Música Carnaval 2017: Lenine e Bongar dividem show no Marco Zero O músico pernambucano Lenine visitou o Terreiro de Xambá, onde ele e o Grupo Bongar trocaram referências culturais para projetos em parceria

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/02/2017 21:01 Atualizado em: 23/02/2017 20:39

Guitinho, vocalista do Bongar, e Lenine dividirão o palco do Marco Zero no Sábado de Zé Pereira. Foto: Shilton Araújo/DP
Guitinho, vocalista do Bongar, e Lenine dividirão o palco do Marco Zero no Sábado de Zé Pereira. Foto: Shilton Araújo/DP

Ter “orelhas de morcego”, atentas a tudo, e três filhos em faixas etárias diferentes é a receita do pernambucano Lenine para se manter a par de diferentes manifestações musicais, onde acontecem, quem as produz. Aos pernambucanos do Grupo Bongar, ele chegou através do filho Bruno Giorgi, produtor musical engajado nas gravações e mixagem do álbum Ogum - que o Bongar lança no mercado em abril deste ano. “Já tinha ouvido falar, mas não conhecia pessoalmente. Assim que ouvi o trabalho deles pela primeira vez, me impressionei. Me atrevi a entrar em contato e agora estou aqui, almoçando com eles”, ri Lenine, sentado à mesa com Guitinho, vocalista do grupo, e os instrumentistas do Bongar.

Confira o roteiro de shows do Divirta-se

A primeira parceria - que, segundo Lenine e Guitinho, é o princípio de uma série de intersecções entre as carreiras dos dois - será testemunhada pelos pernambucanos no Sábado de Zé Pereira: Lenine se apresenta no Marco Zero às 23h59, segundo a grade de programação da Prefeitura do Recife, e recebe o Grupo Bongar para performance coletiva sobre o palco. Lenine e Bongar interpretam Canto das três raças, popularizada na voz de Clara Nunes. “É uma música de grande significado, por falar dos negros, índios, europeus. Essa canção tem um relevo sonoro lindo”, diz Lenine.

Para Bongar, a escolha da música reforça a ligação do povo de terreiro com o samba, cujo centenário vem sendo comemorado desde 2016, em função da primeira composição do gênero no país, Pelo telefone. “As nossas festas sociais, aquelas que não integram o calendário litúrgico do terreiro, são sempre envolvidas pelo samba. Quando Lenine propôs Canto das três raças, fiz um mergulho mais profundo no ritmo, descobri ainda mais coisas. Acho que as pessoas estão discutindo de forma muito agressiva atualmente. Uma música como essa é uma forma de discutirmos com poesia. Acho muito bonito, foi uma ideia acertada”, avalia Guitinho.

Bongar e Lenine interpretarão Canto das três raças no palco do carnaval. Foto: Shilton Araújo/DP
Bongar e Lenine interpretarão Canto das três raças no palco do carnaval. Foto: Shilton Araújo/DP


Para Lenine, o encontro renderá outro dos momentos especiais que coleciona em 16 anos se apresentando no Marco Zero. “Houve uma vez em que, o dia já amanhecendo, me dei conta de que estávamos eu e Milton Nascimento tocando Paciência no palco do Marco Zero. Já pensou? O Recife me deu um presente que nenhum outro lugar me deu. Tenho espaço em pleno carnaval para as minhas músicas, para ser quem eu sou, um cantautor. Não tenho muitos frevos, falo de canções como Paciência, sendo cantadas para um Marco Zero lotado, em plena festa de Momo. Isso seria inimaginável em outros lugares, mas aqui é real. Me sinto no dever de abrir essa janela para outras manifestações fora das tradições carnavalescas, como é o caso do Bongar”, avalia Lenine.

No repertório deste ano, além de sucessos da trajetória artística, devem predominar faixas de seu último álbum autoral, Carbono (2014), e do projeto The Bridge: Lenine & Martin Fondse live at Bimhuis, lançado no ano passado, com versões de composições suas arranjadas pela orquestra Martin Fondse.

