Pernambucano premiado mostra como enfrentar os desafios climáticos no semiárido
Para Thieres, o prêmio da Fundação Bunge não é apenas um marco pessoal, mas também coletivo. Representa o reconhecimento de um esforço contínuo para transformar ciência em oportunidade e resiliência para a população do semiárido
Publicado: 06/09/2025 às 06:30

Pesquisador pernambucano Thieres George Freire da Silva, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) (Acervo Pessoal)
As mudanças climáticas já deixaram marcas profundas no semiárido brasileiro, mas também despertaram soluções vindas da ciência. Um dos nomes à frente desse esforço é o do pesquisador pernambucano Thieres George Freire da Silva, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e recém-contemplado com o Prêmio Fundação Bunge 2025, na categoria Vida e Obra, pelo tema “Gestão do risco climático na produção de alimentos”. A honraria, que chega aos 70 anos inspirada no Nobel, reconhece trajetórias de impacto para o desenvolvimento social, cultural e científico do Brasil.
Com mais de duas décadas dedicadas ao estudo da agrometeorologia, Thieres vem se debruçando sobre como tornar a agricultura do semiárido mais resistente à seca e às altas temperaturas, um desafio que vai muito além da academia. Para ele, os efeitos do aquecimento global já transformam o cotidiano de agricultores e pecuaristas da região.
Segundo o pesquisador, o semiárido tem experimentado mudanças drásticas: temperaturas cada vez mais altas, chuvas escassas e irregulares e, ao mesmo tempo, episódios mais intensos de precipitação em curtos períodos. “Tem chovido menos, mas em eventos concentrados, o que aumenta o déficit hídrico e dificulta a produção de alimentos”, explica. Esse cenário afeta culturas de grande importância, como o milho e o feijão, base da alimentação humana e animal, mas também a fruticultura. Ele cita a videira, que perde energia para dissipar calor em excesso, e a mangueira, cuja floração é prejudicada pelas ondas de calor e pelas chuvas mal distribuídas.
Frente a esses desafios, Thieres destaca que os avanços científicos têm apontado para a adoção de sistemas de produção inteligentes e resilientes. Esses modelos combinam informações meteorológicas e climatológicas com práticas de manejo, uso de culturas adaptadas, consórcios de plantio e técnicas como a cobertura morta e a irrigação orientada por dados. “Quando aplicadas em conjunto, essas estratégias aumentam a capacidade de resistência da agricultura às condições extremas do semiárido”, afirma.
Entre os exemplos de espécies adaptadas, uma ocupa lugar de destaque: a palma forrageira, cactácea capaz de acumular água em seus tecidos e resistir a longos períodos de estiagem. Thieres coordena ações voltadas para a cultura dentro do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) e reforça seu papel estratégico. “Ela sozinha não resolve os problemas da pecuária, mas, quando combinada a outras culturas e manejos, torna-se fundamental para alimentar o rebanho em períodos críticos. A palma precisa ser ofertada junto a outros alimentos armazenados na época chuvosa. É essa combinação que garante sustentabilidade ao sistema produtivo”, detalha.
Ferramenta essencial para reduzir perdas, o ZARC é baseado em modelagem agrometeorológica, bancos de dados de solo e clima e informações sobre o desenvolvimento das culturas. A partir desses elementos, indica os períodos de menor risco para o plantio em cada região do país. Mais do que orientar produtores, o sistema embasa políticas públicas, como o Seguro Rural e linhas de financiamento. “É uma tecnologia que protege o agricultor e também garante segurança às instituições financeiras, mas precisa estar associada a práticas de produção mais inteligentes para que cumpra seu papel de forma efetiva”, avalia o pesquisador.
O futuro da agricultura no semiárido
Questionado sobre os próximos desafios, Thieres pondera que o futuro da agricultura no semiárido dependerá da capacidade de ampliar o que já foi conquistado e desenvolver novas soluções. Entre as prioridades, estão identificar cultivares mais resistentes, aprofundar tecnologias que melhorem a retenção de água no solo e expandir sistemas de monitoramento climático em tempo real. “Precisamos produzir mais com menos água. Isso significa investir em práticas e tecnologias que permitam maior eficiência no uso dos recursos naturais”, resume.
Para Thieres, o prêmio da Fundação Bunge não é apenas um marco pessoal, mas também coletivo. Representa o reconhecimento de um esforço contínuo para transformar ciência em oportunidade e resiliência para a população do semiárido. “O que me deixa mais feliz é que nunca busquei esse reconhecimento como objetivo. Ele é fruto de tudo o que foi construído ao longo desses anos, com pesquisa, ensino e extensão. É um incentivo para continuar”, afirma.

