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Baco Exu do Blues entre a regressão e a superação dos traumas em novo disco

Publicado: 01/02/2022 às 10:00

Baco Exu do Blues lançou seu terceiro disco de estúdio na última semana/@ronca/Divulgação

Baco Exu do Blues lançou seu terceiro disco de estúdio na última semana/@ronca/Divulgação

Na última sexta-feira, o rapper baiano Baco Exu do Blues lançou seu terceiro disco de estúdio, talvez o primeiro de um momento em que o artista deixa de carregar o rótulo de promessa, já consolidado como um dos mais populares nomes da música brasileira contemporânea. Ainda assim, mesmo inserindo em um ritmo tão marcado pela exaltação de si e promoção da própria imagem, Quantas Vezes Você Já Foi Amado? (QVVJFA?) é muito conduzido pela intensidade de suas inseguranças e incertezas, pautado pelo questionamento não mais de seus fantasmas em si, mas das origens deles.

“Nesse momento, eu tenho um pouco mais de tempo para pensar nas coisas que me incomodam de fato. Nos outros discos, eu só estava falando desses incômodos, mas sem entender de onde vinham e quais traumas eram culpados por essas dores. Nesse álbum, eu pude respirar um pouco e entender minhas próprias questões e absorver isso de forma um pouco mais fluida”, comenta Baco, em entrevista ao Viver. Ele percorre então por uma sessão de regressão norteada pela construção de seus afetos românticos, familiares, religiosos, de amizades, com o mundo e com si mesmo.

É uma jornada que perpassa uma série de expectativas, cobranças e relacionamentos específicos de sua vivência não só enquanto um jovem preto, mas um jovem preto reconhecido e que vivenciou uma ascensão financeira como poucos. Embalado por texturas que passam pelo jazz, trap e R&B, Baco revê a história de sua autoestima e autoimagem a partir dos olhares que recebe (Sempre tive o mesmo rosto/ a moda que mudou de gosto/ e agora querem que eu entenda/ seu afeto repentino) e do próprio espelho (Foram 25 anos pra eu me achar lindo). E também como essas duas instâncias afetam suas conexões com os outros, voltando a falar sobre o amor romântico, tão presente e muitas vezes tão criticados em sua obra. 
 
 

“Dentro do recorte específico da minha vivência de homem negro, existe uma dificuldade muito grande em demonstrar afeto. Não só afeto de casal, mas todas as formas de afeto. Então pra mim, é muito importante ter esse lugar, de cantar os amores, cantar fraquezas, sobre o que dá certo e o que não dá neles. São questões veladas, a gente é projetado pra esquecer e fugir desse tipo de coisa”, elabora o rapper, vendo em sua atitude poética em abraçar essas vulnerabilidades como uma forma poderosa de luta, ao ponto de embarcar em uma virada de tom e ritmo a partir da faixa Inimigos, que leva o álbum para um final de combate e de demonstração de força mesmo perante às fraquezas. 
 
 

“Eu acredito muito no amor. Não no amor cristão branco, mas no amor em sua pura essência, de afeto e autoafeto, como um movimento revolucionário. Só nos amando, nos respeitando e amando nossos parecidos, estamos pronto para lutar contra as dificuldades diárias que o mundo apresenta para nós, pessoas negras. Fazer a gente fingir que não sente isso é uma das formas mais cruéis de dominância. Quando entendemos nossas próprias formas de amor, que não estão nas novelas e filmes, as coisas mudam”, complementa

É nesse contexto de abraço a si e suas fragilidades que QVVJFA? é o primeiro disco de Baco a ter sua própria imagem como capa. Ele credita essa decisão por acreditar que se trata do mais pessoal projeto de sua carreira, que deve se tornar cada vez mais mergulhada nesse processo quase psicanalítico de fazer música, em que traumas e construção de uma identidade são cada vez mais poderosos em seu fazer artístico.

“Não teria como fugir ou pegar a foto de outra pessoa para colocar ali, porque, de fato, tudo que é dito ali, eu tive que falar do jeito que falei no microfone para expulsar do meu corpo. É como se fosse uma autobiografia, o começo e a continuação dela. E provavelmente o resto da carreira será sobre isso, de parar e entender meus sentimentos e diversos traumas e trazer eles para as pessoas se identificarem e discutirem eles, se sentindo acolhidas”, conclui. 
 
 
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