DIA DE FINADOS
Edna e Liu: a difícil tarefa de compreender o luto e reinventar o mundo
Psicóloga pernambucana usa escrita para lidar com a perda da sua melhor amiga
Por: Anna Dulce Neves
Publicado em: 02/11/2024 06:00 | Atualizado em: 01/11/2024 18:15
Edna e Liu eram amigas há mais de 25 anos (Fotos: Reprodução/Instagram/ednagranja e Pedro Caldas) |
“A única certeza da vida é a morte”. O ditado, repetido por gerações ao longo dos anos, não poderia estar mais correto. Ainda assim, a iminência da partida não a torna mais fácil para aqueles que ficam. Pais, mães, irmãos, parceiros e amigos, todos enfrentam o mesmo processo doloroso: o luto.
A psicóloga pernambucana Edna Granja, de 42 anos, lida há cerca de um ano com a perda da fisioterapeuta Liu Leal, 46 anos, sua melhor amiga, a quem tinha como irmã. Para lidar com a falta da relação que cultivou por mais de 25 anos, ela tem usado a escrita.
O livro “Pra reinventar o mundo: notas sobre luto e amizade”, ainda sem data de lançamento, nasceu do desejo de Liu, que lutou por dois anos contra um câncer de mama, de que a sua história fosse contada para Nina, filha de 5 anos que deixou quando se foi. Nas suas páginas, moram relatos de alguém que precisou reconstruir seu universo com menos pessoas do que ele um dia teve.
“O título surge como fruto de reflexões sobre o luto e da compreensão que a tarefa dos que sobrevivem diante de uma perda como essa é reinventar o mundo, agora sem aquela presença. Então, quando eu elejo esse título, é um pouco para marcar esse trabalho do luto em curso mesmo, de reconstruir o mundo agora sem ela, mas tendo ela em um canto muito especial, sem a presença física e material, mas com a presença de outra ordem”, explica Edna.
A obra, no entanto, não foi a única forma encontrada pela psicóloga de manter o espírito de Liu vivo. A pedido da própria mulher, suas cinzas foram espalhadas nas cidades em que ela morou – cada local contando com seu próprio ritual. Em Olinda, um bloco de carnaval foi montado e as cinzas de Liu derramadas pelas ladeiras tradicionalmente festivas.
“Ela encomendou músicas, as músicas que ela queria que tocasse. Nós ainda estávamos muito sentidos com a partida, com a dor da perda, mas fizemos ainda assim. Fizemos um estandarte, uma pequena cerimônia e saímos com uma pequena orquestra pelas ladeiras de Olinda, espalhando as cinzas como ela pediu. Nosso estandarte encontrou com o estandarte do Eu Acho É Pouco, que era um bloco muito especial para nós, e acabamos tendo um dia de carnaval muito feliz. Fomos entendendo que a forma de lembrar dela seria essa, viva nas coisas que curtíamos fazer juntos”, relembra.
Atender aos pedidos de Liu, que também incluem o cuidado por sua filha, é, para Edna, uma ferramenta para lidar com o perda. “O trabalho do luto exige que nós tiremos a energia do objeto perdido, no caso, ela, e coloque essa energia em outros cantos, para que esse objeto perdido deixe de ser uma falta profunda e seja somente uma saudade e uma boa lembrança. Eu acho que ela dar tantas tarefas para a gente, no final das contas, nos ocupa com algo mais comprometido com a presença dela nas nossas vidas do que com a falta”, reflete.
A psicóloga ressalta, porém, que o processo do luto é diferente para todos. “Algumas pessoas descrevem as fases do luto, você nega, sente raiva, depois você negocia e aceita. Não é tão simples assim”, comenta, pontuando casos em que a dor da perda parece estar assentada mas um evento ou memória abre a ferida novamente.
“Cada pessoa vai encontrar a sua forma de viver. A escrita às vezes dá um recurso, as atividades terapêuticas de forma geral podem ser que ajudem a visitar essa falta de uma forma mais segura, de uma forma mais amparada e, portanto, mais possível de transformar em presença”, explica.
Para ela, é importante que o processo de luto seja respeitado, e não acelerado. “Nós vivemos em mundo muito apressado. Tudo precisa ser muito rápido e muitas vezes nós nos cobramos a elaborar as coisas muito rápido. Então, nós perdemos alguém importante, mas no outro dia temos que trabalhar, somos cobrado por quem está ao redor, e perdemos o tempo de sentir”.
“Eu gosto de pensar que sentir a dor é uma pré-condição para conseguir sentir felicidade, para sentir alegria. Então nós precisamos ter tranquilidade para vivenciar as nossas dores. Apressar processos de elaboração dentro de uma lógica de mundo em que você precisa produzir, precisa correr, precisa dar conta de tudo, é muito ruim e pode ter, nesse caso, consequências específicas de extensão da dor. É como se você ficasse mais preso nessa dor. Abrir o tempo do sentir e passar por esse sentir e por essa dor de forma parada é uma coisa muito importante para construir um processo de elaboração de luto consistente e, portanto, sair realmente fortalecido dessa história”, conclui.
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