CINEMA

A saga de gestação do lar

Documentário pernambucano 'Tijolo por tijolo', que mostra uma família do bairro do Ibura reconstruindo sua casa, contamina de esperança a competição nacional do 13º Olhar de Cinema, em Curitiba

Publicado em: 17/06/2024 06:00 | Atualizado em: 15/06/2024 13:23

 (Filme tem previsão de lançamento comercial para 2025. Foto: Cris Martelo)
Filme tem previsão de lançamento comercial para 2025. Foto: Cris Martelo

Após a descoberta de um risco de desabamento, Cris, moradora do Ibura, na periferia do Recife, precisou derrubar sua casa para reconstruí-la do zero. As dificuldades impostas pela pandemia, entre elas a impossibilidade de trabalhar, prolongou ainda mais o já demorado processo de construção – e a chegada de uma quarta gravidez não planejada exigiu que todos esses fatores se unificassem para receber o novo membro na família.

 

Essa é a história do documentário Tijolo por tijolo, dirigido por Victória Álvarez e Quentin Delaroche, exibido na mostra competitiva de longas nacionais do 13º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba e que promete rodar festivais pelo Brasil e pelo mundo antes do lançamento comercial (previsto para maio de 2025). A dupla de diretores conheceu Cris durante uma pesquisa para outro projeto e, interessados na sua história, eles começaram a conviver com ela e com os familiares –  seu marido, mãe e, à época, três filhos – para registrar, majoritariamente ao longo de 2021, diversos momentos da rotina da casa, em especial a investida da personagem para crescer nas redes sociais.

 

Embora a construção da casa seja o pano de fundo cronológico que guia toda a duração do filme, a maior parte da projeção prioriza na mesma medida as alegrias de Cris com seus filhos em meio ao complicado processo de gestação, que envolveu ainda a luta para conseguir realizar uma laqueadura após o parto. Os cineastas se propõem a investigar, sem jamais se colocar ativamente na narrativa, o dia a dia da família com escolhas visuais que imprimem beleza aos gestos mais mundanos, revelando uma realidade recifense periférica para muito além daquela que chega no imaginário do cinema.

 

Tijolo por tijolo, portanto, toma para si a própria personalidade de sua retratada: é um filme solar, cheio de humor, energia e otimismo, mas ocasionalmente dolorido, cansado e em dúvidas também sobre o futuro. Os diretores são tentam esconder suas intenções de denúncia e, através da própria fala e carisma de Cris, conseguem transmitir sua mensagem de desromantização da maternidade e sua defesa da liberdade de escolha da mulher com relação ao seu corpo.

 

A diretora destacou ao Viver a simbologia do título e como ele reflete as diferentes camadas de luta de que o longa trata. “Cada consulta do pré-natal de Cris foi de fato tijolo por tijolo, porque ela precisou reiterar a necessidade da laqueadura com cada um dos profissionais com quem falou, precisou lembrar até mesmo no pós-parto quando ainda estava na mesa de cirurgia. Os tijolos do título representam várias lutas dela, além de ser uma expressão que a gente usa muito para coisas que aos pouquinhos vamos conquistando”, explicou a diretora.

 

“Nosso gesto de fazer o documentário parte de um lugar de escuta e de tentar entender a complexidade das pessoas, sem julgá-las. Não estamos ali para dizer se ela está certa ou errada, mas para registrar e tentar trazer a história dela à tela da forma mais sensível. Não queríamos romantizar a vida de Cris: ela não é nem uma heroína nem uma vítima, é uma mulher que continua sonhando e realizando. Tivemos que adaptar a linguagem do filme à energia dela, que é uma energia solar e alegre, mesmo com seus momentos de tristeza”, ressaltou Quentin, diretor, ao Viver.

 

Influencer nas redes sociais desde a época da produção do documentário, Cris enalteceu a importância de se mostrar e valorizar as pequenas felicidades de sua vida na comunidade onde mora. “Nas minhas redes sociais eu trago muito a realidade que a gente vive, principalmente mulher da comunidade, mostrando como é possível ser feliz e ter momentos bons sem necessariamente precisar de tanto dinheiro. A internet muitas vezes nos mostra coisas que fazem parecer que a gente precisa daquilo para ser feliz e muitas vezes um pão com mortadela, um passeio na praia com nossos filhos, uma dança já nos faz bem. A gente não precisa ser perfeita o tempo inteiro e quando a gente tenta mostrar algo que não é real, ainda deixamos outras pessoas infelizes por não possuírem aquilo”, defendeu.

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