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Envolto em polêmicas, 'Som da Liberdade' traz tema do tráfico humano a partir de histórias verídicas

Publicado em: 22/09/2023 16:17 | Atualizado em: 22/09/2023 16:40

 (Paris Filmes / Divulgação)
Paris Filmes / Divulgação
Ex-agente do governo dos Estados Unidos, ativista e agora também personagem da ficção, Tim Ballard deixou seu posto para se dedicar integralmente à missão de resgate de crianças vítimas de pedofilia e tráfico sexual humano no começo dos anos 2010, tendo fundado em 2013 a organização sem fins lucrativos Operation Underground Railroad (OUR). Algumas dessas missões são retratadas agora no drama Som da liberdade, em cartaz, focado principalmente no sequestro de crianças por traficantes.

Interpretado no filme por Jim Caviezel (célebre por viver Jesus em A paixão de Cristo, de Mel Gibson), Ballard adotou métodos perigosos nas missões de resgate, infiltrando-se entre os traficantes e fingindo interesses perversos nas crianças para poder salvá-las. Aqui na ficcionalização, sua obsessão principal, após salvar um menino, é salvar sua irmã que segue desaparecida em meio a mais de 50 vítimas de um mesmo grupo levado de Honduras até a Colômbia.

Som da liberdade foi filmado há cerca de cinco anos e tinha distribuição originalmente da Fox, estúdio logo em seguida comprado pela Disney, que engavetou o projeto. Um dos produtores recuperou posteriormente os direitos e conseguiu o lançamento do filme somente esse ano através da Angel Studios, dedicada a produções cristãs. O resultado foi um inesperado grande sucesso nos EUA, figurando entre as 10 maiores bilheterias de 2023 até agora.

Ocorre que a estreia foi cercada de controvérsias de distintas esferas. Alguns dos acontecimentos da história, tidos pelo filme como verídicos, foram apontados como falsos (o próprio caso dos irmãos) e ações de Ballard nos resgates têm sido alvo de graves acusações, inclusive de ordem sexual – veículos da imprensa americana divulgaram recentemente denúncias de mulheres a respeito da conduta do ex-agente durante as operações. As polêmicas envolvem ainda o uso do longa por parte de grupos extremistas apoiadores de teorias da conspiração e do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que conhecidamente chegou a promovê-lo em uma sessão especial.

Justiça seja feita, nenhuma dessas questões diz respeito ao filme propriamente, ainda que ele seja, sim, repleto de senões. Como thriller policial, Som da liberdade é conduzido de modo operante pelo diretor Alejandro Monteverde, que cria sequências tensas da missão sem apelar para recursos absurdos para resolvê-las. Como drama inflado do discurso relevante sobre combate ao tráfico e violência sexual infantil, a obra infelizmente prefere o registro da autocongratulação sentimental à sobriedade necessária para tratar de um problema dessa gravidade. É um tema que, logicamente, gera reações fortes e emocionais, mas o trabalho se aproveita disso para forçar lágrimas no espectador a cada instante (através da repetição da música tema, por exemplo), o que banaliza e até espetaculariza o peso do assunto.

Ademais, o roteiro protocolar e a linguagem novelesca de Som da liberdade enfatizam sempre a figura heroica, ilibada e ‘messiânica’ de Ballard (a escalação de Caviezel para o papel é bem sintomática disso), denotando uma visão unilateral acerca ‘instituição americana salvadora’ e sem abrir espaço para que o espectador questione – ou sequer reflita – sobre suas atitudes.

É verdade que a qualidade de um filme não deve ser medida pelo público que ele supostamente cativou e, neste caso em particular, é perfeitamente viável um debate sobre a obra apenas pela forma como lida com seu conteúdo, para bem ou para mal. A julgar pelo tom publicitário de Som da liberdade, no entanto, é fácil compreender as razões para ele ter virado instrumento de finalidades contestáveis.

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