Um campo minado de polêmica
Instalação de gramado artificial na Arena da Baixada promete uma queda de braço na Série A do Brasileirão deste ano
Publicado: 10/02/2016 às 17:50
Todos os clubes da série A deverão jogar pelo menos uma vez em grama sintética na próxima temporada. Com a implantação de uma nova tecnologia na Arena da Baixada, em Curitiba, os times da primeira divisão deverão passar pelo gramado artificial do Atlético-PR no Campeonato Brasileiro. Com o time paranaense na disputa da Primeira Liga e da Copa do Brasil, além do estadual, outros clubes deverão passar pela experiência mais vezes no ano. Pela qualidade ruim do gramado nas últimas temporadas, o clube decidiu apostar na inovação. Mas há controvérsias: o uso da grama sintética não é unanimidade e ainda levanta discussões sobre os efeitos do piso no jogo.
Na Arena da Baixada, a promessa é de uma grama artificial diferente das outras. A composição orgânica dos fios, segundo a empresa responsável pelo plantio, é o que torna a qualidade superior. Para dar ares de aprovação à mudança, o clube usou os exemplos de gramados do time italiano Novara Calcio e do português Boavista, que usariam a mesma tecnologia.
O ex-jogador Christian Machado vestiu a camisa do Boavista entre 2011 e 2013, época em que o clube já tinha o mesmo gramado que será implantado no estádio brasileiro. Para ele, por melhor que seja a qualidade das matérias-primas, o impacto do sintético para os jogadores continua maior. “Por mais que esse gramado tenha essa tecnologia de fibra de coco, o piso ainda é mais duro que o natural”, relata.
No lusitano Estádio do Bessa, o gramado já deixou de ser artificial. Para esta temporada, a liga de Portugal proibiu o uso do piso sintético. Contra a vontade do clube, a entidade até custeou parte da troca, feita em julho. “Os times grandes não conseguiam jogar com tanta superioridade no Bessa, porque não estavam acostumados com o piso”, pondera Machado.
Em Curitiba, o plantio artificial começou em 15 de dezembro. A previsão é de que o gramado esteja completamente instalado até 15 de fevereiro e o clube já agendou, para o mesmo dia, a visita da Fifa, para realizar testes de certificação. A obra não deve sofrer com atrasos, já que a Arena da Baixada possui teto retrátil e o empreendimento não fica sujeito a intempéries. A estreia do time no novo gramado, inclusive, está marcada para 18 de fevereiro, contra o Criciúma, pela Primeira Liga. A confirmação do jogo deve ser na sexta-feira (12), já que ainda depende da adaptação do campo durante esta semana.
A CBF ainda não se pronunciou sobre a homologação das competições no piso artificial. Em setembro, a confederação promoveu um debate sobre os gramados brasileiros com alguns gestores de clubes, mas nada foi citado sobre a possibilidade do uso de gramado sintético. O Correio entrou em contato com o diretor de competições da entidade, Manoel Flores, mas não obteve resposta.
Contusões e temperatura na discussão
Entre as principais críticas ao uso de gramado sintético, estão o possível aumento no riscos de lesões e a temperatura elevada do piso, devido à composição emborrachada. No Brasil, os únicos times que jogam pelo menos uma partida por ano em grama sintética são os gaúchos. No estadual, Internacional e Grêmio enfrentam o Esporte Clube São José, no Passo d'Areia, em Porto Alegre, em um piso artificial. O estádio tem gramado falso há quatro anos, mas agora só recebe partidas a partir das 19 horas, devido ao intenso calor.
As experiências da dupla no Passo d’Areia não foram tão positivas. Em 2011, o zagueiro Sorondo sofreu um entorse no joelho, no ano de estreia do piso na casa do São José. O Internacional reconheceu a possibilidade da influência da grama artificial na injúria, já que a chuteira do jogador teria travado no campo.
O calor excessivo também foi problema recorrente nos últimos jogos disputados no estádio. Em 2014, o Grêmio entrou em campo com a temperatura do gramado em mais de 60°C. Na ocasião, os atletas encharcaram as chuteiras em baldes de gelo para aguentar a partida.
Apesar do incidente com Sorondo, a preocupação do departamento médico colorado em relação aos jogos em grama natural é a mesma que o cuidado despendido com os jogos em piso sintético. “As novas gerações de grama têm aplicabilidade muito boa e os jogadores conseguem ter uma boa performance com menor risco”, explica o médico Guilherme Caputo, que tratou do zagueiro à época. Para o ortopedista, a alta qualidade dos novos gramados torna os pisos inquestionáveis. “As gramas novas estão muito próximas das naturais. São muito regulares, não têm buracos e são praticamente gramados perfeitos”, completa.
O Atlético-PR afirma que, na Arena da Baixada, o calor não será um problema, já que a promessa é de que a grama não tenha borracha como um dos elementos. “A escolha por esse gramado foi devido à composição orgânica, por não ter problema com temperatura e por se assemelhar esteticamente ao natural”, diz Luiz Volpato, diretor de projetos e construção do clube. Pela experiência em Portugal, Christian Machado discorda. “O campo ficava bem quente, então eles tinham o hábito de molhar mais o gramado antes dos jogos”, conta.
Experiência no mesmo gramado
“As condições do gramado eram boas, mas por mais semelhante que seja, ele trava mais, ainda mais que nós jogávamos com chuteira de grama natural. No Bessa, tinham o hábito de molhar o gramado para ficar em melhores condições, já que o campo ficava bem quente e o fio seco poderia queimar mais. Só que, com o gramado artificial molhado, a bola ficava muito rápida e corria muito. Era outro jogo. Além disso, eu me lesionei bastante no período em que fiquei no Boavista. Os portugueses estavam acostumados, mas o departamento médico já falava que era normal os jogadores estrangeiros se lesionarem, porque tinha a questão da adaptação.”
(Christian Machado, ex-jogador do Boavista)
Padrão Fifa
O primeiro torneio realizado pela Fifa em grama sintética foi em 2003. Em 2015, a entidade atualizou os padrões e estipulou requisitos mais rigorosos para definir a qualidade de gramas utilizadas em competições oficiais. A Copa do Mundo de Futebol Feminino, disputada no Canadá, foi jogada inteiramente em piso falso. A competição fomentou discussões sobre os riscos para as jogadoras, bem como um suposto sexismo, já que nunca houve torneio masculino em grama sintética. Em dezembro, a seleção feminina dos Estados Unidos, campeã mundial, optou por não entrar em campo contra Trinidad e Tobago, no Havaí, devido a condições adversas do gramado sintético.
No Brasil
Além do Passo d’Areia, em Porto Alegre, outro estádio de grama sintética costuma receber equipes grandes do país. Em São Bernardo do Campo, o Baetão é uma das sedes da Copa São Paulo de Futebol Junior. Na primeira fase da competição em 2016, a equipe sub-20 do Goiás estreou no campo artificial.

