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Antes do futebol, Recife foi a terra do turfe. Entenda como o esporte influenciou a cidade

Publicado: 08/08/2021 às 12:45

Cavalo Nonoya, do Hipo%u0301dromo da Madalena, na Revista de Pernambuco, em 1926 (esquerda) e Jockey Club de Pernambuco no Revista da Cidade, em 1928, na Revista da Cidade (direita)/Foto: Biblioteca Nacional

Cavalo Nonoya, do Hipo%u0301dromo da Madalena, na Revista de Pernambuco, em 1926 (esquerda) e Jockey Club de Pernambuco no Revista da Cidade, em 1928, na Revista da Cidade (direita)/Foto: Biblioteca Nacional

Cavalo Nonoya, do Hipo%u0301dromo da Madalena, na Revista de Pernambuco, em 1926 (esquerda) e Jockey Club de Pernambuco no Revista da Cidade, em 1928, na Revista da Cidade (direita)

Uma das proezas das Olimpíadas é jogar luz a diversos esportes cultuados por nichos, mas igualmente importantes para as nações. Afinal, os esportes revelam um pouco sobre costumes e valores culturais das sociedades ao longo da história. O Brasil, por exemplo, nem sempre foi o país do futebol, que chegou por aqui no começo do século 20. O turfe, que promove a corrida de cavalos, foi bastante popular em alguns centros urbanos do país no século 19. Em Pernambuco, a prática teve tanta influência que chegou a dar nomes a alguns bairros do Recife, além de aprofundar as nossas primeiras experiências com o jornalismo esportivo.

Mario Sette, no clássico Arruar - Uma história pitoresca do Recife Antigo (1948), dedicou um capítulo sobre o turfe no final do século 19. O escritor cita que "os cavalheiros e as damas elegantes se reuniram aos domingos, num interesse pelas corridas, mas, evidentemente, também atraídos pela convivência das arquibancadas, pelas palestras, pelos comentários sobre moda, pelos namoros, pelos sorvetes, por umas horas alegres de contato espiritual temperado pelas emoções das vitórias de animais preferidos". Fica evidente, portanto, a importância comportamental e social do esporte, nascido na Inglaterra.

"Durante a época dos holandeses, já existiu uma experiência com esportes equestres, como as cavalhadas. Em torno de 1614, houve essa demonstração por aqui. No entanto, não eram corridas organizadas no molde do turfe", explica o escritor e historiador Leonardo Dantas Silva, em entrevista ao Viver. "Temos registros sólidos sobre as corridas apenas com o surgimento do Jockey Club de Pernambuco, no século 19".

Ilustração do Jockey Club de Pernambuco no Jornal do Recife em 1912

Em Arruar, Mário Sette não chega a citar, no entanto, que já existiam prados no Recife já no final dos anos 1850. O Jockey Club foi fundado em 1859 e não era um espaço físico para a prática, mas sim uma instituição que organizava as corridas. Isso mostra que já existia uma demanda considerável de competições. Já é possível encontrar diversos anúncios do Jockey no Diario de Pernambuco em 1860. A grande maioria divulgava corridas realizadas no Prado da Piranga, que ficava na antiga freguesia de Afogados.

Como Mário Sette cita, o auge dos prados foi em 1888. Logo no começo do ano, foi inaugurado o Prado Pernambucano, que com o tempo também ficou conhecido como Hipódromo da Madalena - por estar localizado nas terras que até então pertenciam ao bairro. Ele tinha arquibancadas modernas e despertou muito interesse da sociedade e da imprensa. Mais de 3 mil compareceram na inauguração.

Em março, foi fundada a sociedade esportiva Derby-Club, que construiu outro prado na antiga Estância de Henrique Dias - que não tem ligação com o atual bairro da Zona Oeste. A inauguração foi em 15 de dezembro, com arquibancadas de ferro para 1800 pessoas, restaurantes, botequins, sala para senhoras, pavilhão de pesagem e salão dos sócios. Em setembro, foi a vez do Hipódromo do Campo Grande, no bairro de mesmo nome, com uma festa de arromba que contou com três bandas. Também existiam as coudelarias, que cuidavam dos animais: Cruzeiro, Paissandu, Aliança, Riachuelo, Independência, Capunga e Ipiranga.

