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Crítica: Alvorada acompanha Impeachment pelos olhos do palácio

Publicado em: 22/05/2021 14:16

Um documentário que opta pela abordagem humanizada da figura central do processo (Foto: Vitrine Filmes/Divulgação)
Um documentário que opta pela abordagem humanizada da figura central do processo (Foto: Vitrine Filmes/Divulgação)
Mesmo cinco anos depois, o Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) continua sendo objeto de interesse dos cineastas. Exibido pela primeira vez na 26ª edição do Festival É Tudo Verdade, o documentário Alvorada, de Anna Muylaert e Lô Politi, é a nova obra a se debruçar sobre esse caótico momento político do país. Período esse, inclusive, que tem sido especialmente retratado por mulheres, sendo O Processo, de Maria Augusta Ramos, e Democracia em Vertigem, de Petra Costa, os exemplos mais famosos.

Alvorada acompanha Dilma dentro do palácio que dá nome ao documentário, tradicional morada da presidência da república, desde a emblemática votação na Câmara dos Deputados que instaurou o processo de Impeachment até a sessão no Senado que confirmou a destituição da presidente em 2016. Com os cinemas fechados, o lançamento ocorre simultaneamente nas plataformas de streaming (Now, Oi e Vivo Play) no dia 27 de maio.

De certa maneira, os filmes citados parecem corresponder a três lados do mesmo objeto. O Processo (2018), como o nome bem sugere, foca no âmbito jurídico do Impeachment, com filmagens de votações, sessões plenárias e reuniões da equipe de defesa. Já Democracia em Vertigem (2019), indicado ao Oscar 2020, busca analisar a mudança da opinião pública no país desde as manifestações de 2013, adquirindo assim um viés sociológico. Por fim, Alvorada chega optando pela abordagem humana da figura que esteve no centro da questão, mas que muitas vezes é esquecida em meio aos debates: a presidente deposta.

Por outro lado, este talvez seja o filme menos político entre eles. Finalizado com maior distância temporal dos eventos do seu tema, resta ao material uma revisita sem grandes intenções práticas, além de revitalizar a imagem da líder do executivo. Por estar ciente da inevitável conclusão trágica, é uma obra essencialmente melancólica e resignada, feita em homenagem a um passado que agora parece tão distante.

A câmera observa discretamente os acontecimentos nos corredores e salões do Palácio (Foto: Vitrine Filmes/Divulgação)
A câmera observa discretamente os acontecimentos nos corredores e salões do Palácio (Foto: Vitrine Filmes/Divulgação)

Se a abordagem documental da Petra Costa era extremamente ativa, talvez ao ponto até de confundir problemáticas nacionais com paixões pessoais, a condução de Alvorada é como uma mosca na parede do Palácio. Esse afastamento é quebrado somente quando a ex-presidente conversa diretamente com a equipe, determinando os limites das filmagens e afirmando: “Não sou um personagem o tempo inteiro”. A humanização da ex-presidente é construída acompanhando seu dia a dia, testemunhando uma figura articulada na elaboração de discursos e madura ao falar sobre lembranças da ditadura militar, quando foi presa e torturada.

Porém, pela ausência de excertos de outros momentos históricos, Dilma não parece ter seu arco narrativo concretizado. E assim, ao sair da sua residência, percebe-se que o real protagonista acompanhado não é uma pessoa, mas um lugar. Mesmo nos momentos mais decisivos do Impeachment, a câmera de Lô Politi não sai dos limites do palácio, restando ao público assistir à votação final do Senado através de TVs da Alvorada, junto com os trabalhadores do local.

Cozinheiros, guardas, motoristas, camareiras, faxineiros; todos fazem parte da dinâmica de manutenção do prédio. Anna Muylaert, conhecida também por ter dirigido Que Horas Ela Volta?, desvia constantemente seu olhar para essas figuras marginalizadas. Não se poupa tempo para acompanhar esse cotidiano, pacato e vazio se comparado com os outros prédios de Brasília.

Assim, o Palácio da Alvorada é ao mesmo tempo o grande personagem e a grande testemunha. Ele é dominado pelo que acontece dentro de si, se deprime e passa a ressoar a tensão em seus amplos salões projetados por Oscar Niemeyer. Basta uma faxina para começar um novo ciclo, mas o vazio nos corredores parece não ter sido preenchido desde então.
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