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Stephen Curry: o homem que mudou o jogo

Em uma modalidade esportiva cheia de grandes astros de porte avantajado, o franzino Stephen Curry tem revolucionado a maneira de jogar, quebrando recordes seguidos

Publicado: 06/03/2016 às 11:10

Incansável nos treinos e nos jogos, Curry é o melhor nos arremessos de três pontos e de longa distânciaO jogo estava empatado em 118 a 118, a 2,8 segundos do fim da prorrogação, quando Stephen Curry se posicionou para o arremesso, distante 11,5m da cesta. Foi 0,6 segundo para se ajeitar e, mesmo marcado, soltar a bola, que viajou em parábola perfeita por 1,6 segundos até cair suavemente na cesta, sem tocar no aro. Chuá! A cena, no último fim de semana, que decretou o triunfo do Golden State Warriors sobre o Oklahoma City Thunder, tem se repetido jogo após jogo na NBA, suscitando a pergunta: quem será capaz de marcar o ala franzino (86kg) e de estatura mediana (1,91m), fora dos padrões dos grandes astros, que tem revolucionado a forma de jogar na principal liga de basquete do mundo?

“O Curry é magro, não é ‘desenhado’ para o basquete como um LeBron James, mas tem o dom do arremesso rápido, da habilidade. Ele está mudando o jogo”, afirmou à reportagem o ala Marcelinho Machado, do Flamengo, recordista de arremessos de três pontos do Novo Basquete Brasil (NBB). “A procura por jogador, a partir de agora, vai ser diferente, não priorizando só o físico, mas essa característica de arremesso rápido, da técnica”, acredita.

Editoria de ArteAos 27 anos, Wardell Stephen Curry II, filho do ex-jogador Dell Curry, é um obcecado por treinos e aprimoramento da técnica que não cansa de bater recordes, ofuscando astros mais badalados e bem pagos, como Kobe Bryant (que se aposenta no mês que vem), Carmelo Anthony e LeBron James. Contra o Thunder, o armador – presença certa na Rio’2016 – igualou o recorde histórico de cestas de três pontos em um mesmo jogo (12) e acaba de bater sua própria marca de maior número de arremessos certos de longa distância em uma temporada: 293, superando suas 286 do ano passado, faltando ainda 22 jogos para o fim da fase de classificação. Hoje à noite, ele deve quebrar a incrível marca de 300, contra o Los Angeles Lakers, fora de casa.

“Eu vejo o Curry arremessando quase do meio da quadra e ele não faz força. A mecânica não muda”, espanta-se Marcel, um dos maiores arremessadores da história do basquete brasileiro, campeão do Pan-Americano’1987, em Indianápolis. “O Curry tem 1,92m, não é aquele protótipo de ‘super-herói’ que os norte-americanos tanto gostam, de Michael Jordan, Kobe Bryant, LeBron James. Ele está reinventando o jogo e isso não se faz com mágica: é treino, daqueles treinos puxados que eu e o Oscar sempre fizemos”, lembra o ala.

Meta Depois de levar o Warriors ao primeiro título em 40 anos, no ano passado, Curry pretende alcançar outra meta com a franquia californiana: quebrar o recorde do Chicago Bulls, de Michael Jordan, que em 1995/1996 venceu 72 das 82 partidas da temporada regular. O Warriors, que conta também com os brasileiros Leandrinho e Anderson Varejão, tem 55 vitórias e apenas cinco derrotas na atual edição.

Ao longo da história da NBA, as características dos grandes craques ajudaram a moldar a forma de jogo de equipes campeãs: o Boston Celtics, multicampeão dos anos 1960, concentrava as jogadas no garrafão, uma vez que contava com Bill Russell, um pivô de 2,18m, gigante para os padrões da época. Na década de 1980, o Los Angeles Lakers, de Pat Riley, consagrou o jogo de transição, com Magic Johnson surpreendendo os adversários no contra-ataque. A defesa era a força do Detroit Pistons, de Isiah Thomas e Dennis Rodman; a triangulação no ataque era o segredo do Chicago Bulls, de Michael Jordan e Scottie Pippen; e o jogo coletivo, muito parecido com o praticado no resto do mundo, ajudou o San Antonio Spurs a erguer cinco taças.

Nas duas últimas temporadas, o Golden State Warriors mudou a forma de se jogar basquete, moldando o ataque em função de Curry e Klay Thompson. Multicampeão como atleta, Steve Kerr tem em mãos um grupo rápido, com cinco jogadores capazes de conduzir a bola, muitas vezes sem um pivô gigante como referência no garrafão.

“A formação tática de uma equipe, cada vez mais, se adapta às qualidades e forma física de seus jogadores. Não tem uma regra para montar um time”, conta Flávio Davis, um dos treinadores de base mais respeitados do país, com passagem pela comissão técnica da Seleção Brasileira. “O Golden State e o Curry, atualmente, são exemplos para quem gosta e admira o basquete bem jogado.”

 

 

Especialidade brasileira

O arremesso de três pontos foi incluído na NBA na temporada 1979/1980, quatro anos antes de a Federação Internacional de Basquete (Fiba) adotar a regra no basquete mundial. A distância passou por alterações e hoje é de 7,25m, na liga americana, e 6,75m, no resto do mundo. Em 1979, cada equipe da NBA arremessava em média 2,77 vezes de fora por partida. Atualmente, o Golden State tenta em média 30,8 chutes de longa distância, acertando 12,9 – o melhor aproveitamento entre as 30 franquias.


Ídolo do basquete brasileiro, o arremessador Marcel reconhece brilhantismo de Curry“Os norte-americanos passaram a prestar atenção nos arremessos de três pontos depois do Pan-Americano de Indianápolis'1987, quando eles foram derrotados pelos arremessos de três do Oscar e Marcel..”, lembra Flávio Davis. Imbatível em casa até então, os Estados Unidos perderam para o Brasil por 120 a 115, com 46 pontos de Oscar e 31 de Marcel. O Brasil acertou 13 arremessos de longa distância, contra seis dos anfitriões.


“Eles perderam a Universíade para a Iugoslávia e o Pan para o Brasil. Imediatamente, passaram a usar a linha de três no basquete universitário. Nos anos 1980, na NBA, a porcentagem de acerto era inferior a 30%. Eu joguei nos Estados Unidos em 1976 e era quase proibido arremessar de longe”, lembra Marcel. “O arremessador nunca foi uma prioridade no basquete, pois se ele erra, é crucificado. Magic Johnson, Jordan, Kobe não são lembrados pelo arremesso, mas pelo volume de jogo. Curry está mudando isso, pois ele acerta e hipnotiza.”


Em 1987, Danny Ainge (Celtics) fez 148 arremessos certos durante a competição, quebrando um recorde histórico. Desde então, o número não parou de crescer, chegando a 269 tiros certos em 2006, com Ray Allen; e com a possibilidade de quebrar a marca dos 300 hoje à noite, com Curry – se mantiver a média, ele deve encerrar a temporada com mais de 400.

Curry lidera as estatísticas de arremessos de três pontos há quatro temporadas – sendo que em três quebrou o recorde da história. Ele é o segundo em porcentagem de acerto: 44,5%, curiosamente atrás apenas do atual técnico, Steve Kerr (45,4%). Em seis temporadas, ele soma 3.334 pontos de longa distância – o 25º de uma lista histórica liderada por Ray Allen, com 7.429 pontos em 18 temporadas. Recordes que, para Stephen Curry, são questão de tempo para serem pulverizados. 

 

 

 

 

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