"Extrema-direita está cometendo crime de lesa-pátria", diz Humberto Costa sobre apoio de bolsonaristas ao tarifaço de Trump
Em entrevista exclusiva ao Diario, o senador Humberto Costa fala sobre articulações do governo Lula, disputas internas do PT e eleições para o governo de Pernambuco: "Está vivendo uma antecipação muito grande"
Publicado: 14/07/2025 às 02:00

Humberto Costa ( Crysli Viana/DP Foto)
Senador e presidente nacional do PT pelo menos até agosto, Humberto Costa afirma que grupos políticos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estariam cometendo “crime de lesa-pátria” ao apoiar a taxação de 50% de importação sobre produtos brasileiros imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na semana passada.
A declaração de Humberto Costa foi dada em entrevista exclusiva ao Diario de Pernambuco. Para o petista, os bolsonaristas não estariam preocupados com o impacto do tarifaço para o Brasil, mas em “livrar a cara do ex-presidente e de seus auxiliares”, que são réus no Supremo Tribunal Federal (STF), acusados de arquitetar um golpe de Estado após a derrota eleitoral em 2022.
Na conversa, o senador aborda, ainda, os embates entre o governo Lula e o Congresso Nacional, as eleições internas do PT e o cenário eleitoral na disputa para o Governo de Pernambuco no ano que vem.
Confira abaixo a entrevista do senador Humberto Costa ao Diario de Pernambuco.
O senhor é pré-candidato à reeleição no Senado no próximo ano, e o PT tem se aliado, até o momento, com o prefeito João Campos, que pode disputar o Governo do Estado. Mas João tem aparecido ao lado de outros nomes ao Senado, como Miguel Coelho, Marília Arraes e Sílvio Costa Filho. O senhor acredita que tem lugar garantido na chapa dele?
Ninguém tem lugar garantido. Nem os candidatos ao governo têm lugar garantido. Muita coisa vai acontecer daqui para frente. O PT já externou mais de uma vez, seja pela direção nacional ou estadual, que nosso objetivo principal em Pernambuco é a reeleição da vaga do Senado. Eu tenho me apresentado como candidato.
O debate sobre a composição das chapas e a decisão do PT sobre como vamos nos posicionar para o Governo do Estado ainda vai se iniciar. Pernambuco está vivendo uma antecipação muito grande da eleição. Mas nós vamos discutir as eleições estaduais a partir de uma lógica e uma estratégia nacional.
Nosso principal objetivo é reeleger o presidente Lula. E os objetivos estaduais têm que estar articulados com isso. Vamos começar a fazer essa discussão agora no segundo semestre.
Se nada está acertado, um possível alinhamento com a governadora Raquel Lyra, caso ela decida apoiar o presidente Lula, é uma possibilidade? Ou está descartado?
Tudo será discutido nacionalmente e localmente. Vamos ouvir muito fortemente a posição do presidente Lula. Todo mundo sabe que o PT tem uma relação histórica com o PSB. Houve momentos em que estivemos no mesmo palanque em várias disputas, outros em que não estivemos. Mas há esse desenho histórico.
Por outro lado, se a governadora adotar uma posição de apoio a Lula, certamente ela vai querer ter algum tipo de conversa com ele, obter algum tipo de concessão. No momento, esse debate é muito antecipado. Mas nós vamos começar a fazer essa discussão em breve.
O senhor apareceu em um levantamento sobre parlamentares que utilizaram a cota parlamentar para comprar bebidas alcoólicas, o que é vedado pelo Senado. O que justifica o reembolso?
Estou tranquilo quanto a isso. O valor foi R$ 120. Por que razão eu iria querer fraudar o Senado Federal em R$ 120? Foi um erro do Senado. Eu sou um dos senadores que coloca no portal da transparência todas as suas despesas com verbas do Nacional. Todas, sem exceção. Isso é, inclusive, uma alternativa ao senador. Ele pode pedir para que não seja colocado, ou pode permitir que seja. Eu tenho sempre colocado.
Obviamente que, se a informação é pública, eu lido com o maior cuidado para não cometer nenhum erro. O que aconteceu foi uma falha do sistema de pagamento e auditoria do Senado Federal.
Todas essas coisas que teriam sido pagas – e que eu já reembolsei – foram acompanhadas de uma observação de que aquele tipo de gasto tinha que ser glosado [retirado]. Foi a auditoria do Senado que não glosou. E o caso, inclusive, foi agora a uma auditoria especial para saber porque as despesas não foram glosadas.
Após Donald Trump anunciar taxas de 50% de importação sobre os produtos do Brasil e defender o ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente Lula assumiu uma postura de ressaltar a soberania nacional, mas a extrema-direita já acusa o governo e o STF de criarem prejuízos econômicos ao país. Há receios de novas crises diante desse cenário?
Não, eu acho que o Governo está muito bem, está defendendo a soberania do nosso país e a nossa Constituição, enquanto a extrema-direita está cometendo um crime de lesa-pátria ao convocar um governo estrangeiro a impor no país sanções péssimas para nossa economia, para os diversos setores econômicos e para os trabalhadores vinculados a esses setores.
O presidente agiu com muita firmeza, mas ao mesmo tempo com muita sobriedade. Ele não vai permitir qualquer agressão a nossa independência, a nossa autonomia, soberania, mas vai continuar no caminho do debate, da negociação com todos os países que queiram discutir comércio exterior com o Brasil.
