Salve Beberibe: quando a luta pelo rio também se torna luta pela vida
Publicado: 03/09/2025 às 06:00

Coletivo Salve Beberibe (Foto: Divulgação)
Fundado em plena pandemia de Covid-19, em 2020, o coletivo Salve Beberibe nasceu da urgência de dar voz a um rio historicamente importante, mas negligenciado pelo poder público e pela sociedade. Mais do que enfrentar a poluição do Beberibe e de seus afluentes, o projeto buscou desde o início denunciar as desigualdades que atravessam a vida de quem mora às suas margens. Com mutirões, plantios e ações de educação ambiental, o coletivo vem mostrando que cuidar do rio também é cuidar das pessoas que dele dependem.
Localizado na Rua Compositor Vinicius de Moraes, em Beberibe, no Recife, o projeto se consolidou como um movimento comunitário que une meio ambiente e justiça social. Ao longo de quatro anos, o Salve Beberibe mobilizou voluntários, coletou mais de duas toneladas de lixo das margens, foi homenageado na Câmara Municipal e atingiu mais de oito mil pessoas pelas redes sociais. Mas os números contam apenas parte da história: por trás deles, há trajetórias pessoais de resistência, sonhos coletivos e um profundo sentimento de pertencimento.
A origem nas margens
A fundadora e coordenadora geral, Eva Arruda da Silva, explica que a criação do coletivo foi tanto um ato de cuidado ambiental quanto de sobrevivência. Moradora da Linha do Tiro desde a infância, Eva cresceu testemunhando enchentes, falta de saneamento e esgoto despejado diretamente no rio. Ao perceber que a degradação impactava, sobretudo, comunidades periféricas e pretas, decidiu agir.
“Desde criança me apresentaram o Rio Beberibe como um mero ‘canal’, assim como tentaram reduzir minha existência travesti a um equívoco. Mas foi nas águas poluídas e teimosas do rio que me reconheci. Mesmo carregando o peso do esgoto e do descaso, ele insiste em sustentar vida em suas margens. Essa resistência silenciosa me ensinou a minha própria força”, afirma Eva.
O nome do coletivo, explica ela, também é carregado de simbolismo. “‘Salve Beberibe’ é chamado e saudação. Um grito de cuidado por um rio poluído que precisa ser protegido, mas também é um gesto de respeito aos povos que habitam suas margens e às entidades que guardam e protegem as águas.”
Desde a fundação, o grupo realiza mutirões mensais de cuidado com o rio. Nessas ações, moradores e voluntários se reúnem para remover lixo, plantar mudas, podar áreas degradadas, instalar placas educativas e até criar pequenos espaços de convivência às margens. Além disso, o coletivo promove rodas de conversa em comunidades e atividades de educação ambiental em escolas, fortalecendo a consciência coletiva sobre a importância da preservação.
Um dos diferenciais do projeto é a articulação entre questões ambientais e sociais. Ao denunciar problemas como a falta de saneamento básico, o coletivo chama atenção para o fenômeno conhecido como racismo ambiental, que afeta especialmente as comunidades periféricas e majoritariamente pretas do entorno.
“Nosso território é um exemplo claro disso. A população que vive às margens do rio enfrenta enchentes, deslizamentos e poluição de forma muito mais intensa. Não é só sobre o rio: é sobre o direito a uma vida digna”, pontua Eva.
Conquistas e reconhecimento
Em quatro anos, o Salve Beberibe já deixou marcas concretas. Mais de 30 voluntários engajados ajudaram a retirar toneladas de resíduos, devolvendo ao rio pequenas áreas de respiro. A presença ativa nas redes sociais ampliou o alcance da causa, levando denúncias ambientais e mobilizações para milhares de pessoas.
O reconhecimento também chegou em forma de homenagens: o coletivo já foi lembrado duas vezes na Câmara do Recife pelo trabalho socioambiental. “São conquistas que nos fortalecem, mas também lembram que ainda há muito a ser feito”, destaca Eva.
Apesar dos avanços, a maior dificuldade do grupo continua sendo financeira. A manutenção das atividades depende de doações e apoios eventuais, insuficientes para ampliar a atuação. Os custos com transporte, materiais, divulgação e infraestrutura ainda limitam o alcance das ações.
“Nossa maior luta hoje é estrutural. Queremos expandir, mas sem financiamento adequado ficamos restritos. Precisamos de recursos para continuar limpando, plantando e educando, mas também para dar sustentabilidade ao projeto”, afirma a fundadora.
O horizonte do coletivo é ambicioso: transformar-se em Instituto e ampliar a atuação para toda a bacia hidrográfica do Beberibe. A meta é consolidar uma sede própria, já que atualmente os encontros acontecem em uma praça revitalizada junto com a população. Além disso, o grupo quer fortalecer a presença em espaços políticos, ampliando o impacto da sua atuação.
“Nosso futuro carrega a fluidez das águas do rio. Queremos nos adaptar, ocupar espaços e lutar pelas demais causas socioambientais. Mas, sobretudo, queremos garantir que o Beberibe seja visto como um rio vivo, digno de respeito e cuidado”, resume Eva.

