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MÚSICA

Fernanda Takai lança disco sobre 'a nossa fragilidade e impotência'

Publicado em: 10/07/2020 08:19

 (Foto: Dudi Polonis/Divulgação)
Foto: Dudi Polonis/Divulgação
Fernanda Takai perdeu as esperanças. Prova disso é o conteúdo de seu novo álbum solo, Será que você vai acreditar? (DeckDisc), que chega nesta sexta-feira (10) às plataformas digitais. Produzido, arranjado, gravado e mixado durante o confinamento por John Ulhoa, seu parceiro de vida e banda, o trabalho carrega um repertório que dialoga diretamente com o contexto de incerteza que o Brasil e o mundo vivem atualmente.
 
“Ele tem uma sincronia com essa sensação de limite que estamos vivendo. E isso é curioso, porque a maioria das canções entrou no repertório antes mesmo da pandemia e do isolamento, o que confirma que esse não é um sentimento novo. Afinal, nós estamos vendo o país andar de ré”, comenta a cantora e compositora.
 
“Ao mesmo tempo, eu me invisto da vontade de lançar um trabalho novo, mesmo num momento tão deprimente da nossa história. Sinceramente, sinto que as pessoas precisam de músicas que falem da nossa fragilidade e impotência.”
 
 
 
Pandemia
Embora soe como um projeto pensado para ser fruto de uma incursão criativa durante os dias em casa, o disco começou a nascer antes de a pandemia do novo coronavírus impor essa realidade.
 
Dois anos após O tom da Takai (2018), disco com repertório dedicado às canções de Tom Jobim, Fernanda já pretendia entrar em estúdio para um novo registro. A produção começou logo depois do carnaval dese ano, no início de março.
 
Quando a Organização Mundial da Sáude (OMS) decretou a pandemia, no dia 11 daquele mês, a cantora, John e Nina, filha de 16 anos do casal, se isolaram em casa, em Belo Horizonte. A partir daí, a rotina da família passou a girar em torno da gravação do disco.
  
“Produzi-lo foi o que nos manteve numa rotina durante esses dias. Moramos em uma casa com jardim e animais, então a gente teve que se organizar para realizar os afazeres domésticos. Eu, por exemplo, cozinho todos os dias”, conta.
 
Diferentemente de seus  outros discos solo, e também dos 11 que compõem a discografia do Pato Fu, o trabalho atual foi construído a quatro mãos, com John no comando de todos os instrumentos ouvidos nas músicas. O esforço resulta num trabalho afinado, minimalista e elegante.
 
Terra plana abre o álbum, trazendo à tona um comentário delicado sobre as ansiedades de educar uma filha. A canção seguinte, Não esqueça, pinçada do repertório do artista gaúcho Nico Nicolaiewsky (1957-2014), segue a mesma toada. Apesar de datar de uma época passada, alguns versos parecem ter sido escritos durante os tempos de pandemia: “Não esqueça que tudo é ilusão, não esqueça de lavar as mãos”.
 
Pérola da música popular brasileira interpretada por Paulo José e lançada em 1970, Não creio em mais nada ganha um registro à altura de sua importância. Com elementos eletrônicos e diferentes camadas vocais, a canção se reveste de uma nova cara e é uma das melhores do disco. A versão conta com a participação da robótica voz do Google.
 
“Fico impressionada com o tanto que essa música fez sucesso, mesmo sendo tão intensa para a época. Nesse mar de mentiras e notícias falsas em que a gente vive hoje, acho que ela está bem de acordo com a realidade do Brasil”, afirma Fernanda.
Em O amor em tempos de cólera a cantora  divide os vocais com Virginie Boutaud, vocalista da banda de new wave Metrô, que fez sucesso nos anos 1980 com a música Tudo pode mudar. Quem também está no disco é a japonesa Maki Nomiya. Conhecida por integrar o duo Pizzicato Five, ela é coautora da canção Love song e a canta com Takai.
 
Corações vazios e O que ninguém diz nasceram durante a quarentena. Em ambas, Fernanda Takai transborda melancolia, ainda que a segunda tenha uma levada dançante. “Mas seu ponto de vista/ Duro como cimento/ Não dura muito tempo/ Se a boca secar/ Se a fome doer/ Você vai entender/ Espere só pra ver”, canta ela, na primeira.
 
Balada promovida como quinto single do consagrado segundo álbum de Amy Winehouse (1983-2011), Back to black (2006), Love is a losing game aparece no disco sob a forma de uma bossa nova eletrônica. “Sempre fui muito fã da Amy”, admite Fernanda. “Torcia para que ela não tivesse um final tão trágico e prematuro. Até cheguei a cantar Rehab em alguns shows do Pato Fu, mas, depois que ela morreu, acho que a música ganhou um novo significado. Para mim, Love is a losing game é a música mais bonita do disco dela. Fala sobre um amor que deu errado, mas de uma forma nova e diferente.”
 
Outro sucesso internacional regravado pela cantora amapaense radicada em Minas Gerais é a balada One day in your life, hit na voz de Michael Jackson (1958-2009), em gravação para seu quarto álbum solo, Forever, Michael (1975). “Essa é uma música muito especial para mim. Lembro-me de ouvi-la quando era jovem, mas nunca tive a coragem de trabalhar nela. Como não tínhamos mais um cronograma rígido de gravação para seguir, eu e John decidimos quebrar a cabeça para produzir essa”, comenta.
 
Essa não é a primeira vez que Fernanda presta tributo ao cantor norte-americano. No disco ao vivo Luz negra ela regravou o sucesso Ben, de 1972. Sem medo de demonstrar seu posicionamento político, ela avalia o atual momento da política no Brasil com preocupação. “Somos governados por gente muito irresponsável e tudo é muito pior do que a gente pensava que seria. Sofrer um golpe como em 2016 ou perder a eleição de 2018 são coisas que acontecem. Mas ter ali, no comando do país, uma pessoa como Bolsonaro é um completo descalabro”, afirma. 
 
“Levou muito tempo para construirmos um caminho que favorecesse a maioria das pessoas, mas a destruição está sendo muito rápida. Por isso não podemos deixar de sinalizar nossas convicções.”
 
Apesar de adepta às redes sociais, ela não se adaptou ao universo das lives, alternativa aos shows ao vivo criada na quarentena. Como artista, fez poucas, em geral participando de transmissões ao vivo de colegas. Assume que vê poucas, na maioria das vezes as de entrevistas, e conta que tem usado o tempo livre para fazer cursos on-line.
 
“Cultivo uma certa birra dessas grandes lives que duram horas e horas e, com certeza, envolvem o trabalho de uma equipe grande. Agora é o momento de darmos o exemplo e ficar em casa. Espero me apresentar ao vivo, para o público, quando isso for uma decisão segura.”
 
E apesar da falta de esperança que paira em sua voz, tanto no disco quanto na entrevista, a última canção do álbum, Who are you?, parece conter o antídoto para esse sentimento. Embalada por um instrumental eletrônico soturno, a faixa destoa do restante, mas soa como um convite à ressignificação da realidade.
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