É um momento também que fica claro para a população brasileira o que é a extrema direita, que não está nem um pouco preocupada com o país, com o seu povo, mas em conseguir fazer pressão para livrar a cara do ex-presidente Bolsonaro e dos seus auxiliares, que participaram diretamente de uma tentativa de imposição de uma ditadura ao Brasil.
Então, eu acredito também que o governo americano deverá reavaliar essa decisão, até porque está sendo alvo de muitas avaliações negativas dentro dos próprios Estados Unidos.
O Processo de Eleição Direta (PED) do PT, realizado no último dia 6, foi marcado por problemas. Em Minas Gerais, o pleito foi suspenso para incluir a deputada federal Dandara Tonantzin como candidata. E em Pernambuco, há um consenso em torno de falhas e algumas chapas derrotadas apontam irregularidades e interferências externas. Qual o balanço o senhor faz diante desse contexto?
Eu faço um balanço muito positivo. Tivemos cerca de 500 mil pessoas votando. Talvez esse número até seja ultrapassado, porque teremos o PED de Minas Gerais. Então, em termos de mobilização, foi muito importante. Mas tivemos alguns problemas localizados.
Em Minas Gerais, a questão já foi resolvida, e a direção nacional teve ganho de causa no que diz respeito à participação de uma candidata a presidente estadual nas eleições.
Em outros casos, todas as irregularidades identificadas podem ser encaminhadas na forma de recurso, impugnação ou anulação para os diretórios estaduais e nacional. Então, eu diria que o processo transcorreu com muita tranquilidade. Até o final de julho teremos o julgamento de todos esses recursos, e eu acredito que atingiremos todos os objetivos que tínhamos com o PED.
O seu grupo político saiu vitorioso em Pernambuco com a vitória do deputado federal Carlos Veras, mas a CNB foi derrotada em municípios importantes, como no próprio Recife. A senadora Teresa Leitão, inclusive, saiu fortalecida do PED. O senhor vê esse cenário como uma derrota para a corrente?
Não, pelo contrário. As pessoas só estão passando uma parte dos resultados. 142 municípios participaram do PED em Pernambuco, e a CNB assegurou o comando de 88 deles. Temos o comando de mais de 60% das cidades em que houve o PED.
No último PED, em 2019, tivemos um desempenho de 9% no Recife. Agora, tivemos 32,2% dos votos. Crescemos de uma maneira significativa. Em Olinda, nós perdemos a presidência municipal, mas a chapa estadual da CNB foi a mais votada, com 650 votos.
Ganhamos municípios importantes como Goiana e vários outros, e conseguimos 49% da representação no diretório estadual. As outras correntes juntas obtiveram apenas 47% dos votos. Então, nós fomos amplamente vitoriosos no Estado. Vamos ter a maioria do diretório estadual, coisa que não tínhamos. Eu diria que tivemos um excelente resultado.
Edinho Silva foi eleito novo presidente do PT. A expectativa é de continuidade do trabalho de Gleisi Hoffmann ou o PT pode esperar algum novo direcionamento?
Será uma gestão de continuidade. Estamos muito sintonizados. As divergências políticas e as diferentes correntes que marcaram esse PED foram muito mais sobre organização do partido e alguns temas mais laterais. Mas do ponto de vista da estratégia política maior, nacional, de avaliação do Governo Lula e de definição das principais bandeiras que vamos assumir até o ano que vem, há uma completa identidade. Edinho é uma pessoa extremamente sintonizada com o presidente Lula.
A maioria da bancada pernambucana na Câmara Federal votou contra o Governo para vetar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), incluindo quase todos os deputados do PSB, partido do vice-presidente e aliado de primeira hora de Lula. O que justifica essa dissonância?
Temos que lembrar que infelizmente não conquistamos a maioria do Congresso Nacional em 2022. Temos o tempo inteiro que negociar o posicionamento dos parlamentares, matéria por matéria. E nesse ponto do IOF, vários fatores interferiram no resultado.
Havia quem discordasse do aumento, mas muitos votaram por insatisfação com o tempo para liberação das emendas parlamentares, por preocupações com as ações do Supremo Tribunal Federal (STF) contra parlamentares. Mas o governo não tem qualquer possibilidade de interferir no posicionamento do ministro Flávio Dino [ex-ministro de Lula], ou de quem quer que seja no STF.
O outro componente é a extrema-direita, querendo de todas as formas impor uma derrota ao governo, com a preocupação focada nas eleições de 2026. Apesar dessa e de outras derrotas, se você analisar a pauta no Congresso Nacional, principalmente na área econômica, tivemos grandes resultados, como a reforma tributária, a aprovação do arcabouço fiscal e várias outras medidas muito importantes para o Brasil. A votação do IOF tem um valor relativo para avaliar a relação do Governo com o Congresso.
Faltou articulação das lideranças do governo com os deputados visando aparar essas arestas de interesses individuais?
Não houve, nesse caso, um problema com a articulação política do governo em relação aos parlamentares. Fizemos um acordo político com a cúpula do Congresso Nacional: nós recuávamos de uma parte do decreto e apresentaríamos – como apresentamos – uma Medida Provisória contendo várias propostas de mudança dos meios de chegar ao cumprimento do arcabouço fiscal, à garantia do equilíbrio fiscal.
Acontece que esse acordo, feito por razões que não me cabe analisar aqui, foi descumprido. O governo já sabia que a votação do IOF iria acontecer, mas não naquele momento. Havia um entendimento de que faríamos todo o acordo relativo à Medida Provisória, à outras medidas que ajudariam na busca desse equilíbrio fiscal, e só então se votaria e poderia derrubar todo, ou em partes, o decreto presidencial.

