O Festival de Gramado, o mais famoso e mais concorrido do Brasil,  é cheio de méritos históricos, mas precisa aperfeiçoar detalhes para consolidar uma credibilidade que seja cada vez maior. Diretores dos quatro longas-metragens brasileiros exibidos nos quatro primeiros dias da programação afirmaram que não ficaram satisfeitos com a qualidade da projeção dos filmes. Iberê Carvalho, Murilo Salles, Luiz Carlos Lacerda e Anna Muylaert, que participaram respectivamente com O último cine drive-in, O fim e os meios, Introdução à música de sangue e Que horas ela volta?, comentaram que a imagem vista na tela não correpondia ao verdadeiro visual das obras.

As críticas foram feitas de maneira construtiva, cordial e respeitosa, não como ataques ao festival (parte da plateia não percebe essas alterações), mas com a intenção de que a falha fosse solucionada. Anna chegou a dizer que teria ficado mais satisfeita se tivesse exibido o filme com uma cópia de 35 milímetros (formato cada vez mais em desuso), porque a projeção digital "não foi das melhores". Ela situou um problema em um contexto de transição tecnológica ao qual o Festival de Gramado ainda não teria se adaptado. Murilo Salles, que também é diretor de fotografia, revelou que o sistema de projeção em DCP (Digital Cinema Package) não foi utilizado corretamente pelo festival.

As projeções do festival de Gramado são feitas pela empresa Alltech, do respeitado projecionista José Luís, que tem mais de 30 anos de experiência e trabalha atualmente nos festivais de Gramado, Vitória, Cine PE e Brasília. O operador técnico, com quem parte do meio cinematográfico brasieiro tem uma relação de afeto e admiração, comprometeu-se a tomar uma atitude e disse que as falhas ocorrem porque alguns cineastas insistem em fazer ajustes na imagem, o que o impede de adotar o sistema oficial de projeção em DCP. Após ouvir as sugestões recebidas nos últimos dias, ele garantiu esse procedimento não será mais repetido. Atualização do texto: as projeções passaram a funcionar corretamente a partir da noite de terça.

PROGRAMAÇÃO - Nesta terça, o curta-metragem Virgindade, de Chico Lacerda, é projetado na competição nacional. É o único representante de Pernmabuco no festival este ano. O longa-metragem paulista Ausência, de Chico Teixeira, com Irandhir Santos no elenco, encerra a noite, que tem ainda o curta potiguar Seu Inácio e o longa cubano Venecia, além de uma homenagem à atriz Marília Pêra.

DEBATE - Na tarde de segunda-feira, um debate foi promovido no festival pela Globo, com a presença de Marcelo Saback, Matheus Souza e Luiz Henrique Rios, que atuaram como produtores, diretores e/ou roteiristas de sucessos do cinema e da TV. Sob mediação do crítico Rodrigo Fonseca, eles discutiram sobre as atuais relações entre as duas linguagens audiovisuais e fizeram revelações sobre temas que normalmente não abordam quando cedem entrevistas.

Saback, que escreveu fenômenos como Divã e De pernas pro ar, disse que os executivos e diretores de marketing têm mais poder de decisão sobre o conteúdo desses filmes do que os artistas. Segundo o ator e roteirista, os valores financeiros envolvidos são altos demais para que riscos criativos e experimentalimos sejam estimulados, mas mesmo assim ele conseguiu elaborar um desfecho subversivamente imprevisível para Loucas para casar e o efeito foi comercialmente positivo.

Luiz Henrique Rios, diretor de Malhação, revelou que pesquisas feitas entre jovens servem de base para a elaboração dos personagens do folhetim. O cineasta Matheus Souza (Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida) afirmou que as séries norte-americanas "Mad men, Breaking bad e a primeira temporada de True detective são melhores do que qualquer filme lançado nos cinemas nos últimos dez anos".

SELEÇÃO - Após quatro noites de festival, ficou claro que a seleção oficial de longas-metragens da edição deste ano poderia ter sido mais ousada. No total, havia 124 inscritos para as oito vagas da competição nacional, então havia bastante material a ser revelado.

Dos selecionados, quatro já foram exibidos no Festival do Rio, em outubro do ano passado, e têm circulado e sido premiados por mostras de cinema no Brasil e no exterior. Voltar a exibir essas obras no contexto gramadense poderia ser interessante para que elas recebessem uma nova avaliação mais atenciosa ou calorosa, mas não é necessariamente isso que tem acontecido nos últimos dias.

Ter lançado três longas (e também curtas) em Gramado em anos anteriores pode ter ajudado Salles (dono de seis kikitos) a ser convidado para participar novamente com O fim e os meios, filme que impõe certo respeito pela precisão da produção e pelo ritmo tenso, mas que é cheio de contradições políticas e artísticas.

O último cine drive-in teve uma passagem discreta pelo Festival do Rio (onde Fernanda Rocha ganhou o troféu Redentor de melhor atriz cuadjuvante) e depois venceu premiações de melhor filme em Punta del Este (Uruguai) e no Texas (EUA). Com estreia prevista para o próximo dia 20 no Brasil, o filme pôde ser reavaliado em Gramado. Até agora foi o longa que mais empolgou a plateia na mostra competitiva, com uma excelente comunicação com o público.

Até a quarta noite do festival (cujo encerramento está marcado para sábado), o único longa-metragem indédito exibido foi Introdução à música do sangue. Com o filme, o diretor Luiz Carlos Lacerda decepcionou quem esperava ver mais um bom trabalho de um diretor experiente. A consagrada obra do cineasta e boa relação dele com o festival (vencedor do Kikito em 1997 com For all, entre outras ligações) aparentemente geraram uma complacência que levou o novo filme a ser escolhido entre os 124 concorrentes.


* o jornalista viajou a convite do festival