Televisão Chef's Table, com Alex Atala, está disponível na Netflix. Confira entrevista Chef é o primeiro brasileiro a participar da série documental

Por: Katarina Bandeira

Publicado em: 27/05/2016 19:30 Atualizado em: 27/05/2016 18:18

História de Atala é uma das seis trajetórias contadas na nova temporada. Foto: Netflix/Divulgação
História de Atala é uma das seis trajetórias contadas na nova temporada. Foto: Netflix/Divulgação

Quem vê prato não vê história. Ou melhor, não via. Os programas de gastronomia, sensação contemporânea da tevê, têm permitido ao público conhecer quem está por trás das receitas de sucesso, como elas são produzidas e qual a relação entre chef e o espaço social onde o alimento é preparado. Destaque entre atrações do gênero, Chef’s table (Netflix) estreia amanhã a segunda temporada com um episódio (entre os seis da nova fase) dedicado a um dos profissionais brasileiros mais admirados da atualidade. Alex Atala, proprietário do D.O.M e Dalva & Dito, dois restaurantes bem avaliados pela crítica especializada, estrela o capítulo de abertura e narra experiências dentro e fora do universo culinário.

O episódio aborda o interesse ocasional dele pela gastronomia e leva o espectador a conhecer recantos do Norte brasileiro (como pequenas vilas na Amazônia), apresentando a relação entre Atala e os pequenos produtores da região, e expõe o respeito do cozinheiro pelo ciclo de vida dos alimentos. A viagem é alternada com a apresentação de pratos requintados que usam ingredientes típicos como açaí, jambu, tucupi e até formigas. A série ajuda a entender a escolha de Atala em trabalhar com alimentos nacionais e mergulha nas peculiaridades da gastronomia brasileira.

“Fiquei fascinado com a possibilidade de um documentário mostrar não só receitas, mas um universo que está muito além da cozinha”, diz Alex Atala. O seriado documental da Netflix entrevista críticos gastronômicos, pessoas próximas ao chef e se debruça sobre a história dos lugares para conhecer os elementos culinários ou não usados para constituir os pratos, sob um olhar humanizado e menos técnico. Da primeira temporada, fizeram parte Massimo Bottura, Dan Barber, entre outros. Na segunda, estão Ana Ros, Dominique Crenn, Enrique Olvera, Gaggan Anand e Grant Achatz.

Entrevista

A popularização dos programas de gastronomia, sobretudo documentários, pode ajudar as pessoas a prestar mais atenção aos ingredientes e ao desperdício de alimentos ou o pensamento termina quando a televisão é desligada?
Há uma mudança não só na cozinha profissional, mas na vida das pessoas. Elas estão selecionando melhor os ingredientes, entendendo não só o custo monetário, mas o ambiental do que consomem. Acho que não é um sonho, já é um caminho de mudança.

Você conta história de uma viagem e de um sonho que ajudaram a refletir sobre o significado da vida. A reflexão é representada na forma como você cozinha?
Não exatamente na forma, mas em como lido com o meu entorno, com os ciclos de que falo claramente no episódio. Por exemplo: para fazer um prato excepcional, preciso de um bom ingrediente. E ele vem de um homem que precisa do ingrediente tanto quanto eu. Na maioria das vezes, é um pequeno produtor, um índio, um caboclo. E ele só vai ter esse ingrediente dessa qualidade e nessa magnitude se tiver um entorno do mesmo nível. Esse é um ciclo e uma preocupação que deixo bem claros no episódio.

Em uma apresentação na Dinamarca, você mostrou às pessoas como preparar uma galinha, que chegou viva. A demonstração foi alvo de polêmicas. Acha que o choque diz muito sobre a relação das pessoas com a comida?
Essa “polêmica” gerou coisas incríveis, por exemplo, a capa da Time. Uma reflexão que ficou clara na aula e talvez tenha sido mal interpretada ou percebida aqui no Brasil foi a seguinte: existe um distanciamento do homem com o alimento no seu primeiro momento, que é a vida. Entendo que seja natural que muitos brasileiros não conheçam uma árvore de cupuaçu ou de cajá, mas, se pergunto quantas pessoas ao nosso redor estão aptas a reconhecer uma laranjeira sem laranjas, talvez poucas digam. Não estou falando de fruta exótica, mas de uma que está no dia a dia das pessoas de todas as classes sociais do mundo. Existe um afastamento em relação aos alimentos. E a maneira como é produzido também é ponto de reflexão. O Brasil vem produzindo commodities. Parte da Amazônia, do Cerrado foi desmatada, e o uso de certos agrotóxicos e substâncias proibidas no mundo inteiro ainda ocorre no Brasil. O sistema brasileiro de produção de alimentos não está matando animais. Talvez esteja esterilizando ecossistemas.

O brasileiro é reticente com os sabores da própria terra?
Entendo que o brasileiro supervaloriza ingredientes de outras culturas. As pessoas pagam caro por trufas e demais ingredientes que não são nossos. Um exemplo é a Colômbia, grande exportadora de frutos da Amazônia. Alguns desses frutos são bastante populares no Brasil, mas desconhecidos e desvalorizados. É o caso do camapu, encontrado em todo o Norte e Nordeste. Se você for à França, irá vê-lo nas gourmet shops, exportado da Colômbia com o nome de physalis.

Você sempre quis trabalhar com meios sustentáveis relacionados à gastronomia ou isso veio à medida que foi conhecendo um pouco mais sobre a vida das pessoas que produzem os ingredientes usados nos preparos dos pratos?
Acho que o primeiro compromisso de um cozinheiro é fazer uma boa comida. Para conseguir esse resultado, precisa conhecer bem o ingrediente. Conhecendo bem o ingrediente, vai conhecer o produtor. E tudo isso se transforma numa teia humana complexa e, sem dúvida, com intersecção do meio ambiente. Cozinhando melhor, fui conhecendo mais sobre ingredientes e entendendo essa relação de sustentabilidade.



MAIS NOTÍCIAS DO CANAL