Diario de Pernambuco
Busca
Adaptação Livro de recifense que mostra cangaço sob ponto de vista feminino vai virar filme Romance sobre o fenômeno nordestino será levado ao cinema e à TV pelo diretor do filme "Dois filhos de Francisco"

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 15/03/2016 11:06 Atualizado em: 15/03/2016 12:29

 
Lampião e Maria Bonita (alto) e os cangaceiros: mito nordestino será ambientado a partir de uma ficção com poesia. Foto: Severino Ribeiro/arquivo
Lampião e Maria Bonita (alto) e os cangaceiros: mito nordestino será ambientado a partir de uma ficção com poesia. Foto: Severino Ribeiro/arquivo
 
“Entre areia, sol e grama /o que se esquiva se dá,/ enquanto a falta que ama/ procura alguém que não há./ Está coberto de terra,/ forrado de esquecimento./ Onde a vista mais se aferra,/ a dália é toda cimento”. Os versos de Carlos Drummond de Andrade escancaram, na interpretação da escritora recifense Frances de Pontes Peebles, os grandes paradoxos e a mutabilidade da vida. Para ela, a poesia traduz a essência do seu romance A costureira e o cangaceiro (2009), cujos direitos foram comprados para adaptação cinematográfica sob a direção de Breno Silveira (Gonzaga de pai para filho, Dois filhos de Francisco).
 
“Tudo morre, tudo muda. Essa também é a história do ser humano: quando amamos uma pessoa, ou um lugar, ou um animal, fazemos isso sabendo que, um dia, vamos perdê-los”, devaneou a autora, em entrevista concedida ao Viver direto de Chicago, nos EUA, onde mora desde criança. As filmagens do longa-metragem começam em setembro e a estreia está prevista para 2017. Esgotado nas livrarias, o romance ainda não teve nova edição confirmada, embora essa seja uma praxe do mercado editorial.

A despeito de ter se mudado para o exterior aos 5 anos de idade, Frances não imprime um olhar estrangeiro na ficção histórica. Passado no Recife e em Taquaritinga do Norte, Agreste de Pernambuco, com inspirações semi-autobiográficas, o romance narra o fenômeno do cangaço do ponto de vista feminino. No enredo, duas irmãs tomam caminhos opostos - Luzia é incorporada a um bando dos temidos facínoras e parte para viver no Sertão, enquanto Emília realiza o sonho de se casar e morar na capital.

“Sempre quis escrever sobre o cangaço, mas de maneira diferente, mostrar o lado humano, o feminino e o violento. Mostrar como a violência pode prejudicar as pessoas. Quando menina, meu tio me deu um boneco de pano vestido com roupa de cangaceiro: chapéu de couro em forma de uma meia-lua, alpercatas nos pés, e espingarda na mão. Eu já ouvia muito falar em Antônio Silvino, cangaceiro famoso no Cariri de Taquaritinga do Norte, onde minha família tem fazenda. Sempre fui rodeada pelo folclore do cangaço, e cresci curiosa”, ela conta.

Sobre a adaptação para a linguagem audiovisual (depois do cinema, a produção vai ser exibida na tevê em formato de minissérie), a autora se diz muito feliz e confiante no trabalho. “Minha esperança é que eles se mantenham fiéis às origens da história do Nordeste, e que as personagens femininas sejam tão fortes e tão inteligentes quanto as do livro”, comenta Frances de Pontes. Se depender do diretor Breno Silveira, a escritora não precisa se preocupar. Segundo ele, o filme vai ser construído totalmente em cima das personagens criadas por ela. “Hoje em dia a gente começa a ver histórias de protagonistas femininas, o que é algo muito importante. Vamos associar a força dessas personagens à beleza da cultura nordestina, que é incrível”, assegura.

Depoimento >>> Frances de Pontes Peebles, escritora

Para escrever, lembrei das histórias dos cangaceiros que ouvi durante minha infância, e pensei nas vidas da minha avó e de suas irmãs. Durante minhas visitas ao Brasil, aprendi muito sobre a vida da minha avó Emília e de suas seis irmãs. Elas eram todas costureiras na cidade de Sapé, no interior da Paraíba, até minha avó se casar com um homem de uma família boa do Recife. Depois do casamento, ela se mudou para o Recife com o marido (meu avô) e levou todas as suas irmãs. Minhas tias-avós me ensinaram a bordar, a fazer canjica e galinha de cabidela. Mas e se as vidas delas tivessem sido diferentes? E se a vovó não tivesse se casado, e todas elas tivessem ficado no interior, nas décadas de 1920-1930? E se alguns cangaceiros as tivessem visto e sentissem a tentação de levar uma delas? Comecei a escrever um livro analisando essas possibilidades, juntando a história real com a ficção.” 

3 perguntas >>>> Breno Silveira / Cineasta

Como surgiu a ideia da adaptação?
Me apaixonei por esse livro já tem um tempo. É uma obra muito bonita, que fala muito de nossa cultura. Depois de Gonzaga, fiquei procurando alguma forma de falar sobre o universo nordestino através da figura de Maria Bonita. Pesquisei sobre o assunto, mas os registros são muito poucos. Foi quando encontrei o livro, que lança mão da ficção e tem uma liberdade poética, sem estar atrelada a um fato histórico. A Frances foi muito feliz quando adaptou as histórias do cangaço para a ficção, pois o livro fala muito bem desse universo. Esqueci o projeto de buscar na realidade e resolvi apostar na ficção.

O que você pode nos antecipar?
Vai falar do cangaço, mais especificamente de duas mulheres que saem do interior, são raptadas e vão bater no Recife de 1930. Será a história dessas duas irmãs, tudo o que acontece na vida delas, desde um começo problemático, relacionado ao cangaço, até um encontro final. Será um filme emocionante. E trabalhar nele sem estar atrelado à história está sendo muito bom. Uma característica dele é que só pode ser filmado no Recife. Recentemente visitei possíveis locações no Recife Antigo, que tem todo um casario preservado, tem o Palácio do Campo das Princesas, cujo entorno é muito bonito... E devemos incluir coisas de Olinda. Minha ideia é reviver o Recife da época. Vamos reconstituir a chegada do Zepelin na cidade.

Antes do projeto, você fez cinebiografias sobre Gonzaga e Zezé di Camargo e Luciano. O interesse por Maria Bonita era nesse sentido?
O Brasil é o país da emoção. Nos meus filmes, a ideia é sempre passar algo da cultura, com emoção. Não sei onde Frances arrumou dados e paixões para abordar a figura do cangaceiro  como ela fez, mas o fato é que tem muito da raiz do Nordeste que perdura até hoje em cima dos mesmos personagens. O mito do cangaço e tudo o que foi criado em cima, da época, é importante para a cultura nordestina. Essa era minha vontade após a experiência de filmar Gonzaga, visitar de novo esse assunto. E o livro de Frances foi um grande achado.


MAIS NOTÍCIAS DO CANAL