Capa da primeira edição do jornal O Sport, em 1895

Por ser uma atividade voltada para as elites dominantes, que detinham o dinheiro para executar e financiar a prática, o esporte muitas vezes ficava à mercê dos poderosos que dominavam as normas e regras. Em 1895, surgiu O Sport, um jornal semanal que se dedicava a falar apenas do turfe, com mais profundidade, denunciando os desmandos dos donos dos prados.

No texto de apresentação de O Sport, explica-se: "De há muito faz-se precisa a existência de uma folha dessa espécie. Os tribofes sucedem-se, as imoralidades agrupam-se, e as providências não surgem. A imprensa diária limita-se a dar o resultado das carreiras, sem mencionar as irregularidades que nelas se verificam, sem orientar as diretorias e sem reclamar punição para os proprietários e jockeys que ocupam-se exclusivamente de preparar patotas para obterem rateios que os satisfaçam."

Na edição de 100 anos do Diario, de 7 de novembro de 1925, o jornalista Octavio Moraes escreveu o texto A atuação do Diario no desporto pernambucano, que confirma: "Pelos dados que se tem, o primeiro esporte que se praticou em Pernambuco foi o turf. Há notícias, entretanto, de se terem verificado encontros hípicos verdadeiramente sensacionais daquela época em diante, os quais eram prestigiados pela fina flor da sociedade recifense. Posteriormente veio o remo e só no começo do século posterior o foot-ball foi introduzido entre nós por iniciativa de alguns elementos da consola inglesa, aqui domiciliada. O remo também teve o seu período áureo na penúltima década do século passado, quando se fundou o Clube Internacional de Regatas, hoje Clube Internacional do Recife."

A decadência do esporte e a origem dos bairros
Com a popularização do remo e do futebol, o turfe foi perdendo espaço. O primeiro prado a fechar foi o da Estância, deixando como legado o nome do bairro do Derby. Aproveitando que aquela era uma área já movimentada, o empreendedor Delmiro Gouveia transformou o prédio num famoso mercado - considerado o primeiro shopping center do Brasil por muitos historiadores. Na década de 1920, toda aquela área passou por uma intensa reforma, dando origem à Praça do Derby. Já o prédio passou a ser o Quartel da Polícia Militar de Pernambuco, que existe até hoje.

O Hipódromo do Campo Grande foi demolido, e a vila do seu entorno se "separou" do Campo Grande para ser o atual bairro do Hipódromo. O único que resistiu ao tempo foi o Hipódromo da Madalena, espaço que atualmente conhecemos como o Jockey Club. Apesar da crise, o Jockey seguiu como uma instituição firme, chegando a ter uma sede social no Palacete da Soledade, em 1925.

Matéria sobre reforma do Jockey Club em janeiro de 1940

Na década de 1940, o espaço passou por uma intensa reforma durante a gestão de Bento Magalhães, que hoje dá nome ao Grande Prêmio do Jockey. A matéria O Recife como Centro de Turismo, de janeiro de 1940, registra: "Há cinquenta anos passados havia no Recife dois prados, funcionando aos domingos com grande afluência, e exibindo animais de puro-saque, de fama internacional. Depois, aos poucos, o gosto por esse gênero de esporte foi declinando, a decadência se foi acentuado de tal modo que nem mesmo o Prado da Madalena se reunia. Agora, com a nova orientação dada ao Jockey Club e com as grandes obras realizadas nas duas instalações, o Recife volta à sua antiga situação. A festa de domingo auspicia-se das mais brilhantes, com parcos de que se destacam os melhores animais das coudelarias do Sul."

O entorno do antigo Prado Pernambucano também se "separou" da Madalena para se chamar bairro do Prado. É inegável, portanto, a influência do turfe em nossa relação com os esportes e na formação da cidade do Recife.
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