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O MUNDO CANTANDO PARA PERNAMBUCO

Um melodrama entre Pernambuco e Julio Iglesias

Publicado em: 28/09/2020 09:00 | Atualizado em: 03/01/2021 21:59

Julio Iglesias se apresentou no Geraldão em 22 de janeiro de 1988.  (Foto: Edvaldo Rodrigues/Arquivo DP)
Julio Iglesias se apresentou no Geraldão em 22 de janeiro de 1988. (Foto: Edvaldo Rodrigues/Arquivo DP)


Canções que tratam de amor, sentimentos, intimidades e outras questões da vida privada acompanham a história da mídia, fazendo com que o cancioneiro romântico seja um dos cânones da música popular. Na década de 1980, quando Roberto Carlos reinava no Brasil, o espanhol Julio Iglesias tinha o mercado mundial de discos e de shows aos seus pés. Naquela década, o Brasil se abria para grandes nomes internacionais, sobretudo após o show de Frank Sinatra, em 1980, no Maracanã. A negociação para trazer Iglesias a Pernambuco, a partir de 1981, iniciou uma longa fase de expectativas frustradas e ilusões que só acabaria em 22 de janeiro de 1988, quando ele se apresentou no Geraldão.

Todas essas esperanças foram registradas na coluna de João Alberto, sendo as primeiras entre maio e dezembro de 1981, com despesas que somavam CR$ 10 milhões por um único espetáculo no Geraldão. Em abril de 1982, foi noticiado que o cantor faria show no salão do hotel Quatro Rodas, em Olinda. Seriam duas noites privativas e sofisticadas, mas as apresentações logo foram canceladas no mês seguinte. "Dependendo de acertos a serem feitos, Julio voltará ao Brasil em outubro e novembro, para espetáculos em Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Olinda", apontou a coluna de João. Em outubro, no entanto, ele se apresentou apenas no Estádio da Gávea, no Rio de Janeiro, para 30 mil pessoas.

Em 1983, João Alberto noticiou um algo curioso: "Com o dinheiro que ganhou na sua temporada brasileira, ano passado, Julio Iglesias adquiriu vários terrenos no Recife e em Itamaracá. Ele pretende aumentar seus investimentos no nosso Estado e para tanto pretende faturar muito dinheiro com uma nova temporada brasileira, no segundo semestre."

Anúncio da venda de ingressos para o show de Julio Iglesias no Recife (Foto: Arquivo DP)
Anúncio da venda de ingressos para o show de Julio Iglesias no Recife (Foto: Arquivo DP)

Apesar do aparente interesse de Iglesias em Pernambuco, o estado teve que se contentar com shows de Manolo Otero, que era apontado como um futuro rival de Iglesias, em 1982 (noitada privativa para 200 pessoas) e em 1986 (três espetáculos no Centro de Convenções). Mas os empresários pernambucanos continuavam tentando o Julio original. Especulou-se que ele iria se apresentar na inauguração do Hotel Recife Palace, em Boa Viagem. O custo, no entanto, era astronômico para um país em crise: US$ 100 mil, equivalente a Cr$ 140 milhões (cruzeiros), por uma hora e meia de espetáculo.

Outra negociação, em 1987, tinha planos de levar o cantor para o Teatro Guararapes, mas o seu cachê continuava subindo, fazendo que um ingresso custasse em torno de Cz$ 2 mil (cruzados). O show foi finalmente confirmado apenas em 10 de janeiro de 1988, para o dia 22 do mesmo mês, no Geraldão. Quem arrematou foi o empresário baiano radicado no Recife José Carlos Mendonça, o Pinga, que fez história neste ramo no Nordeste. Os custos foram majoritariamente cobertos por patrocínio, com a bilheteria (Cz$ 500 a arquibancada e Cz$ 2000 mil a cadeira) destinada a despesas menores. Julio Iglesias começou a temporada no Rio (15) e prosseguiu para Salvador (21), Recife, Campina Grande (23), São Paulo (28) e Porto Alegre (2/2).

Anúncio da confirmação para o show de Julio Iglesias no Recife (Foto: Arquivo DP)
Anúncio da confirmação para o show de Julio Iglesias no Recife (Foto: Arquivo DP)

"Julio Iglesias possui o protótipo do homem romântico do final do século 20, dando a impressão de que está sempre apaixonado e cercado, constantemente, por belas mulheres", refletiu o jornalista Valdi Coutinho, em 19 de janeiro de 1988. "Os camarotes do Geraldão já estavam todos reservados desde o início da semana. A procura das cadeiras de pista também era muito grande. Os promotores do espetáculo querem transformar o show numa verdadeira festa, o que deverá acontecer pelo carinho que o público pernambucano também tem ao artista. Ele interpretará algumas das músicas que marcaram a sua popularidade no Brasil e alguns sucessos internacionais."

