre os mais atingidos pela onda de calor marinha que afetou os oceanos do planeta em 2023 e 2024. Um estudo publicado na revista Coral Reefs aponta que, em São José da Coroa Grande, no litoral sul do estado, mais da metade dos corais (53%) morreu em consequência do branqueamento. Já em Porto de Galinhas, um dos principais destinos turísticos do estado, a redução da cobertura coralínea foi de 28%. Ao todo, a perda foi de 81% desta estrutura marinha.
A situação pernambucana faz parte de um quadro mais amplo que atingiu o Nordeste. Em Maragogi (AL), por exemplo, a mortalidade foi ainda maior e 88% da cobertura coralínea desapareceu. Em Rio do Fogo (RN), o índice chegou a 38%. Essas quatro localidades concentraram os maiores impactos do evento em todo o país.
O fenômeno é provocado pelo excesso de calor na água do mar. Com o aumento da temperatura, os corais expulsam as microalgas chamadas zooxantelas, que vivem em seus tecidos e produzem a maior parte da energia necessária para sua sobrevivência. Sem elas, os corais perdem a cor (“branqueiam”) e, caso a condição de estresse se prolongue, podem morrer.
“Os recifes de coral, além de servirem de alimento, também são abrigo e local de reprodução para diversas espécies. Eles constroem um ambiente que permite a chegada de várias outras espécies. É como se fosse um grande condomínio, onde tem outras espécies que vêm se alimentar, outras para passar algum tempo ou para descansar. Quando acontece um branqueamento de corais que pode levar à morte, outras espécies também podem deixar de existir. Cerca de 25% de toda a biodiversidade marinha em algum momento da vida depende dos recifes de coral para sobreviver”, alerta Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
O levantamento é o primeiro a avaliar de forma sistemática os efeitos de um evento global de branqueamento sobre os recifes de coral brasileiros. Pesquisadores monitoraram 18 ecossistemas recifais, do Ceará a Santa Catarina, além de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas.
As observações ocorreram entre agosto de 2023 e dezembro de 2024, antes, durante e depois do pico de calor oceânico, que se deu entre abril e junho de 2024, o ano mais quente já registrado no planeta.
“Com o aquecimento global, a temperatura da água do oceano aumenta, elevando-se acima da média climática, ou seja, além dos limites habituais para aquela região. Em alguns casos, essa elevação pode ser de 0,5ºC, 1ºC ou até 1,5ºC, como observado em 2024. Esse aumento de temperatura desestabiliza a simbiose existente entre os corais e as zooxantelas, microalgas que vivem em seus tecidos”, explica Beatrice Padovani, professora de Oceanografia da UFPE e membro da rede global de monitoramento de recifes de coral.
Na média, os recifes brasileiros ficaram 88 dias sob estresse térmico, o que equivale a três meses com temperaturas acima do normal. O branqueamento afetou 36% das áreas monitoradas.
Em Onze das 18 localidades estudadas os corais branquearam, mas conseguiram se recuperar após a queda da temperatura da água, sem perdas significativas. Isso ocorreu em áreas como Fernando de Noronha, Abrolhos (BA) e o Atol das Rocas, locais considerados estratégicos para a biodiversidade marinha do Atlântico Sul.
Em outros três pontos, dois na Bahia e um em Sergipe, a mortalidade foi considerada leve, em torno de 5% da cobertura coralínea.
Entre as espécies brasileiras, as que mais sofreram foram o coral-esmeralda (Scolymia wellsii), com mortalidade de 66%, o coral-de-fogo (Millepora alcicornis), com 54%, e o coral-vela (Mussismilia harttii), com 28%.
A preocupação é maior porque algumas delas nunca haviam branqueado antes ou desempenham papel essencial na estrutura dos recifes. A perda desses corais ameaça não apenas a biodiversidade, mas também atividades como a pesca e o turismo.
“A combinação de temperaturas elevadas e um período prolongado de calor intenso contribuiu para o branqueamento de corais em escala mundial. Este foi considerado o quarto evento global de branqueamento em massa”, explica Beatrice.
Recifes de corais estão sensíveis às mudanças climáticas
Segundo os cientistas, o episódio de 2024 serve de alerta. Eventos de branqueamento em massa vêm se tornando mais frequentes e intensos nas últimas décadas, em razão do aquecimento global causado pela emissão de gases de efeito estufa.
Desde 1997, já ocorreram quatro eventos globais de branqueamento. O atual, iniciado em 2023, é o mais intenso e já atingiu 84% dos recifes de coral do mundo, com registros em 82 países.
No Brasil, embora nem todos os recifes tenham apresentado perdas de corais vivos, a tendência é de agravamento. Estudos indicam que, se o aquecimento global não for contido, os recifes tropicais do Atlântico ocidental podem entrar em processo de erosão em massa até 2040. Eles podem praticamente desaparecer até o fim do século, caso o aumento da temperatura média global ultrapasse os 2ºC.
Os pesquisadores destacam que, diante do avanço das mudanças climáticas, a regeneração natural dos corais dificilmente será suficiente para restaurar a cobertura perdida. Por isso, reduzir pressões locais, como poluição, pesca predatória e turismo desordenado, é essencial para aumentar a resiliência dos recifes que ainda resistem.
O estudo também aponta que o fato de muitos recifes afetados, como Maragogi e São José da Coroa Grande, estarem dentro de áreas de proteção ambiental não foi suficiente para evitar a mortalidade. Por outro lado, em unidades de conservação como Noronha e Abrolhos, os corais se mostraram mais resistentes.
“Temos que pensar em proteger, mas como nós já perdemos uma parte considerável dos recifeS de coral e eles estão em grande ameaça, temos que começar a nos adaptar com a falta dos serviços ecossistêmicos que eles prestam, como a proteção costeira”, destaca Janaína Bumbeer.
O trabalho foi conduzido pelo Projeto Coral Vivo em parceria com 20 instituições, entre universidades públicas, ONGs e órgãos de pesquisa brasileiros e internacionais.

