Até onde as medidas de Trump são preocupantes?
Especialistas apontam sinais de alerta que, embora ainda não configurem uma ruptura institucional, podem indicar riscos à estabilidade democrática
Publicado: 29/09/2025 às 11:34

Presidente dos EUA, Donald Trump. Foto: Mandel NGAN / AFP ( AFP)
Em apenas nove meses desde seu retorno à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump já deixou claro o tom de seu segundo mandato, e tem despertado a inquietação global. Assinatura de decretos em série, confrontos com instituições e medidas polêmicas contra outros países, como a recente taxação de 50% sobre produtos brasileiros e a aplicação da Lei Magnitsky a autoridades têm levantado o debate: até onde a condução de seu governo se aproxima de um regime autoritário?
Especialistas apontam sinais de alerta que, embora ainda não configurem uma ruptura institucional, podem indicar riscos à estabilidade democrática. No dia da posse, em 20 de janeiro, Trump assinou mais de 60 decretos, entre eles a deportação imediata de 37 mil imigrantes e a retirada dos EUA do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Para o economista Luiz Maia, professor da UFRPE, a forma acelerada com que o presidente conduziu as primeiras medidas já sugere uma postura preocupante.
“Ele editou uma quantidade enorme de decretos, praticamente todo dia assinava novas regras, explorou com muita habilidade as lacunas da legislação que permitiam ao presidente fazer tantas mudanças daquele jeito. Ficou muito marcante no início do mandato aquele volume enorme de decretos totalmente atípico. Governar por decreto, convenhamos, não é uma atitude muito democrática”, avalia Maia.
Também é destacada a tentativa de tirar a legitimidade de instituições de controle, como a imprensa e até o Judiciário e o sistema eleitoral brasileiro. Para Maia, a estratégia de Trump é enfraquecer qualquer instância que o contrarie.
“Essa postura agressiva em relação à imprensa mostra uma inclinação de não reconhecer o papel da imprensa numa democracia. Quando a imprensa fala alguma coisa bem do governo, ela
está certa. Se crítica, está sendo enviesada, ou é comprada e corrupta”, observa.
A leitura de Fábio Andrade, cientista político e professor no curso de Relações Internacionais da ESPM, também reforça o problema do governo de Trump no desenho institucional.
“As primeiras indicações de Trump mostraram que os atores escolhidos não reconheceriam a institucionalidade de órgãos como FBI, Secretaria do Tesouro, Independência do Banco Central e entre outras, para a condução de uma atuação com “mais ou menos” participação do Estado Norte-Americano. O objetivo era desarticular a forma do Estado americano funcionar. É uma característica nova desses grupos à direita, o que alguns autores têm chamado de desmantelamento do Estado”, explica.
De acordo com Andrade, a organização do governo Trump migra para um governo autoritário e “que não reconhece qualquer outra institucionalidade que venha a limitar sua capacidade de atuação”.
A aproximação com lideranças de viés autoritário contemporâneo também chama atenção. “Trump é um fenômeno típico do século 21, de uma era um pouco mais digitalizada, após escombros de um modelo econômico hiper globalizado e dessa forma, talvez, o melhor para o autoritário dele. São os pares autoritários mais atualizados, como o Erdogan, na Turquia, e o Orbán na Hungria”, pontua Andrade.
Impacto da gestão Trump além dos Estados Unidos
As ações de Donald Trump não têm se limitado às fronteiras americanas. Suas decisões repercutem de forma direta na economia global, nas alianças e até no fortalecimento de lideranças em outras partes do mundo, como do ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL). A condução do atual mandato já traz efeitos na economia e na política mundial, especialmente por se tratar da principal democracia do Ocidente.
Para o economista Luiz Maia, a postura de Trump no comércio internacional tem elevado riscos e custos para empresas em todo o mundo.
“Ele primeiro provoca um grande tumulto, um ambiente de profunda incerteza e depois vai pedindo concessões. Só na medida que o parceiro comercial é colocado como inimigo, quando o se dispõe a fazer concessões, ele volta a negociar. Ao elevar muito o risco das transações internacionais ele encarece as empresas do planeta inteiro”, explica.
Segundo o especialista, o discurso de “trazer a indústria de volta para os EUA” traz uma visão econômica protecionista, que estimula reações parecidas em outros países.
Para além do impacto econômico, o cientista político Fábio Andrade também aponta a dimensão política da postura anti-institucional de Trump, que serve como combustível para grupos de extrema direita em diversos países.
“O fortalecimento de lideranças autoritárias é um movimento ordenado em torno da extrema direita, com aqueles congressos e canais de comunicação bastante presentes. Há esse lado importante na atuação do Trump, de uma figura que remete e incentiva outros atores nesse sentido”, afirma.
Essa influência, no entanto, não demonstraria que o norte-americano seja a causa do avanço de líderes populistas e autoritários em outras regiões. Para Maia, há um descontentamento global com a globalização. No campo das alianças, o presidente contra a OTAN e a União Europeia já gerou ruídos. Para Andrade, a imagem dos EUA sofre mais do que a das próprias instituições.
“Parece que há um dano muito maior à imagem dos Estados Unidos do que a OTAN propriamente dito, ainda que as duas coisas possam ser indissociáveis. A OTAN ainda consegue, de certa forma, se manter autônoma em relação ou com uma imagem diferente da imagem da presidência dos Estados Unidos”, analisa

