Caciques políticos abraçam pragmatismo e podem decidir eleição
Partidos de grande expressão no país mudam da água para o vinho à depender das alianças costuradas pelos seus donos
Publicado: 09/06/2025 às 06:00

Presidente do PSD, Gilberto Kassab filiou Raquel Lyra após saída do PSDB (Foto: Taylinne Barret/DP Foto)
A polarização entre esquerda e direita que permeia a política brasileira deve ser, novamente, protagonista nas eleições de 2026. No entanto, as articulações que podem ser determinantes para uma vitória estão cada vez menos ideológicas. Os pré-candidatos priorizam atender às exigências dos ‘caciques’ dos partidos mais numerosos para garantir governabilidade ao invés de angariar apoio defendendo um projeto fundamentado em ideias para o país.
Os caciques políticos são os “donos” dos partidos – alguns institucionalizados, atuando como dirigentes das legendas; outros, figuras de influência que comandam dos bastidores. São eles quem escolhem os candidatos, firmam alianças, distribuem os recursos e controlam o acesso ao fundo partidário, além de determinar a linha política.
Hoje, todos os partidos do Centrão, que figuram entre os mais volumosos da Câmara Federal, dançam conforme a música de seus ‘caciques’: O PSD, de Gilberto Kassab, o União Brasil, de Antônio Rueda; o MDB, de Baleia Rossi; o PP, de Ciro Nogueira; o Republicanos, de Marcos Pereira; e o Podemos, de Renata Abreu.
Apesar de ser reconhecido por sua agenda ideológica, o Partido Liberal (PL) possui um dos caciques mais antigos do país. Valdemar Costa Neto está à frente da legenda há 25 anos. Por mais que tenha se tornado referência do bolsonarismo e da extrema-direita, Prado aponta que o PL foi “alugado” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – que, por sua vez, não possui uma sigla para chamar de sua.
Mesmo partidos considerados “orgânicos” e pautados por ideologias seguem o tom ditado por suas lideranças tradicionais. Apesar de eleger seus presidentes por voto, o PT é indissociável de Lula, assim como o PSDB é guiado pela agenda de Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves e Marconi Perillo.
Caciques estaduais
Diversos partidos também possuem caciques em cada Estado em que possuem tradição, e muitas vezes com lideranças geracionais. É o caso do PSB em Pernambuco, que passou pelo comando de Miguel Arraes, Eduardo Campos e, agora, do prefeito João Campos, alçando voo para além do âmbito estadual ao ser eleito presidente nacional da sigla.
O deputado federal Eduardo da Fonte lidera o PP no Estado, enquanto a família Coelho, de Petrolina, comanda o diretório estadual do União Brasil. Hoje, os dois clãs se encontram dividindo uma federação articulada nacionalmente.
O União Brasil, inclusive, era liderado por Luciano Bivar, cacique político pernambucano. Após perder o comando para Rueda, articulou a presidência do PRD antes mesmo de se filiar. Por ter mandato como deputado federal, precisa esperar até a janela partidária do ano que vem para fazer a mudança, mas já colocou um aliado à frente do diretório.
Outro caso notório de “caciquismo”, o MDB de Jarbas Vasconcelos em Pernambuco, dos Sarney no Maranhão, dos Calheiros em Alagoas, e dos Barbalho no Pará.
Impacto eleitoral
O “modelo caciquista” de se articular alianças já domina as eleições de 2026, mais de um ano antes do início da campanha. A cientista política Priscila Lapa destacou a troca de partidos da governadora Raquel Lyra ao defender que o Brasil vive um momento de protagonismo dos caciques.
“A governadora se elegeu por um dos poucos partidos simbolicamente orgânicos no Brasil, que tinha carta partidária, coerência, que desenvolvia uma visão de país e que levava isso para o processo eleitoral. Isso foi se enfraquecendo, e o movimento de troca de partido da governadora se deu por muito mais por questões de conveniências político-eleitorais do que propriamente por identificação”, analisou.
“Em nenhum momento você vê a governadora falando das ideias do PSD. Foi claramente um movimento político pragmático e eleitoral. O líder do partido, Gilberto Kassab, é um exemplo claro de um cacique que mobiliza os esforços do partido não em torno de projetos políticos ideológicos, mas sim em torno dos seus interesses de manutenção de poder”, acrescentou.
Do outro lado, o PSB de João Campos também reforça a lógica de um comando hereditário, apesar de abraçar um lado do espectro político. “O PSB tem um posicionamento à esquerda, mas também alimenta a ideia dos caciques, da sucessão familiar, dos vínculos de parentesco definindo as principais a formação das lideranças partidárias”, afirmou.
Lapa analisa que os partidos menos expressivos da esquerda são quem “ainda têm uma tradição histórica de mais compromisso ideológico, até pela defesa de ideias mais amplas de modelos de funcionamento da sociedade, como o socialismo”.
“Os partidos de direita, por mais que hoje se fale tanto em ideologia, que existe um conjunto de ideias defendidas pela direita, gravitam em torno de lideranças políticas que determinam a tomada de decisão”, completou.
Poder centralizado
De acordo com o cientista político Sandro Prado, os caciques são tão antigos no país quanto a própria República. “São raízes vinculadas à tradição patrimonialista e clientelista da política brasileira. Desde a Primeira República as legendas são controladas por oligarquias, refletindo interesses locais e pessoais mais do que qualquer tipo de ideologias”, afirmou.
Para Prado, o próprio sistema eleitoral brasileiro contribui para o fortalecimento dos caciques. “Termos uma grande fragmentação partidária e uma ausência de cláusulas de barreira efetivas há até pouco tempo permitiu a proliferação de partidos sem representatividade que funcionam como legendas de aluguel, enfraquecendo a identificação ideológica e fortalecendo o controle de líderes”, analisou.
“Eles entregam apoio parlamentar em troca de emendas, cargos e autonomia para continuar mandando nas siglas como se fossem feudos. Os regimentos que são feitos pelos próprios caciques, que blindam a possibilidade de qualquer renovação. Na prática, funcionam mais como cartéis de poder do que agremiações”, acrescentou.

