Cinema Filme pernambucano selecionado para Berlim desconstrói Tiradentes Com "DNA mineiro", Joaquim, filme de Marcelo Gomes sobre Tiradentes, disputa o Urso de Ouro em Berlim

Por: Silvana Abrantes - Estado de Minas

Publicado em: 11/01/2017 12:03 Atualizado em: 11/01/2017 11:48

Mais quatro filmes brasileiros participam da disputa pelo Urso de Ouro. Foto: Imovision/Divulgação
Mais quatro filmes brasileiros participam da disputa pelo Urso de Ouro. Foto: Imovision/Divulgação


O 67º Festival de Berlim (9 a 19 de fevereiro) escolheu um longa brasileiro para competir pelo Urso de Ouro. Joaquim é o nome dele. O título dessa cinebiografia ficcional certamente seria diferente e mais óbvio - Tiradentes - não fosse Marcelo Gomes o diretor do longa filmado em Diamantina, "com DNA totalmente mineiro" e com o qual ele pretende "levar a Serra do Espinhaço para o mundo".

Ao cineasta não interessava fazer um retrato do herói da Inconfidência Mineira que, na infância, ele chegou a "confundir com Jesus Cristo". Seu objetivo com esse filme era desvendar "como é que esse Joaquim, soldado da Coroa, se rebela contra essa Coroa da qual era um alferes? Como foi a construção dessa consciência política, considerando a ética social do Brasil do século 18?".

Escarafunchar a história do Brasil colonial neste momento do país é algo que Gomes considera "muito importante e crucial para nos ajudar a refletir sobre as fraturas sociais que esse processo de colonização cruel que tivemos provocou". Como se trata de entender o percurso que leva um militar a se converter num insurreto, Joaquim procura mostrar como seu personagem-título "e relacionava, tinha aflições, desejos, contradições, afetos. Era um brasileiro comum que estava construindo essa consciência".

A paixão por uma escrava cuja liberdade ele almeja comprar é outro vetor da trama, sobre o qual o cineasta prefere não falar. Quer deixar ao espectador a chance de descobrir a história na tela, assim como a tarefa de "imaginar o link do passado com o presente". Mas adianta que, "se você pensar que política é a relação com o outro, então esse é um filme político".
 
Como demonstrou em seu longa de estreia - Cinema, aspirinas e urubus, também um filme de época, ambientado nos anos 40 da Segunda Guerra Mundial e no qual não se ouve um tiro - para falar de um grande tema, Marcelo Gomes sussurra. Desta vez, o diretor colou a câmera nos personagens e abdicou da ambição de fazer a Diamantina de hoje parecer a Ouro Preto do século 18, até porque sua intenção era reproduzir a "paisagem cruel, rude, árida, dramática" das viagens de Joaquim por um Brasil que "se forjava fazendo a marcha para o Oeste, em busca do ouro".

VÍCIO

Outra característica do diretor de Viajo porque preciso, volto porque te amo (com Karim Aïnouz), Era uma vez eu, Verônica e O homem das multidões (com Cao Guimarães) que se repete neste longa é a mistura de atores profissionais e não profissionais no elenco. "Continuo com esse vício", brinca. Desta vez, no entanto, a mescla incorpora também atores profissionais de Portugal (que assina a coprodução do longa) com brasileiros, entre eles nomes do Grupo Galpão.

Embora considere "uma honra" competir pelo Urso de Ouro com "cineastas como Aki Kaurismaki", Gomes afirma que o que mais lhe interessa ao participar do Festival de Berlim é "a oportunidade fantástica" de conquistar visibilidade para um filme "realizado com baixo orçamento e com muito poucos recuros para o lançamento". Seu sonho é estrear Joaquim no Brasil no dia 21 de abril. Falta convencer o distribuidor Jean-Thomas Bernardini, da Imovision. O júri da competição em Berlim será presidido pelo holandês Paul Verhoeven (Instinto selvagem, Showgirls, Elle).

