Cinema Breno Silveira, diretor de 2 Filhos de Francisco, finaliza filme inspirado no cangaço Longa, que teve cenas rodadas em Pernambuco, está em fase de edição e deve entrar em cartaz no próximo ano

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 27/11/2016 10:00 Atualizado em: 28/11/2016 14:59

Filmada quase que inteiramente em Pernambuco, produção passou por Taquaritinga do Norte, Recife e Olinda. Foto: Dan Behr/Divulgação
Filmada quase que inteiramente em Pernambuco, produção passou por Taquaritinga do Norte, Recife e Olinda. Foto: Dan Behr/Divulgação

Embora a entrada de Maria Bonita e outras no bando de Lampião tenha mostrado certa abertura do grupo para a presença feminina, é o olhar masculino que costuma predominar quando se fala sobre o cangaço, na história ou na ficção. O diretor Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) sentiu na prática essa lacuna ao realizar pesquisas para seu próximo filme, A costureira e o cangaceiro. Com estreia prevista para 2017, a trama que retrata o fenômeno nordestino a partir de personagens mulheres.

Inicialmente, o cineasta pretendia fazer um longa centrado na companheira de Lampião, mas acabou esbarrando na falta de material sobre ela. “Tive muitas conversas com o (historiador e pesquisador do cangaço) Frederico Pernambucano de Mello ele me disse que não existiam as informações que eu queria sobre Maria Bonita”, diz. Na busca por O diretor, então, acabou descobrindo o romance A costureira e o cangaceiro, da escritora recifense radicada nos EUA Frances de Pontes Peebles.

O livro, ambientado no interior do estado, em Taquaritinga do Norte, nos anos 1930, se foca em duas personagens, as irmãs costureiras Luzia e Emília. Enquanto a primeira é sequestrada por um bando de cangaceiros, a segunda consegue realizar o sonho de viver na capital.

"Apesar da matéria-prima do romance ser a realidade, os personagens são ficcionais”, diz Breno Silveira, acrescentando que algumas figuras do livro se inspiram em personalidades reais. “Não tem a Maria Bonita, mas tem esse personagem forte, que a Luzia, e esse filme é muito centrado no olhar dessa mulher", afirma o diretor. Quem adaptou a obra de Frances Peebles foi a roteirista Patrícia Andrade, que trabalhou em todos os outros filmes anteriores do cineasta.

Segundo Silveira, o filme traz diversas diferenças em relação ao material original. “A Frances me deu carta branca”, diz o diretor, acrescentando que a própria autora enxergava a necessidade de "licenças poéticas" na transposição para o audiovisual. "Eu evitei ler o livro, porque tem muita coisa do roteiro que não está lá", afirma a atriz Nanda Costa, que interpreta Luzia. "Eu foquei totalmente nele (no roteiro) e quando eu cheguei no Sertão, me libertei dele, porque já estava totalmente estudada", ressalta.

O cenário, aliás, também tem papel de destaque no filme, na avaliação da atriz. "O Sertão foi um dos protagonistas com a gente. O calor, o vento que passa na hora de filmar, o canto do carcará, todas essas coisas fazem a gente perceber o lugar onde está. Deixar a natureza falar junto foi muito forte", acrescenta Nanda.

Estão no elenco também Marjorie Estiano (Emília), além de Leticia Colin, Julio Machado, Rômulo Estrella e Fabio Lago. Gravado quase que inteiramente em Pernambuco, o longa teve as filmagens concluídas em outubro e deve chegar aos cinemas em 2017. Equipe da produção passou por Taquaritinga do Norte, Recife e Olinda, além de rodar também em Piranhas (AL). "É uma cultura forte, rica", diz Silveira sobre gravar no Nordeste. "Tenho duas características na minha filmografia: trabalhar com emoção, já que são filmes que falam da relação entre pai e filho e laços de afeto; a segunda, é falar de Brasil. Não tiro da cabeça de fazer outro passeio pela cultura nordestina", antecipa.

[Entrevista // Breno Silveira, diretor de cinema
Foto: Conspiração/Divulgação
Foto: Conspiração/Divulgação

Seu último filme, Gonzaga, é de 2012. O que você fez nesse hiato?
Levantar (recursos para) filmes hoje em dia, ainda mais do porte desse (A costureira e o cangaceiro), é muito difícil, principalmente nesta crise. Então, filmes grandes consomem muito tempo, mexendo no roteiro, levantando elenco e locações. Mas nesse hiato eu fiz 1 Contra todos, uma série da Fox que, inclusive, foi a maior audiência de série brasileira na TV fechada. Já estou fazendo a segunda temporada e deve ter uma terceira também. A vida do diretor mudou um pouco e, agora, tem outras opções e muitos diretores estão migrando para a TV. Mas nada tira o brilho e o tesão de fazer cinema, rodar um filme ainda é a coisa mais bonita, é a cereja do bolo.

O que atraiu em contar a história sobre o cangaço?
Meu avô, Breno, é de Pernambuco e eu tenho raízes daí que me marcaram para sempre. Ele era um cara que era amigo de Luiz Gonzaga, cheguei a pegar a influência familiar de rebarba. E quando eu fiz Gonzaga, era engraçado que volta e meia a história de Gonzaga tocava na de Lampião. Comecei a pensar na história de Lampião, mas ela é gigantesca, é um projeto ainda maior do que esse. E aí me veio a ideia de filtrar a história dele partir do olhar de outro personagem, e me deu vontade de fazer isso a partir de uma personagem feminina.

Por que enveredar pela ficção em lugar da biografia?
Através de um romance você pode passear por essa cultura sem se preocupar em estar acompanhando a realidade, tem uma liberdade poética e estética muito maior. Me deixou muito feliz ter achado o livro, ao mesmo tempo que recriar uma realidade é muito perigoso, já que se trata de um mito nordestino. Se Gonzaga foi muito difícil, já que você não consegue contar tudo sobre um homem em um filme, Lampião, Deus me livre, muito mais. A gente não consegue resumir tudo em um filme. Por isso peguei um recorte do romance para falar dessa figura que tanto me fascina.

Você costuma retratar mais o interior do país nos seus filmes. É uma escolha consciente?
Eu acho que no litoral as histórias são mais previsíveis, é uma coisa mais pasteurizada, são problemas em que a gente começa a sentir a interferência da globalização. Gosto muito do interior você tem muita coisa preservada ainda, não só na natureza e na cultura, mas preservada no ser humano, no brasileiro que ainda consegue olhar no olho. O interior ainda preserva esse coração.

+ O livro
Publicado originalmente em 2009, A costureira e o cangaceiro foi escrito em inglês, já que a autora saiu do Brasil aos cinco anos de idade e diz ter melhor fluência na língua estrangeira. Atualmente, a obra está fora de catálogo no Brasil, mas deve ser reeditado com o lançamento do filme. O livro já foi publicado nos Estados Unidos e Inglaterra com o título The Seamstress e recentemente foi lançado também em espanhol como La costurera.

Música
Ingrediente importante na cinematografia de Breno Silveira – que, além de retratar as biografias de Luiz Gonzaga e da dupla Zezé di Camargo & Luciano, utilizou canções de Roberto Carlos em À beira do caminho – a música será valorizada no novo filme. "Ainda não defini a trilha sonora, mas estou escutando coisas de raiz que reflitam esse período", explica o diretor, adiantando que já adquiriu os direitos de Mulher rendeira, canção popular de origem controversa, creditada por alguns a Lampião. A versão mais conhecida da música atualmente é a adaptação do compositor Zé do Norte, incluída no filme O cangaceiro (1953), de Lima Barreto.

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