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Literatura Como o clássico Anne Frank, diários se transformam em documentação histórica Subjetivos, diários como o de Anne Frank, que ganha nova versão da Editora Rocco, se transformam em registro documental de uma época

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/08/2015 10:00 Atualizado em: 28/08/2015 19:29

Anne Frank relatou a perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra. Foto: 	Newsweek.com/Reprodução
Anne Frank relatou a perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra. Foto: Newsweek.com/Reprodução

“Há alguns dias não escrevo porque, antes de mais nada, quis pensar neste diário”, registrou a adolescente judia Anne Frank, na década de 1940, questionando-se sobre quem se interessaria pelos desabafos de uma garota de 13 anos. O caderno que ganhou do pai, em 1942, transformou-se em poderoso relato da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra. A força dele está, ao contrário do que Anne duvidara, na subjetividade inerente a uma garota daquela idade. Aproveitar esse ponto e retratá-la como uma “adolescente normal” é a proposta da escritora holandesa Janny van der Molen, que acaba de lançar O mundo de Anne Frank - Lá fora a guerra (Rocco, 184 páginas, R$ 34,50), explorando as brincadeiras e atividades triviais da rotina da protagonista.

O livro é um dos expoentes de um gênero capaz de fazer de vivências particulares testemunhos interessantes para a compreensão da história coletiva - a exemplo de narrativas de Andy Warhol e Virgínia Wolf. Em geral, eles captam problemas individuais, como a inquietação de Virgínia até o suicídio, e fornecem subsídios para a interpretação da época - como a opressão sobre a mulher.

Aos 13 anos, Anne amadureceu rapidamente, graças ao panorama da guerra. Foto: Didierlong.com/Reprodução
Aos 13 anos, Anne amadureceu rapidamente, graças ao panorama da guerra. Foto: Didierlong.com/Reprodução
“Relatos de viagem e escritos pessoais, feitos em maior escala por mulheres, são importantíssimos como registro documental de uma época, sob o ponto de vista do autor. Geralmente, não são feitos para serem lidos, o que os torna confessionais, sinceros”, explica o pesquisador e historiador José Luiz Menezes. “É preciso, porém, lembrar que são subjetivos. Como documentos, não são necessariamente confiáveis ou verídicos ao extremo.”

Para Janny - que, além de recolher documentos e relatos de vítimas da guerra, visitou o esconderijo da família judia em Amsterdã (onde o diário original foi escrito) - os horrores aceleraram o amadurecimento da menina. “Isso dificulta a interpretação da história por crianças e adolescentes em idade semelhante à da própria Anne”, diz a holandesa, que tentou - através das ilustrações de Martijn Van Der Linden - aproximar o enredo dos leitores mais jovens. “É um livro para ser lido pelos pais, por professores e pelas próprias crianças”, diz. Ela conservou na narrativa os dramas da Segunda Guerra, de forma atenuada.

O massacre de milhões de judeus nos campos de concentração, é, para Janny, a essência de O diário de Anne Frank original, publicado em 1947 - e validado como autêntico, definitivamente, em 2007, pela Polícia Judiciária Federal Alemã (BKA). “Precisamos nos lembrar disso, mesmo os mais jovens, para nos manter alertas sobre os acontecimentos atuais”.

As ilustrações ajudam a suavizar a temática do livro. Foto: Editora Rocco/Divulgação
As ilustrações ajudam a suavizar a temática do livro. Foto: Editora Rocco/Divulgação


>> DIÁRIOS HISTÓRICOS

Andy Warhol

Figura central do movimento pop art, o artista começou, em 1976, a ditar um diário para a escritora Pat Hackett, a quem telefonava todas as manhãs. Publicados postumamente, Diários de Andy Warhol (L&PM, R$ 28) tem linguagem informal, semelhante à de blogs. Truman Capote, Madonna, John Lennon e Pelé são citados - relatos importantes da cultura pop da década de 1970.

Virgínia Woolf
A escritora inglesa manteve, entre 1915 e 1941, diários pessoais que, mais tarde, foram publicados em dois volumes. As narrativas seguem até a época do suicídio da escritora, incluindo dilemas pessoais sobre felicidade, amor e a própria produção literária. Os diários de Virginia Woolf (Siruela, R$ 86,90) documentam os conflitos sociais das mulheres da época.

Louis François de Tollenare
O francês escreveu, entre 1816 e 1818, diários sobre costumes da vida política e social brasileira. Temas como escravidão, casamentos por conveniência e articulações políticas em Pernambuco e na Bahia vêm à tona. Alfredo de Carvalho traduziu os escritos, publicados sob o título Notas dominicais (Progresso, esgotado), no início do século 20.

James Henderson

Diplomata inglês, Henderson escreveu A history of Brazil: comprising its geography, commerce, colonization, aboriginal inhabitants (disponível na internet, sem versão traduzida), publicado na Inglaterra, em 1821. Relato de viagem, narra os costumes brasileiros da colonização, sob o ponto de vista europeu. Contém ilustrações e mapas do país nos séculos 18 e 19.

>> DUAS PERGUNTAS: Janny Van Der Molen, escritora

Qual o “peso” de se debruçar sobre uma obra já consagrada, como a história de Anne Frank?

Sim, eu senti um peso. Muitas pessoas já conhecem bastante sobre Anne, e ela é amada por muita gente ao redor do mundo. Nós não poderíamos cometer erros. Martijn van der Linden [o ilustrador] e eu fomos auxiliados por pessoas da Fundação Anne Frank. Verificamos várias vezes os menores detalhes, revisamos todas as pesquisas. Sentíamos que as crianças precisavam de um livro que lhes contasse essa história de modo acessível, mesmo com essa nossa responsabilidade.

Como você enxerga a contribuição desse tipo de registro (diários) para a história?
Eu acredito que alcance leitores que querem saber mais sobre os fatos históricos, mas ainda não conhecem a fundo o contexto da época. Servem como introdução para a vida do personagem, como Anne Frank, e para a perseguição do povo judeu durante a guerra. Eu renovo as esperanças de que esse livro encoraje outras leituras sobre o tema, outras pesquisas.

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