CINEMA

Atração (quase) fatal

Combinando a leveza da comédia romântica com as surpresas de um falso thriller policial, 'Assassino por acaso' aproveita ao máximo do carisma de Glen Powell e Adria Arjona

Publicado em: 12/06/2024 06:00 | Atualizado em: 12/06/2024 06:53

 (Química da dupla de protagonistas é ponto alto do filme, que transita entre o convencional e o imprevisível. Divulgação)
Química da dupla de protagonistas é ponto alto do filme, que transita entre o convencional e o imprevisível. Divulgação
O imaginário construído pelo cinema de como parece um assassino de aluguel é apenas um dos diversos elementos que fazem da primeira meia hora de Assassino por acaso, em cartaz, um completo deleite. Professor de vida absolutamente comum, Gary (Glen Powell) colabora com a polícia nas horas vagas disfarçando-se de matador para pessoas que pagam por encomendas homicidas. Em cada abordagem, ele incorpora um personagem diferente – o homem frio e rígido, o engravatado de gestos solenes, o maníaco caricato, o cowboy, o psicopata com sotaque russo e assim por diante. 
 
Tudo muda quando Gary se encontra com Madison (Adria Arjona), uma mulher que planeja dar cabo do marido abusivo. A relação perigosa entre assassino fake e assassina em potencial, cada vez mais apaixonados, é ao mesmo tempo muito cômica em seus desdobramentos e repleta de pequenas surpresas típicas do suspense policial, mas o diretor Richard Linklater (Escola de rock, trilogia Antes e Boyhood: Da infância à juventude) mantém o tom uniforme com sua característica sobriedade visual, escolhas musicais precisas e pouco afetadas, direção de atores atenta a cada gesto e texto simultaneamente irônico e cheio de singelezas.
 
Inspirado em uma bizarra história verídica difundida como lenda urbana no estado americano do Texas e publicada em um artigo do jornalista Skip Hollandsworth, o roteiro de Assassino por acaso foi escrito por Linklater em colaboração com o próprio Glen Powell, que ganhou enorme reconhecimento como coadjuvante de Tom Cruise em Top Gun: Maverick, em 2022, e que, desde então, vem cimentando o status de um dos grandes astros de sua geração. Com este papel, o ator tem a melhor oportunidade até aqui tanto para reiterar seu carisma como comprovar sua versatilidade e, através da interação com a igualmente excelente Adria Arjona, trafega com segurança entre a leveza de uma comédia romântica e a tensão de um thriller.
 
Um dos prazeres de Assassino por acaso é acompanhar esse clima leve e sedutor que está sempre ameaçando arregaçar as mangas e se tornar sombrio. Assim como o jogo de ilusões de Gary com os seus suspeitos, o filme também brinca com as expectativas da plateia e as consequências das ações dele vêm de diferentes direções, o que deixa o espectador muito mais engajado do que poderia caso tudo fosse tratado apenas como galhofa. É um raro exemplar de roteiro que parte de uma estrutura de caminhos previsíveis, mas cujo conjunto é imprevisível.
 
Tão admirável quanto o filme sustentar sua unidade a partir dessa variação tonal é a comédia nunca ser tratada pelo diretor de maneira secundária. Historicamente, é comum que os gêneros mobilizadores do corpo – o horror e a ação que o digam – sejam equivocadamente colocados em uma posição inferior aos de ordem supostamente cerebral e, bom cineasta de humor que é, Linklater utiliza a comédia para potencializar e depurar a química da dupla de atores e a dinâmica deles com os demais personagens. O riso aqui, portanto, não é um alívio da tensão, mas uma ferramenta essencial na relação do público com os protagonistas.
 
A própria premissa do fingimento e da representação, vista inicialmente como apenas cômica, já é um comentário inteligente sobre as diferentes versões de nós que somos capazes de projetar – e como nossa personalidade pode ganhar novos contornos a partir dessa teatralização. Mas, ao contrário de Gary, Assassino por acaso não finge ser o que não é e jamais transforma essas ideias em discurso, instrumentalizando toda a sua inteligência em função do divertimento.
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