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Diversidade marca fim de semana de abertura da Mostra de Tiradentes

Programação segue até o dia 27 de janeiro e conta com o filme pernambucano 'Seu Cavalcanti' na seleção de longas, que será exibido na sexta-feira (26)

André Guerra

Publicado: 22/01/2024 às 15:59

/À esquerda, a animação 'Bizarros Peixes das Fossas Abissais'; à direita, 'O diabo na rua no meio do redemoinho'.

(À esquerda, a animação 'Bizarros Peixes das Fossas Abissais'; à direita, 'O diabo na rua no meio do redemoinho'.)

Em sua 27ª edição e com a temática “A Forma do Tempo”, a já tradicional Mostra de Cinema de Tiradentes, conhecida por abrir o calendário audiovisual brasileiro, teve seu primeiro fim de semana marcado pela diversidade formal e temática dos longas exibidos no Cine-Tenda, polo central da programação do evento, que inclui as principais mostras.

SÁBADO


Enquanto a sexta-feira de abertura contou com a exibição de dois médias-metragens do cineasta homenageado André Novais Oliveira — Roubar um Plano e Quando Aqui —, o sábado teve sessão especial do já celebrado drama fantástico Estranho Caminho, do cearense Guto Parente. O filme acompanha um jovem diretor de cinema que precisa passar um tempo com o pai, com quem não tem contato há mais de uma década, e esse reencontro é duramente atingido pela pandemia da Covid-19. Com traços surrealistas que ecoam a experiência prévia do cineasta com o cinema de horror, mas uma atmosfera geral melancolicamente cômica, o longa tem sua força principal na dupla de atores Lucas Limeira (o filho) e Carlos Francisco (o pai).

Outro destaque do dia foi Tudo o que Você Podia Ser, do mineiro Ricardo Alves Jr., uma docuficção sobre um quarteto de amigas passando um tempo juntas — e enfrentando seus problemas pessoais individualmente também — um dia antes de uma delas, Aisha, partir para a Alemanha para cursar doutorado. Com uma direção livre e espontânea e um roteiro que prioriza uma representação festiva e afetuosa das amigas, em detrimento da exploração da dor enfrentada pelos grupos LGBTQIAP+, o longa de Alves Jr. não deixa que a violência social (sempre presente) engula sua atmosfera e a combate fortemente por meio do senso de humor.

Exibido na sequência, mas estilística e tematicamente oposto a Tudo o que Você Podia Ser, o drama meditativo A Estação, dirigido pela mineira Cristina Maure, é todo rodado em preto e branco e acompanha uma mulher que, após caminhar por um trilho de trem, chega a uma estação misteriosa onde um senhor a informa que não apenas os trens não estão passando por ali, como também inexiste qualquer previsão de quando isso venha a acontecer. Outras pessoas, que já estão ali há muitos anos, aparecem hospedadas ao lado e, ao que tudo indica, ninguém jamais conseguiu ir embora do lugar. Apesar da produção cuidadosa, o longa entrega muito cedo sua alegoria principal, que, por sua vez, já foi reiteradamente usada no cinema, em obras mais imersivas e profundas do que neste roteiro que vagueia pelos personagens, esticando uma premissa que talvez funcionasse melhor em um formato reduzido.



DOMINGO


A programação de longas no Cine-Tenda incluiu duas animações inusitadas. A primeira, exibida pela manhã, foi Placa-Mãe, considerada a primeira animação de longa-metragem realizada no interior de Minas Gerais, dirigida pelo mineiro Igor Bastos. O filme conta a história da robô Nadi, que ganha cidadania e, portanto, o direito de adotar duas crianças. Durante o processo de adoção, porém, o menino foge com medo de se separar da irmã, Lina, e Nadi luta para encontrá-lo.

Já a segunda, exibida à tarde, foi Bizarros Peixes das Fossas Abissais, do animador Marão, com as vozes de Natália Lage, Guilherme Briggs e Rodrigo Santoro. No longa, repleto de imagens abstratas e conceitos surrealistas, uma mulher com superpoderes — que, quando usados, fazem o mundo sofrer alterações aleatórias —, uma tartaruga viciada em consertar letreiros e uma nuvem com “incontinência pluviométrica” unem forças para encontrar os pedaços de um vaso que contém um mapa. O filme de Marão entra em cartaz já nesta quinta-feira (25).

Exibido na sequência, o documentário Yvy Pyte: Coração da Terra, de Alberto Alvares e José Cury, percorre as terras Guarani com depoimentos dos povos indígenas refletindo sobre as “fronteiras” — físicas e simbólicas — criadas pelo homem branco, e narrando seus pontos de vista a respeito da conexão humana com a natureza. Ainda que o longa apresente alguns vícios visuais comuns a esse tipo de projeto, como o uso excessivo de drones que destoam visualmente do restante da decupagem, ele tem sua força na beleza poética das falas e na estrutura cuidadosa da narrativa e de seus personagens.

Aclamado pelo público presente, o documentário visualmente intenso Terror Mandelão, de Felipe Larozza e GG Albuquerque, trata da tecnologia e do mercado de trabalho gerado pelos bailes funk de São Paulo, acompanhando o DJ K — um dos principais do Baile do Helipa, a maior favela da cidade — e seu amigo MC Zero. O filme mostra os altos e baixos enfrentados pelos jovens na luta para viver da própria música e é forte concorrente ao prêmio do júri popular.

O último filme da noite foi O Diabo na Rua no Meio do Redemoinho, da paulista Bia Lessa, adaptação da obra canônica da literatura brasileira Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, que trata de um ex-jagunço narrando suas histórias de vida em uma reflexão tortuosa sobre a existência do diabo. Com Caio Blat no intenso papel principal, o longa é filmado no estilo do clássico moderno Dogville, de Lars von Trier, em que o cenário se resume a um estúdio, como se fosse uma peça filmada. Pensado como o primeiro de outras duas adaptações desse material original, é um filme formalmente ousado, com um trabalho sonoro agressivo e interpretações fervorosas também de Luisa Arraes e Luíza Lemmertz.

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