Joaquim seria inicialmente uma produção de encomenda de um telefilme para a Espanha, que realizava uma série sobre os libertadores da América. A crise financeira europeia abortou o projeto, mas não a paixão de Gomes por ele. Junto com seu produtor João Jr., o diretor passou a tentar viabilizar o título no Brasil. "Foi uma guerrilha linda e apaixonante", afirma. A "guerrilha" durou aproximadamente sete anos até tirar do papel a produção, realizada com aproximadamente R$ 2 milhões, um orçamento modesto para os atuais padrões brasileiros e modestíssimo para um filme de época.

Para o papel-título Gomes escalou o ator Julio Machado, cujo trabalho ele conhecia "da peça Incêndios e de pequenas participações em outros filmes". Viu em Machado "o frescor de ser uma cara nova", mas não só. "Ele tem o physique du rôle, o talento e uma empatia que faz com que você fique com ele (o personagem) o tempo todo, porque nosso nosso Joaquim é um herói solitário". Agora é esperar fevereiro para ver como Berlim receberá a Serra do Espinhaço.

Festival tem mais quatro brasileiros

Além de Joaquim na competição principal, a edição 2017 do Festival de Berlim terá outros quatro longas brasileiros, nas seções paralelas Panorama e Generation. Filmado em Minas Gerais, Vazante, de Daniela Thomas, será apresentado na Panorama, assim como Pendular, de Julia Murat. A mostra Generation receberá Mulher do pai, de Cristiane Oliveira, já exibido - e premiado - no circuito de festivais brasileiros, e As duas Irenes, de Fabio Meira, sua estreia na direção de longas.

Vazante é a incursão de Daniela Thomas no tema do trabalho escravo dos negros africanos nas minas de ouro do interior de Minas Gerais, em 1821, pela perspectiva de uma mulher. Foi filmado em Minas Gerais e a diretora adotou o preto & branco como uma das soluções para ficar de acordo com o tema e o período.

A COMPETIÇÃO PELO URSO
Veja os filmes selecionados pelo 67º Festival de Berlim

Ana, mon amour, de C%u0103lin Peter Netze (Romênia, Alemanha, França)
Beuys, de Andres Veie (Alemanha)
Colo, de Teresa Villaverde (Portugal)
The Dinner, de Oren Moverman (EUA)
Félicité, de Alain Gomis (França, Senegal, Bélgica, Alemanha, Líbano)
The Party, de Sally Potter (Reino Unido)
Pokot, de Agnieszka Holland (Polônia, Alemanha, República Tcheca, Suécia, Eslováquia)
Teströl és lélekröl, de Ildiko Enyedi(Hungria)
Toivon tuolla puolen, de Aki Kaurismäki (Finlândia)
Una Mujer Fantástica, de Sebastián Lelio (Chile, Alemanha, EUA, Espanha)
Bamui haebyun-eoseo honja, de Hong Sangsoo (Coreia do Sul)
Helle Nächte, de Thomas Arslan (Alemanha, Noruega)
Joaquim, de Marcelo Gomes (Brasil,Portugal)
Mr. Long, de Sabu (Japão, Alemanha, Hong Kong, China, Taiwan)
Return to Montauk, de Volker Schlöndorff (Alemanha, França, Irlanda)
Wilde Maus, de Josef Hader (Áustria)

Confira os longas do cineasta

Cinema, aspirinas e urubus (2005)
Em 1942, alemão foge da guerra e vai viver no Nordeste brasileiro vendendo aspirinas. Nordestino tenta se associar a ele para escapar da seca.

Viajo porque preciso, volto porque te amo (com Karim Aïnouz, 2009)
Durante viagem de trabalho pelo Nordeste, geólogo faz a autópsia emocional de um grande amor em crise.

Era uma vez eu, Verônica (2012)
A jovem médica Verônica tenta encontrar a equação entre a rotina e as responsabilidades da vida adulta e seus sonhos de liberdade e prazer.

O homem das multidões (com Cao Guimarães, 2013)
Um condutor de metrô de BH e uma controladora de estação vivem presos às suas ideias de solidão, mesmo que mascarada por interações sociais.

Acompanhe o Viver no Facebook:



MAIS NOTÍCIAS DO CANAL