Na noite do dia 21, Iglesias chegou no Geraldão numa limousine branca, dirigida por um motorista igualmente vestido de branco. Aos 45 anos, sorridente, bronzeado e acompanhado por duas belas mulheres, altas e loiras, ele concedeu uma rápida entrevista à imprensa. "É uma maravilha cantar no Nordeste do Brasil. Esta é a primeira vez, mas espero voltar em breve". "Você se considera uma pessoa realista, romântica ou otimista para a vida?", perguntou um repórter. "As três coisas", respondeu o cantor. "E bastante otimista." Um público de 14 mil pessoas, a maioria mulheres, lotou o Geraldão. Nos camarotes estavam nomes como Jarbas Vasconcelos, então prefeito do Recife, Reginaldo Rossi, Luiz Carlos Clay e Nilton César. O show deu lucro de apenas Cz$ 800 mil, de acordo com o jornalista Paulo Fernando Craveiro.

Registro do show no Geraldão (Foto: Arquivo DP)
Registro do show no Geraldão (Foto: Arquivo DP)

Iglesias à vontade em Pernambuco
João Alberto, que durante anos soltou notas sobre o vai e vem entre Pernambuco e Iglesias, teve acesso ao camarim do espanhol. "Não tinha qualquer detalhe especial. Na parede, uma fotografia do time do Sport, que chamou a atenção do cantor, que é apaixonado por futebol. Num canto, mesa com frutas, sanduíches de queijo, salgadinho, água e refrigerante. Nada de bebidas alcoólicas", registrou o colunista.

"Conversei com Julio rapidamente. Ele era muito simples, não escondia seu entusiasmo pela cidade, não esperava que fosse tão grande e bonita, como observou do avião. [...] A presença de um público tão grande e entusiasta, deixou Iglesias radiante. Ele não poupava elogios ao empresário Pinga, pela sua correção e deixou fugir o desejo de voltar outras vezes para se apresentar no Recife, então ficando mais tempo para conhecer melhor a cidade."

Sobre o show, João disse: "Um registro para a perfeição do som, assinado por Petrúcio Peixoto. Houve apenas uma pequena microfonia, quando o cantor cantava junto com uma das integrantes do coral e os dois microfones se juntaram, algo impossível de ser evitado." "Depois do show, Iglesias foi ao restaurante Prá Vocês, no Pina, para comer agulha, lagosta, camarão. Claro que foi reconhecido, mas não chegou a haver tumulto. Simpaticamente, cumprimentou as pessoas que o procuraram, deu autógrafos e não poupou elogios à nossa cidade."

Registro do encontro de Julio Iglesias e Reginaldo Rossi, em 1991 (Foto: Fernando Gusmão/Arquivo DP)
Registro do encontro de Julio Iglesias e Reginaldo Rossi, em 1991 (Foto: Fernando Gusmão/Arquivo DP)


No dia seguinte, Iglesias descansou na piscina do Hotel Miramar, em Boa Viagem. O cantor voltou ao estado para descansar após uma nova turnê no país, em 1991, quando ocorreu o emblemático encontro com Reginaldo Rossi, em Muro Alto. Rossi esteve lá a convite do astro internacional, com uma noitada foi até 4h. Celeide Neves, esposa de Rossi, aproveitou a ocasião e levou todos os vinis de Julio Iglesias lançados no Brasil para serem autografados.

"'O Julio ligou para mim na terça-feira, dizendo que queria me conhecer'", contou Reginaldo ontem, na piscina do hotel onde o cantor espanhol estava hospedado. 'Ele é uma pessoa incrível; disse, inclusive, que, como tenho a voz mais grossa, eu cantaria melhor', relembrou com entusiasmo", noticiou o Diario de Pernambuco, no dia 18 de abril, em reportagem de Paulo Goethe. Para realizar show, ele só retornou em 2011, com apresentação no Classic Hall, em Olinda. 

Confira o encontro de Julio Iglesias e Reginaldo Rossi em vídeo:



Esse é o quinto texto de uma série O Mundo Cantando para Pernambuco, que visa resgatar os grandes shows internacionais em Pernambuco no século passado.

Confira as demais reportagens, em linha cronológica:




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