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Literatura Querido diário... Nova safra de livros de memórias guia o leitor nos registros Escrever pensamentos, emoções e memórias encontra eco no mercado literário nacional, apesar das publicações em inglês predominarem

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 13/06/2015 10:10 Atualizado em: 12/06/2015 20:19

O caderno comprado na papelaria, de páginas estampadas e capa dura, preenchido com canetas coloridas e repleto de adesivos e recortes, pode ter saído de moda entre as novas gerações, que abrem a vida nas redes sociais. Mas a lógica dos diários não. É o que pensa a editora Martha Ribas, da Leya Brasil, que sentiu-se exceção à regra quando, há seis anos, construiu o próprio livro de memórias da primeira gravidez, a partir de uma encadernação de folhas em branco. Decidiu, então, que editaria diários em versão moderna, arrojados e interativos. Criou, com as autoras Sibelle Pedral e Ana Astiz, uma releitura dos antigos “livros do bebê", com capa neon e perguntas inusitadas, intitulada Mãe.

Escrever pensamentos e sentimentos ganha versões "guiadas". Foto: Guilherme Veríssimo/DP/DA Press
Escrever pensamentos e sentimentos ganha versões "guiadas". Foto: Guilherme Veríssimo/DP/DA Press


Muito além dos dados sobre peso e altura do recém-nascido, a publicação se integra à lista de títulos predominantemente estrangeiros que dão corpo a uma nova safra de diários. A tendência, ainda em amadurecimento no Brasil, é encabeçada pelo formato “Q and A” (questions and answers), com perguntas - umas triviais, outras mais filosóficas - que devem ser respondidas diariamente, durante anos, sobre culinária, jardinagem, maternidade, relacionamento ou tema livre. É um filtro moderno posto sobre um hábito antigo. Que, aliás, não sai de moda.

“Num mundo massificado e fugaz, produzir algo autoral e único não poderia estar mais em moda”, explica Martha, que já desenvolveu projeto de diário voltado para as Olimpíadas Rio 2016, com espaço para colagem de ingressos e guardanapos dos lanches nos estádios, ainda sem título definido. Ela aguarda somente a aprovação do comitê organizador dos jogos para colocar os planos em prática, com previsão de lançamento para o ano que vem.

Os question and answers ganham as prateleiras em versões em inglês. Foto: Guilherme Veríssimo/DP/DA Press
Os question and answers ganham as prateleiras em versões em inglês. Foto: Guilherme Veríssimo/DP/DA Press


Segundo a editora, o convite à pausa é o grande trunfo de um diário. “As coisas, hoje em dia, passam tão rápido que, parar e refletir sobre elas, sobre o efeito que provocam em nós, é um escape”, pondera, ressaltando que os livros em formato interativo - especialmente os feitos para colorir - têm ajudado a aquecer o mercado editorial. Isso enquanto o setor registra queda de 42 milhões no total de livros comercializados em 2014, segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), sob encomenda do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e Câmara Brasileira do Livro (CBL).

Laryssa escreve em diários desde os oito anos de idade. Foto: Arquivo pessoal/Cortesia
Laryssa escreve em diários desde os oito anos de idade. Foto: Arquivo pessoal/Cortesia
Para a estudante de Direito Laryssa Arruda, o processo de construção de um “livro” desse gênero é, também, um caminho para o autoconhecimento. Adepta dos diários desde os oito anos de idade, quando ganhou o primeiro caderno de presente de aniversário, descobriu os “Q and A” aos 22 e, desde então, os recomenda a todos os amigos. “Escrever o que sentimos e pensamos é, ao meu ver, uma maneira de descobrir quem somos. Também percebi que isso estimula minha criatividade, ajuda a organizar minhas ideias e determinar prioridades. É um processo de amadurecimento pessoal”, explica.

Entre as editoras consultadas pela reportagem - Leya, Novo Século, Intrínseca e Rocco - não há previsão de lançamento no Brasil dos títulos em formato “Q and A” - disponíveis nas prateleiras nacionais no idioma de origem - traduzidos para o português. Publicações como Listografia e O diário mais legal do mundo, porém, vão abrindo caminho para os diários guiados. Entre as vantagens sobre o modelo tradicional, está a facilidade em definir o que será escrito a cada dia, através de perguntas pré-estabelecidas, que, além de reflexivas, são encaradas como desafios.

>> ENTREVISTA: Sylvio Ferreira, psicólogo e professor do departamento de Psicologia da UFPE, especialista em comportamento


Qual a importância de um diário?
Em geral, os diários têm importância significativa para as pessoas porque é neles que se materializam ideias, emoções e pensamentos. Elas, desse modo, podem fazer a apreensão de si mesmas como observadoras. Nesse deslocamento, se vendo “como quem vê de fora”, as pessoas estabelecem uma distância mínima de si mesmas e se observam de forma mais crítica.

Quais as vantagens e riscos desse processo?
Quando a pessoa percebe que apesar das idas e vindas, dos zigue-zagues que a vida traçou, há um ponto que implica numa linha evolutiva, num crescimento, amadurecimento. Esta é a vantagem. Mas o processo dos diários pode ser negativo se, ao longo desse linha do tempo, a pessoa se deparar somente com frustrações e perdas. Por isso que, às vezes, os diários são largados e não lidos mais. Porque guardam registros de dor, de perdas, de fracassos, de saudades. Algumas pessoas até arrancam páginas.

Esse tipo de “livro” sairá de moda algum dia?

O homem continua sofrendo, apesar da modernidade e da rotina frenética. Enquanto falar sobre si for mais difícil do que falar sobre o outro, as pessoas continuarão a escrever diários. Um diário é uma coletânea de confissões.



>> PARA LER (e escrever)

Listografia, de Lisa Nola
(Editora Intrínseca, R$ 34,90)
Um conjunto de listas sobre temas variados, entre filmes, viagens, mágoas e planos

O diário mais legal do mundo

(Previsão de lançamento em julho, Editora Thomas Nelson Brasil)
Tem proposta de autoconhecimento e guia o leitor-autor a revelar mais sobre si, com textos, colagens, desenhos e outras interações

Mãe
(Editora Leya Brasil, R$ 29,90)
Uma releitura do antigo “livro do bebê”, registra experiências, imprevistos e crescimento dos filhos, além dos sentimentos maternos

Q&A a day

(Editora Potter Style, R$ 67)
Disponibiliza uma pergunta diferente por dia, que deve ser respondida durante cinco anos

Our Q&A
(Editora Potter Style, R$ 49,90)
Um questionário para os casais responderem juntos, durante três anos

Mom’s one line a day

(Editora Chronicle Books, R$ 71,60)
Um diário para mamães contarem os primeiros anos dos seus bebês

Gardener’s one line a day
(Editora Random House, R$ 62)
Para eternizar as experiências com jardinagem, plantas e a natureza

Living well one line a day
(Editora Chronicle Books, R$ 54)
Em busca de uma vida melhor, mais feliz e saudável, guarda reflexões diárias

Cook’s one line a day
(Editora Chronicle Books, R$ 41)
Um registro de receitas e aventuras culinárias, todos os dias

One line a day
(Editora Chronicle Books, R$ 71,60)
Reserva algumas linhas por dia, para escrita com tema livre, durante três anos




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