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OPINIÃ?O

Eles sambam, a gente dança

'Até o prefeito de Bruxelas, no sábado, debochou de Neymar nas redes sociais'

Publicado: 08/07/2018 às 11:49

“Samba, Bélgica!”, cravou a manchete, em português, da edição do último sábado de um dos principais jornais dos carrascos do Brasil na Rússia. “Os diabos venceram Deus”, festejou outro periódico belga. A euforia está diretamente relacionada ao fato de o triunfo da Bélgica, até agora coadjuvante no mundo do futebol, ter ocorrido em cima da seleção que simboliza o único elemento impossível de prever no esporte, a excelência individual. Uma jogada inesperada, um lance desconcertante, um drible de fazer o adversário cair no chão, um chute de rara precisão, um gol de craque. Como o que fez De Bruyne (foto), na Arena Kazan.

Pelé, Garrincha, Romário, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho... A primazia do mistério é brasileira, com raras exceções (Maradona, Messi) entre os vizinhos de continente e os de mesmo idioma (Cristiano Ronaldo). Quatro derrotas consecutivas (França, Holanda, Alemanha, Bélgica) em jogos eliminatórios no atual século, porém, contribuem para dissipar o respeito pelo futebol-arte brasileiro, surgido e consolidado no século 20. Os fracassos enfraquecem no imaginário coletivo mundial a mística da camisa amarela. Até o prefeito de Bruxelas, no sábado, debochou de Neymar nas redes sociais. A que ponto chegamos...

Peru e Argentina foram embora primeiro. Depois, a Colômbia. Por último, Uruguai e Brasil, eliminados no mesmo dia, e de forma incontestável. A América do Sul deu adeus à Rússia e a mais importante competição mundial de futebol ficou restrita a um continente: virou Eurocopa. Com a transformação dos times em marcas valiosas e o crescimento irreversível da Liga dos Campeões, a Europa já consolidou a hegemonia mundial de seus clubes (inclusive entre os brasileiros, basta dar uma olhada nos astros que as crianças escolhem para jogar videogame). As seleções sul-americanas, que padecem pelo êxodo precoce de seus talentos e pela corrupção de seus dirigentes (ou as duas coisas juntas), têm se tornado coadjuvantes na festa maior do futebol. A cada Copa, vai desaparecendo a reverência europeia pela nossa irreverência. Agora eles sambam no gramado e nas manchetes. E a gente dança.
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