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Televisão The walking dead deve mostrar que a opressão subjuga o homem, mas não mata a liberdade Segunda parte da 7ª temporada tem o desafio de recuperar o prestígio abalado

Por: Tiago Barbosa

Publicado em: 12/02/2017 15:05 Atualizado em: 10/02/2017 20:06

Rick Grimes: reação no apagar das luzes. Foto: AMC/Divulgação
Rick Grimes: reação no apagar das luzes. Foto: AMC/Divulgação

Inúmeras palavras negativas surraram a primeira parte da sétima temporada da série The walking dead (AMC, 2010-), narrativa televisiva extraída dos quadrinhos sobre a sobrevivência humana diante de uma hecatombe zumbi. "Repetitiva", "insossa", "cansativa", "desgastada" e "dispersiva" selaram o inesperado declínio de audiência de uma trajetória iniciada sob um capítulo auspicioso - com recorde de público na TV norte-americana - e continuada de forma pouco envolvente a ponto de se questionar a longevidade do seriado.

A trama em torno do grupo liderado pelo ex-xerife Rick Grimes (Andrew Lincoln), agora refém do impiedoso vilão Negan (Jeffrey Dean Morgan), teria se tornado cíclica e incapaz de pavimentar novas possibilidades criativas. A estreia da segunda parte da temporada (neste domingo, às 23h30) surge com a missão de dissolver a percepção desfavorável e transformar o criticado marasmo da fase anterior em atalho para uma dramaturgia mais cativante.

Espaço, há. Mas é preciso esvaziar os pontos frágeis.

A trajetória inicial da sétima fase pecou pela repetição de um artifício comum à série, mas lesivo ao ritmo esperado da atual temporada: a dedicação de episódios inteiros à abordagem de tramas paralelas como forma de irrigar o eixo principal. A exploração do domínio massacrante de Negan sobre o grupo de Rick perdeu visibilidade em um episódio, por exemplo, para o contato de Tara Chambler (Alanna Masterson) com uma comunidade formada só por mulheres. Embora servisse para expor o nível de crueldade cometido contra os homens da região, o capítulo superestimou o papel dela na história, quebrou o ritmo sobre os rumos dos demais núcleos e falhou no objetivo de reforçar a espinha dorsal da trama.

Negan e o exército de seguidores. Foto: AMC/Divulgação
Negan e o exército de seguidores. Foto: AMC/Divulgação

E não é só. A vilania de Negan tem se equilibrado no limite da credulidade. A tortura física e, sobretudo, psicológica imposta por ele a Rick e companhia no primeiro capítulo - com a morte de pessoas do núcleo central da trama - delineou o perfil sociopata do personagem sobre os pilares do sadismo, da violência, do egoísmo e da libertinagem. E criou um novo paradigma de crueldade através do qual a colonização da mente do inimigo se sobrepõe à submissão física. As cenas seguintes acentuaram a impressão - com o martírio cerebral infligido a Daryl (Norman Reedus), despido a fórceps da valentia e da independência, e a Rick, despojado com humilhações do papel de líder. Era o prelúdio de um ser assustador.

Mas a imagem fissurou a partir da relação estabelecida com os subordinados, da exposição excessiva a situações de perigo e da sucessiva “sorte” ao escapar de emboscadas. Enquanto mandatário, Negan se caracteriza por oprimir o próprio exército e incitar rancor entre os dominados. Chefia pela cartilha do medo. Em um cenário marcado pela sucumbência da moral e da ética, do esgarçamento do tecido social, a insurreição violenta seria instintiva - sobretudo contra quem anda descuidado da própria proteção. O contraste entre a imponência do discurso e a suscetibilidade do personagem torna a condição dele quase inverossímil.

O contorno dos tropeços da primeira metade, no entanto, pode devolver à série o vigor característico de temporadas anteriores. E há motivos para crer na reviravolta. As cenas finais antes da interrupção flagraram um rearranjo de forças do combalido grupo de Rick para enfrentar Negan e recuperar a dignidade e a independência subtraídas - e a abdicação absoluta diante do vilão tem sido um dos pontos inquietantes porque o protagonista construiu uma imagem de coragem e combate ao longo da série.

O material descritivo dos próximos episódios distribuído pela AMC salienta a mudança de curso. "A segunda metade será focada na preparação para a guerra e na união dos suprimentos para derrubar Negan de uma vez por todas. A vitória deve requerer mais que Alexandria ('lar' do bando de Rick)", diz o texto. O endosso à junção de forças parte também da observação do ator Lenine James (intérprete de Morgan) em entrevista à revista Newsweek: "A segunda parte diz muito sobre encontrar os protagonistas. Alguns vão para o lado sombrio, isso vai surpreender, e outros para a luz". É possível deduzir para as cenas seguintes a confluência do "reino" de Ezekiel (Khary Payton), dos insurgentes de Hilltop sob a condução de Maggie (Lauren Cohan) e dos “escravizados” de Alexandria liderados por Rick e um Daryl (Norman Reedus) quase esfolado.

Maggie, Ezekiel e Jesus: união para combater o vilão. Foto: AMC/Divulgação
Maggie, Ezekiel e Jesus: união para combater o vilão. Foto: AMC/Divulgação

A resistência demonstrada no último episódio e a reorganização dos personagens anunciada para os próximos capítulos fazem The walking dead ensaiar a recuperação do principal ativo da série: a capacidade de criar metáforas para desnudar a conduta humana. Ao longo de sete temporadas, TWD produziu reflexões sobre a reação do indivíduo quando submetido a pressões extremas - simbolizadas, na série, pelo risco de morte oferecido constantemente pelos zumbis. Sob ameaça, surgem egoísmos, mentiras, patologias, altruísmos, traições e outras ações reveladoras da sociedade.

O reagrupamento para enfrentar o inimigo comum faz paralelo com lutas contemporâneas cujo desequilíbrio entre os envolvidos só é superado pela união de esforços - do enfrentamento às desigualdades raciais, sexuais, sociais e econômicas à busca por isonomia entre nações através da formação de blocos continentais.

A ressurreição do espírito combativo dos protagonistas confere significado ao martírio ininterrupto observado nos oito capítulos anteriores: humilhação, castigos físicos e violência psicológica podem subjugar o homem, mas nunca esterilizar o desejo de ser livre. A lição salta da tela: nenhuma opressão diminui quando a vítima se entrega, e só o enfrentamento é capaz de garantir sentido à vida. Mesmo entre zumbis.

SERVIÇO
The walking dead, de Frank Darabont e Robert Kirkman (estreia da segunda parte da 7ª temporada)
Fox, 23h30 (exceto na Sky)
Demais capítulos são disponibilizados na Fox+, para assinantes

Veja imagens da segunda fase da 7ª temporada


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