carnaval

Conheça a história de Reginaldo, o mensageiro da paz

Publicado em: 15/02/2020 11:10 | Atualizado em: 15/02/2020 11:42

Ele está em todas! Sempre com a missão de propagar a paz.  (Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP)
Ele está em todas! Sempre com a missão de propagar a paz. (Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP)


Quem acompanha as festividades de carnaval de perto ou pela televisão já deve ter visto entre os foliões, um homem vestido de branco segurando um estandarte com a palavra “paz” dentro de um coração vermelho feito com garrafa pet. É impressionante como ele está em quase todas as agremiações. Há quem diga que são várias pessoas em lugares diferentes, mas não é. O Diario foi até a comunidade do Guadalupe, em Olinda, para conhecer a história do artesão Reginaldo Cabral de Souza, 56, o “Mensageiro da Paz”. Ele sai às ruas durante a folia de momo para conscientizar as pessoas a brincar sem violência e a respeitar o próximo. É no terraço de casa, na Rua Alto da Saudade, onde o artista dá vida aos objetos descartados pela população. Quando a equipe de reportagem chegou ao local, ele estava pintando algumas garrafas pets para fazer adereços carnavalescos. “Todos os dias saio às 4h da manhã para garimpar latas e garrafas. Saio daqui do Guadalupe e vou até a orla de Casa Caiada procurando latas, garrafas outros materiais recicláveis. Quando volto, lá pelas 7h, preparo a comida da minha esposa e fico no atelier. Aqui em casa lavo os objetos e vou encontrando formas de transformá-lo em coisas úteis. Tem gente que me chama da catador de lixo, mas isso machuca, eu não cato lixo, eu garimpo coisas que para muitos não têm importância, mas que podem ser úteis para muita gente”, conta. 

A história do mensageiro da paz começou no ano de 2008, dentro do bloco “Reciclando e Folia”, organizado por ele. Naquele ano, a agremiação saiu com o tema “Bandeira branca amor, queremos paz”. “Foi aí que eu tive a ideia de elaborar o estandarte. Recolhi algumas garrafas, pintei de vermelho e fiz um coração. Em seguida, pintei as letras de branco, verde e vermelho. Depois peguei dois cabos de vassoura, juntei e revesti. Foi no bloco onde eu saí pela primeira vez”, relata. No início, o estandarte tinha apenas o coração e o nome paz, mas alguns anos depois, o artesão sentiu a necessidade de colocar uma pomba feita com garrafa pet. “A paz é a luz do mundo e tem que ter o espírito santo também”, reforça.  

A equipe de reportagem foi até o Guadalupe, em Olinda, para conversar com o artesão.  (Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP)
A equipe de reportagem foi até o Guadalupe, em Olinda, para conversar com o artesão. (Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP)


Por questões financeiras, a agremiação deixou de sair e o estandarte da paz ficou guardado no atelier de Reginaldo. A vontade de sair às ruas durante o carnaval veio logo após assistir uma reportagem na televisão com o artista plástico Tiago José dos Santos, 52. “Ele é o homem da leva a bruxa do carnaval e todo mundo comenta que a bruxa está solta. Foi aí que eu pensei: por quê eu não posso levar a paz? Daí então comecei a sair nos blocos e nas festas durante o ano inteiro”, narra.

O artista revela que quando saiu pela primeira vez sentiu muito medo. “As pessoas olhavam para mim com olhar de predador, como se fosse me devorar. Era como se pedir paz fosse algo errado. O medo era muito grande. Mas senti que deveria enfrentá-lo e seguir com a minha missão”, disse. Até hoje é um desafio. O artesão disse que já foi até agredido durante as festa. “Me queimaram com um cigarro. Eu percebi que aquilo não foi um acidente. Tanto que ficou machucado por vários dias. Não sei o que leva uma pessoa a fazer isso. Eu não estava mexendo com ninguém. Quem me vê na rua sabe que ‘com licença’ e ‘me desculpe’ são frases que eu falo sempre. Acho que as pessoas enxergam a paz como uma provocação e isso deve causar algum descontentamento ao ponto de algumas tentarem acabar com aquilo. Mas enquanto muitos pensarem assim, sinto que sou necessário e vou continuar levando a mensagem. Ela faz com que a gente pense, se transforme e renasça. É aprender e recomeçar constantemente”, ressalta. 