Lenine conheceu o Memorial de Mãe Biu, no Terreiro de Xambá. Foto: Shilton Araújo/DP
Lenine conheceu o Memorial de Mãe Biu, no Terreiro de Xambá. Foto: Shilton Araújo/DP
>> No terreiro

Guitinho aproveitou a visita de Lenine para apresentar o Terreiro de Xambá e o Memorial de Mãe Biu, a Yalorixá Severina Paraíso da Silva, a matriarca mais longeva da comunidade. O espaço, único no país a preservar as tradiçõs de xambá em sua dinâmica original, com reconhecimento do Ministério da Cultura, guarda registros da memória afetiva do povo de terreiro em Pernambuco.

Uma das preciosidades do local é o álbum Africadeus (1973), do multi-instrumentista pernambucano Naná Vasconcelos, dedicado a Mãe Biu. Nisto, também, os percusos de Lenine e do Bongar se cruzam: nesta sexta (24), Lenine participa de homenagem ao percussionista, morto em março do ano passado, no primeiro ano em que o tradicional cortejo de maracatus pelo Bairro do Recife não será regido pelo músico.

Talheres, louça, indumentária, retratos e objetos pessoais enfeitam o memorial. Os tambores usados pelo povo de Xambá estão lá. São da segunda geração de instrumentos: a primeira foi recolhida pela repressão e a terceira está nas mãos do grupo, sendo usadas em álbuns como Samba de Gira e Ogum.

Mãe Biu, a homenageada, faleceu em 1993, quando o projeto do memorial, concretizado nove anos mais tarde, começou a ser elaborado. Para Lenine, o ambiente enriquece seu repertório de referências musicais, sobretudo pela carga de ancestralidade.

“Tenho interesse antropológico por tudo que está ligado ao som. Estou sempre atento, tenho orelhas de morcego. Tudo pode se transformar numa inspiração ou num motivo para compor. O Recife é muito promíscuo, por assim dizer. As culturas se misturam muito. Com isso, tive oportunidade de dançar ciranda em Boa Viagem, dançar com Lia em Itamaracá, conhecer terreiros e diferentes manifestações culturais. Estou sempre me deixando guiar pelas surpresas que o som pode me oferecer”, comenta Lenine sobre a oportunidade.

Para Guitinho, geração do xambá à qual coube a “mistura de referências” com outros segmentos musicais após um período de repressão e outro de recolhimento, o encontro do grupo com o músico conterrâneo é enriquecedor. “Nós poderíamos fazer outros tipos de música, temos muitos amigos que fazem. Poderíamos cantar brega, forró, outra manifestação. Mas escolhemos preservar os toques de terreiro. Receber o reconhecimento de Lenine, uma das nossas referências, mostra que estamos no caminho certo”, comenta Guitinho.

Bongar e Lenine se encontraram através da música. "Foi um encontro de linguagens", Lenine diz. Foto: Shilton Araujo/DP
Bongar e Lenine se encontraram através da música. "Foi um encontro de linguagens", Lenine diz. Foto: Shilton Araujo/DP
>> Novos rumos

Além de por no mercado Ogum, Bongar se prepara para gravar novo disco ainda neste ano, com título provisório Xanteria (aglutinação do Xambá e da Santeria, uma cartilha de rituais praticada por escravos e descendentes de cubanos no Brasil, misturando referências católicas e iorubás). O projeto, que terá incentivo do Funcultura, envolve viagem do grupo a Cuba, onde terá início a produção do álbum.

No carnaval deste ano, Bongar participa do desfile do Homem da Meia-Noite, nesta quinta (23), em Olinda, do carnaval de Itamaracá no domingo, às 22h45, e sobe ao palco do Varadouro, também em Olinda (segunda-feira, às 19h), da Bomba do Hemetério (terça-feira, às 21h20) e do próprio Centro Cultural Xambá (Quarta de Cinzas, às 20h).

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