LITERATURA

Academia Pernambucana de Letras celebra 120 anos como guardiã do saber literário

Publicado em: 26/01/2021 08:54 | Atualizado em: 26/01/2021 11:15

APL é a terceira academia fundada no país, depois da cearense e da brasileira (Foto: Marina Curcio/DP Foto)
APL é a terceira academia fundada no país, depois da cearense e da brasileira (Foto: Marina Curcio/DP Foto)


São 120 anos de Academia Pernambucana de Letras celebrados nesta terça-feira (26), a terceira casa literária mais antiga do Brasil. Não fosse o perfeccionismo do escritor recifense Carneiro Vilela, seu grande incentivador, a APL seria a primeira academia fundada no país, à frente da cearense e da brasileira. Os arranjos para a formação do espaço começaram ainda no final do século 19, quando os intelectuais recifenses José Isidoro Martins Júnior, Artur Orlando da Silva, Eduardo de Carvalho e Joaquim Thiago da Fonseca endereçaram um convite a Carneiro Vilela para fazer parte da nova instituição. Ele não aceitou o convite, por considerar que ainda não encontrava no grupo a representatividade digna da instituição.

Onze anos depois, com uma relação mais amadurecida e estrutura mais sólida, a academia foi finalmente inaugurada na sede Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), em 26 de janeiro de 1901, na Praça da Concórdia. Não à toa, a academia também é batizada de Casa de Carneiro Vilela. O aniversário será comemorado com palestra promovida em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), às 16h, no canal da instituição no YouTube. O presidente da Fundaj, Antônio Campos, membro da APL, dividirá a abertura com o escritor Lucilo Varejão Neto, presidente da Academia.

No final do século 19 e início do século 20, algumas associações literárias congregavam pequenos grupos de intelectuais no Recife, reunindo, sobretudo, interessados em política e ideologia republicana. A APL se transformou na memória viva da literatura, imortalizando o saber literário. "É um marco representativo de toda cultura literária dentro da história de Pernambuco. Mais de 250 acadêmicos já passaram por essa casa, desde grandes nomes como João Cabral de Melo Neto, Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, Joaquim Cardozo e Mário Melo", destaca Lucilo. Ele foi empossado em 26 de janeiro de 2020, substituindo Margarida Cantarelli, que presidiu a academia por quatro anos.

 (Foto: Marina Curcio/DP Foto)
Foto: Marina Curcio/DP Foto


"É uma alegria imensa que uma instituição cultural viva tantos anos, ainda mais em um cenário em que os valores culturais não são prestigiados, a Academia honra os pernambucanos pelos valores, elevando o nome de Pernambuco através da literatura. Por outro lado, é uma pena estarmos com as atividades suspensas desde março. A maioria dos acadêmicos são idosos, pessoas do grupo de risco, não podemos fazer nenhum evento presencial", afirma o presidente. A APL costuma realizar encontros e reuniões ordinárias, de portas abertas ao público, além de saraus musicais e visitas de estudantes. Também dispõe de biblioteca e atua como um museu do século 19.

Na data da inauguração, eram 19 escritores pernambucanos ao lado de Carneiro Vilela, que assumiu a presidência da casa, seguindo os moldes franceses de casas literárias. Em 5 de maio de 1901 foi publicado o primeiro número da revista literária da casa. "Carneiro Vilela foi o grande incentivador da Academia. Ele era uma pessoa muito consciente, foi a pessoa que pensou a instituição desde o início. Teve cautela, é sempre bom ter consciência do que vai criar, e ele contribuiu para formar essa dimensão de instituição", diz a antropóloga e acadêmica Fátima Quintas, que ocupa uma cadeira na casa desde 2002. O resgate histórico desde a construção do prédio até a formação e consolidação da entidade está presente na obra Academia Pernambucana de Letras - História e patrimônio, escrita por Fátima Quintas em 2013.

MUDANÇA DE SEDE
Primeira sede da APL (Foto: Reprodução)
Primeira sede da APL (Foto: Reprodução)

Em 1910, com o prédio da IHAGP demolido e o desprestígio da casa - das 20 cadeiras, só tinham 12 ocupadas -, a APL enfrentou grave crise política, que culminou na sua dissolução. Em 1911, a briga entre Rosa e Silva e Dantas Barreto, que causou cisão dentro da própria Academia, e as mortes de Carneiro Vilela, Regueira Costa, do então presidente, Phaelante da Câmara, e de outros influentes acadêmicos, foram fatores que levaram a um quase desaparecimento da APL.

A instituição foi reorganizada dez anos mais tarde, ainda sob cessão da IHAGP, quando teve o número de cadeiras aumentado para 30, uma proposta de Mário Melo. Foi só em 1960 que o escritor Mauro Mota propôs ampliar o conjunto para o formato atual, com 40. Foram mais de 60 anos para que a APL conquistasse uma sede, uma casa que abrigasse a potência daquele encontro intelectual.

Segunda sede da APL (Foto: Reprodução)
Segunda sede da APL (Foto: Reprodução)

De estilo neoclássico, o abandonado solar que pertencia ao Barão Rodrigues Mendes, situado na Avenida Rui Barbosa, foi desapropriado em 1966 pelo então governador Paulo Pessoa Guerra. Em 1973, foi doado, em caráter definitivo, pelo governador Eraldo Gueiros, passando a ter sua sede permanente. A ideia de ter sede própria foi fortalecida pelo então presidente da Academia, Luiz Delgado, nos anos 1960.

"Perseguia-nos, desde muito, o sonho de uma casa própria, e, em tal sentido, vários foram os pleitos que tivemos. No ano passado, movido por um editorial do Diario de Pernambuco, na secção de Mauro Mota, o Sr. Deputado Antônio Corrêa de Oliveira, num gesto que muito nos penhorou, apresentou um projeto de lei, autorizando o Estado a despender uma quantia para ser doada uma sede à nossa instituição. Até que o Sr. Governador Paulo Guerra, tomou a si diretamente a solução do problema e, dando-lhe um rumo inteiramente novo, escolheu, ele próprio, com seu gosto pessoal, um belo e nobre edifício neoclássico, na Ponte d’Uchôa, e determinou, por decreto, sua desapropriação para ser sede da Academia", celebrou Delgado, ao ler seu relatório anual na sessão de 8 de fevereiro de 1966.

Representatividade
A APL teve uma mulher ocupando uma cadeira em 1920, Edwirges Sá Pereira. Ela foi sócia correspondente da Academia desde 1901 e, depois de eleita, exerceu a função de vice-presidente. A representatividade feminina na instituição ocorreu bem antes do que na Academia Brasileira, que só abriu as portas para Raquel de Queiroz em 1977.

RENOVAÇÃO

Em quase 20 anos de casa, Fátima Quintas tem acompanhado o curso da renovação da instituição. "A grande mudança é que faleceram quase todos os acadêmicos antigos que estavam lá há muito tempo. As coisas vão mudando, novos autores com espírito diferente vão passando a integrar as cadeiras, e é isso mesmo, é a vida. É a dinâmica do tempo, a modernidade, não se tem muito o que lamentar. Eu assisti a morte dos acadêmicos antigos, eu assisti a mudança na escolha de temas, e consequentemente o distanciamento com os processos históricos", conta Quintas.

Ela lembra, ainda, que foi responsável por reabrir a biblioteca da APL em sua gestão como presidente, cargo que ocupou de 2012 a 2016. "A biblioteca tem um acervo riquíssimo, formado principalmente pelo acervo dos membros e de seus familiares", conta, destacando que mais de 3 mil livros da biblioteca pessoal de seu pai, o historiador Amaro Quintas, integram o vasto acervo da APL. Outra alegria a ser celebrada, segundo a escritora, foi a frequência nas reuniões ordinárias, que eram abertas desde que ela integrou a casa, mas no começo ninguém de fora assistia. "Hoje recebemos várias pessoas de fora a cada encontro, e isso é muito bom. A Academia é para todos", destaca.
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