E foi com a missão de propagar a paz entre os foliões que Reginaldo ganhou as ruas e hoje é um dos personagens mais queridos da festividade popular. “Muita gente me pergunta como é que eu tenho coragem de entrar no meio do povo pedindo paz. Essa coragem foi Deus quem me deu. Eu não bebo e nem fumo, mas me divirto com a folia. Muitos parceiros, presidentes de blocos e foliões quando olham para mim segurando a paz me abraçam e se sentem protegidos. Chegam até a me chamar de ‘Homem da Paz’, mas eu corrijo e digo que só Jesus é o homem da paz, eu sou apenas o mensageiro dele”, ressalta. 

Reginaldo e sua família.  (Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP)
Reginaldo e sua família. (Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP)

Reginaldo tem seis filhos e dezesseis netos. Ele é casado há 30 anos com a dona de casa Ceci Ferreira Lima de Souza, 55. O casal, apaixonado pelo carnaval, coleciona grandes histórias e emoções nas folias nessas três décadas, mas em 2018, Ceci sofreu uma Isquemia Cerebral, uma doença provocada por um bloqueio na circulação sanguínea do cérebro que compromete principalmente os movimentos do corpo.  "Foi um abalo muito forte. De repente eu vi o meu amor em uma cama, sem poder se movimentar. O médico disse que ela não iria nem sair do hospital. Mas com muita fé e oração, ela tem se recuperado e está aqui ao meu lado. Mesmo as pessoas desacreditando, eu acredito naquele lá de cima e sei que para ele nada é impossível. Em breve terei minha companheira de carnaval e seremos como sempre fomos”, revela. 

Além da reciclagem, o artesão tira o sustento da casa fazendo alguns serviços temporários como pedreiro, mas revelou que ultimamente está muito difícil a situação. “Com essa crise, as pessoas estão chamando menos. Mas o pouco que eu tenho me basta. A gente não precisa de muita coisa para ser feliz. Vejo tanta gente com muito e sem paz. Eu prefiro ter paz”, disse. 

A Paz presente nas Águas de Oxalá, em Olinda.  (Foto: Peu Ricardo/DP)
A Paz presente nas Águas de Oxalá, em Olinda. (Foto: Peu Ricardo/DP)


Mesmo sendo católico, o mensageiro aceita e respeita todas as religiões que multiplicam a paz. “O que importa para mim é que levem a mensagem de amor e respeito ao próximo. Isso faz o mundo melhor a cada dia”. No dia da caminhada dos terreiros, por exemplo, lá estava o mensageiro com o estandarte da paz e reforçando o respeito às diversas expressões de fé. “Eu acho importante. Para mim não importa religião A ou B, o que importa é a fé. Quando a gente acredita a gente vai longe. Antes eu não tinha a dimensão do quão importante era este personagem no meio do povo até um amiga vir falar comigo. Ela me viu e disse que achava lindo quando eu passava nos cortejos. Falou também que achava interessante eu estar presente tanto nos eventos religiosos, quanto nos profanos, pois a paz precisa estar em todos os lugares”, conta. 
 
 (Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP)
Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP
 

Sobre a agenda do carnaval, Reginaldo conta que muitas vezes, são os próprios foliões que ligam para ele perguntando se o mensageiro estará presente. “Eu acho isso tão lindo. É um reconhecimento muito grande e para mim é uma missão. A dificuldade que encontro muitas vezes é para deixar Ceci com alguém. Muitas vezes as filhas não podem ficar, aí eu falo com as vizinhas e elas abraçam sabendo da importância da paz”, relata. 

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL