Forró Mais longevo parceiro de Gonzagão é lembrado em CD de inéditas e documentário Disco terá participações de Maciel Melo, Josildo Sá, Santanna, Mestrinho e Thais Nogueira

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 26/07/2015 09:00 Atualizado em: 24/07/2015 19:49

João Silva, de branco, no último show do Rei do Baião, em 1989, no Teatro Guararapes. Foto: luizluagonzaga.com.br/Divulgação
João Silva, de branco, no último show do Rei do Baião, em 1989, no Teatro Guararapes. Foto: luizluagonzaga.com.br/Divulgação

Durante uma conversa despretensiosa na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, veio ao pernambucano João Silva a inspiração para a letra de Pagode russo, parceria com Luiz Gonzaga. Os dois viram um cossaco e, de pronto, o letrista de Arcoverde prometeu transformar em canção a polca instrumental de 1946. É a segunda música mais tocada do Rei do Baião, de acordo com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

Assim, a partir de fatos do cotidiano, surgiram outras tantas obras do vasto cancioneiro de João Leocádio da Silva, um dos principais parceiros de Luiz Gonzaga, especialmente após a década de 1960. Os memoráveis versos de Danado de bom, Nem se despediu de mim e Deixa a tanga voar foram escritos pelo homem baixinho, de respostas rápidas e personalidade forte que aprendeu a escrever com a tia, com o auxílio de uma xícara de café, e começou a tocar pandeiro aos 7 anos.

Morto aos 78 anos, em dezembro de 2013, um ano após ser agraciado com o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, João Silva é lembrado em dois projetos que devem ser lançados neste ano: o CD João Silva para sempre e o documentário Danado de bom. De Deby Brennand, o filme leva no título o nome da música em parceria com Luiz Gonzaga já cantada por Elba Ramalho, Luiz Caldas e Zeca Baleiro. Com o disco homônimo, de 1984, o Rei do Baião conquistou, pela primeira vez, um disco de ouro - na verdade, foram dois de ouro e um de platina, após vender 1,6 milhão de cópias. Pagode russo e Sanfoninha choradeira ajudaram a impulsionar o sucesso.

Equipe foi a Caraíbas, Serra Talhada, Juazeiro do Norte, Exu, Caruaru e outras cidades para filmagens. Foto: Deby Brennand/Divulgação
Equipe foi a Caraíbas, Serra Talhada, Juazeiro do Norte, Exu, Caruaru e outras cidades para filmagens. Foto: Deby Brennand/Divulgação

Autor da biografia Mestre João Silva: Pra não morrer de tristeza (Bagaço, esgotada), o poeta e escritor José Maria Marques divide a produção do disco de inéditas com Dina Nogueira, ex-companheira dele, e o sanfoneiro Mestrinho, filho dela. As faixas de abertura (Saudade que atropela, com Dina Nogueira) e de encerramento (Marinheiro, maré, mar) foram gravadas, por ele próprio, quando preparava o projeto para disputar o edital de fomento do Funcultura, em 2012.

Com a morte dele, no ano seguinte, Dina decidiu transformá-lo em homenagem póstuma. Os cantores Maciel Melo, Josildo Sá, Santanna, Petrúcio Amorim, Cláudio Rabeca, Thais Nogueira e Mestrinho são participações confirmadas. As gravações devem ser realizadas em agosto. A equipe tenta arregimentar para o tributo Elba Ramalho, voz feminina do dueto com Gonzagão de Sanfoninha choradeira. Procurada pela reportagem, ela se mostrou animada. "Ainda não fui convidada, mas será um prazer", adianta.

O longa-metragem Danado de bom surgiu a partir de conversas de estúdio, quando o compositor se dedicava às gravações de um álbum, em 2007. "Ao longo dos anos, fomos desenvolvendo o documentário e a nossa amizade também. Fui vendo como era linda a história dele, não só de compositor, mas de vida", conta Deby. As pesquisas foram dificultadas pela ausência de material guardado, como documentos e fotografias, revela a cineasta. Atualmente, ela mantém, num caderninho, lista com as mais de três mil composições dele.

Durante as gravações do filme, João Silva voltou à cidade onde morou na infância. Foto: Deby Brennand/Divulgação
Durante as gravações do filme, João Silva voltou à cidade onde morou na infância. Foto: Deby Brennand/Divulgação
O processo de descoberta foi impulsionado por uma emocionante viagem de 12 dias, na qual personagem, diretor e equipe ganharam as mesmas estradas percorridas por João Silva, ainda menino, em companhia do pai, agricultor. Caraíbas, distrito de Arcoverde onde nasceu, Serra Talhada, Juazeiro do Norte, Exu, Araripe, Caruaru e Olho D’água de Baixo, perto da fronteira com o Ceará, onde morou com o pai após a mãe deixar a família, foram alguns destinos.

Durante as filmagens, João voltou ao fim da década de 1940, quando se mudou para o Rio de Janeiro com "uma mão na frente e outra atrás". Pintor de automóveis, ele morava em um albergue de portugueses, participava de programas de calouro na rádio. Começou a se destacar após ser contratado como locutor do programa Trabalhador se diverte, ainda sem imaginar que se tornaria um dos parceiros mais longevos do ídolo, do qual foi parceiro e amigo até o fim da vida.

DEPOIMENTOS

 (Foto: Facebook/Reprodução)
"Eu o conheci por meio do mestre Gonzagão. Inclusive foi uma situação bastante curiosa, um crítico havia feito comentários maldosos sobre a minha performance e  Seu Gonzaga me ligou e dizendo que tinha feito uma música  em parceria com João Silva que precisava me mostrar. Marcamos um encontro e os dois compositores me  apresentaram Tá qui pra tu com a recomendação de que eu cantasse a música para o crítico! Demos boas risadas, mas não gravei a música não. O meu primeiro contato se deu desta forma bastante descontraída.  Sempre tive muita admiração pela sua obra e nossa relação era muito cordial"
Elba Ramalho

 (Foto: Normando Siqueira/Divulgação)
"Minha maior inspiração chama-se João Silva. É o maior parceiro de Luiz Gonzaga. É um cara que, na maior simplicidade, é um dos maiores artistas do país. Ele fez muitos sucessos para Trio Nordestino, Gonzagão que eu sempre estava cantando e não sabia de quem era. Quando via, era dele. Quando ele veio para o Recife, começou uma amizade muito grande. Ele fez uma música inédita para mim, Eu quero um samba, que estará no meu DVD"
Josildo Sá

 (Foto: Annaclarice Almeida/DP/D.A Press)
"João Silva é uma referência para nós, compositores do forró, da música nordestina. Ele marcou a gente, como compostior, poeta, defensor da nossa música. Arcoverdense, é uma pessoa para quem eu sempre tirei o chapéu. A gente estava sempre trocando ideias, conversando e ele me ensinando alguma coisa. Um dia antes de falecer, ele estava compondo e ligou para falar sobre uma música. Tenho profundo respeito por ele"
Maciel Melo

BASTIDORES

Alfabeto na xícara

Uma xícara substituiu o giz e quadro negro na infância: o contorno completo era um "o", a partir do qual poderia ser escrito um "a". Assim, escreveu pela primeira vez o nome e, com a leitura de placas nas ruas, ampliou o vocabulário. Também por conta própria, aprendeu a tocar violão.

Briga com o Rei
Antes de conhecer Gonzagão, lançou, com Miguel Lima e Severino Januário (irmão de Gonzaga), Promessa. A voz era confundida com a do ídolo e ele vendeu bastante. "Num quero nem ver esse compositorzinho de merda na minha frente", dizia, irritado, o Rei do Baião, contou João Silva ao biógrafo José Maria.  

Homem de botequim
A fama de mulherengo e beberrão sempre acompanharam João Silva. Com Gonzaga, a negociação era separar o horário do trabalho sério e o do recreio, no qual era permitido beber. Um dos companheiros de bar foi João do Vale, coautor de Não foi surpresa, primeira música dele gravada pelo Rei do Baião, em 1964.

Alegria de Gonzagão
Na década de 1980, as canções tristes sobre o Sertão, como Asa branca e Assum preto, já não vendiam tanto. João Silva foi um dos responsáveis por fazê-lo incorporar bom humor e irreverência ao cancioneiro. São dessa época Pagode russo, Deixa a tanga voar e Danado de bom.

Confira registro histórico de Uma pra mim, uma pra tu, com João Silva e Luiz Gonzaga:



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