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Vida Urbana
CELEBRAÇÃO

Quando o povo recifense pediu a bênção a João de Deus

Papa João Paulo II, ou João de Deus, visitou o Recife em sua primeira vinda ao Brasil, em 1980. A terceira matéria da retrospectiva dos 200 anos do Diario de Pernambuco conta todos os detalhes do maior evento de fé da capital pernambucana

Carlos Lopes

Publicado: 16/08/2025 às 07:00

Logo após desembarcar na Base Aérea do Recife, papa João Paulo II abraça dom Hélder Câmara/Edvaldo Rodrigues/DP

Logo após desembarcar na Base Aérea do Recife, papa João Paulo II abraça dom Hélder Câmara (Edvaldo Rodrigues/DP)

Durante 12 dias e 13 cidades, João Paulo II esteve no Brasil, na primeira vez em que um papa visitou o país mais católico do planeta. O hino “A bênção, João de Deus” grudou na memória de quem acompanhou a passagem do pontífice, entre o final de junho e início de julho de 1980.

João Paulo II beijou o solo pernambucano no dia 7 de julho, logo após desembarcar no Recife, ritual realizado em cada cidade do seu roteiro. A visita do papa foi um dos eventos mais esperados dos anos 1980, fazendo a capital pernambucana parar.

O Diario de Pernambuco acompanhou cada passo de João de Deus na cidade e a história da grande cobertura do dia 7 de julho de 1980 faz parte da terceira matéria da contagem regressiva dos 200 anos do jornal mais antigo em circulação da América Latina.

Roteiro

O Distrito Federal foi o primeiro lugar do país onde o papa pisou (e beijou) o solo. De Brasília, repetiu o gesto em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Aparecida, Porto Alegre, Curitiba e Salvador, antes de chegar ao Recife. Daqui, seguiu para Teresina, Fortaleza, Manaus e Belém, de onde retornou ao Vaticano.

Em cada lugar que passou João Paulo II discursou sobre um tema específico. Em Pernambuco, direcionou sua fala ao camponês.

“Os problemas que envolvem o trabalhador do campo serão abordados no tema principal do discurso que o Papa João Paulo II irá pronunciar aqui no Recife, segundo afirmação do seu assessor, monsenhor Paul Marcinkus, que já se encontra em Brasília à espera do Sumo-Pontífice, que chega hoje.”, relatava o texto do Diario de Pernambuco da edição do dia 30 de junho.

Nos seis dias seguintes, a cobertura do DP se dividiu entre as passagens do papa por cada localidade, no noticiário nacional. No local, os últimos preparativos para a sua recepção na capital pernambucana, que não foram poucos.

Mais de 500 mil pessoas estavam sendo esperadas nas ruas do Recife para ver a passagem do papamóvel (veículo que transportava João Paulo II) e no estacionamento do Joana Bezerra, onde seria celebrada a missa em um altar montado sobre duas carretas, no alto do viaduto.

De braços abertos para o Recife

Às 15h40, o avião presidencial desembarcou na Base Aérea. Em poucos minutos, a porta da aeronave abriu e o papa João Paulo II apareceu, com os abraços abertos para o Recife. Desceu os degraus, sorrindo. Pisou na pista, ajoelhou-se e beijou o solo pernambucano, ritual de demonstração de carinho que o pontífice repetiu a cada parada da sua visita ao Brasil.

O primeiro cumprimento foi o mais demorado e afetuoso. O papa deu um abraço de acolhimento, envolvendo o corpo de dom Hélder Câmara com um braço em volta e segurando o seu rosto contra o peito. O arcebispo de Olinda e Recife retribuiu o afago e falou algumas palavras.

Seguiram-se as saudações protocolares às autoridades que o recepcionavam, incluindo o governador do estado de Pernambuco, Marco Maciel, o vice, Roberto Magalhães, e o prefeito do Recife, Gustavo Krause. Sem demora, subiu ao papamóvel, que deu partida. Era o momento de saudar o povo que o aguardava em cada canto do trajeto até o estacionamento do Joana Bezerra.

Avenida Mascarenhas de Moraes, Antônio Falcão até a Avenida Boa Viagem, onde estimativa apontou a presença de 200 mil pessoas abençoadas pelo papa, com os abraços abertos e o sorriso do rosto. As saudações se seguiram até o final do trajeto de 24km, após entrar na Avenida Antônio de Góis e chegar ao viaduto do Cabanga.

Às 17h, João Paulo II subiu no altar montado sobre duas carretas, no viaduto, voltado para meio milhão de fiéis, na Ilha de Joana Bezerra. Um mar de gente, onde o branco e o amarelo do Vaticano, no tremulado das bandeirinhas, lembrava gigantes ondas de fé.

Previamente definido, o assunto escolhido para o pontífice discorrer no Recife seria a “Santificação do Trabalho”, com o enfoque no trabalhador do campo, que sofria com as consequências de uma seca extrema, desde meados dos anos 1970, e muita injustiça social. Um representante dos camponeses leu um trecho do “Sermão da Montanha”.

Ovacionado também pela multidão, dom Hélder Câmara quebrou o protocolo (não estava prevista a sua fala) e lembrou ao Santo Padre que todos os que não puderam estar ali naquele momento, presentes em corpo, estavam de coração. Do interior do estado, aos estados vizinhos.

Duas horas depois, o papamóvel deixava o viaduto e seguia um percurso de saudação pela Avenida Agamenon Magalhães, Praça do Dérbi, Avenida Conde da Boa Vista, Avenida Dantas Barreto, Avenida Nossa Senhora do Carmo, Rua do Imperador, Praça da República, Rua Princesa Izabel, Rua do Hospício, Avenida Cruz Cabugá, retornando à Agamenon Magalhães, chegando, enfim, à Avenida Rui Barbosa.

Quase duas mil pessoas o aguardavam em frente ao Palácio dos Manguinhos, no bairro das Graças. Da sacada, João Paulo II deu o derradeiro aceno, sorridente, ao povo pernambucano.


Edição especial para momento histórico

Uma mega operação de cobertura jornalística foi montada na redação do Diario de Pernambuco, dias antes da chegada do papa ao Recife. Desde as primeiras horas da segunda-feira, 7 de julho, bem antes do desembarque na Base Aérea, a reportagem do DP estava em campo para contar a história das pessoas que saíam em romaria de cada canto da cidade com destino ao Joana Bezerra.

Até o adeus, da sacada do Palácio dos Manguinhos, já de noite, equipe de repórteres e fotógrafos seguia os passos de João Paulo II e dos seus fiéis no maior evento de fé que o Recife viveu. Foram horas de cobertura que renderam um rico material histórico, incorporado ao acervo do Diario.

No dia seguinte, o leitor teve em mãos uma edição especial. Além da capa, foram 19 páginas internas com a mais completa cobertura da passagem pelo Recife de João de Deus, como ele foi exaltado, além de trazer detalhes das próximas visitas do papa no Brasil.

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