Cinema Filme pernambucano Permanência é anti-história de amor, segundo filósofo Longa-metragem com Irandhir Santos e Rita Carelli está em cartaz no Cinema da Fundação e no São Luiz. Leia texto crítico assinado pelo filósofo Érico Andrade

Publicado em: 04/06/2015 12:46 Atualizado em: 04/06/2015 12:56

Ambientado em São Paulo, filme retrata reencontro entre ex-namorados. Foto: Pedro Sotero/ Divulgação
Ambientado em São Paulo, filme retrata reencontro entre ex-namorados. Foto: Pedro Sotero/ Divulgação
 
Por Érico Andrade*

Em várias cenas os olhares não se encontram. Procuram o corpo porque só nele está a janela da alma. Não nos olhos. O corpo, aliás, os corpos, como já dizia o poeta, se entendem, mas a alma não. Permanência é a tradução visual do poema A arte de amar de Manoel Bandeira. Os corpos se tocam, mesmo que as bocas não se encontrem. Eles procuram se entender. Transitam um sobre o outro com as mãos que lhe devoram, mas por algum súbito motivo, a alma vence, ou, para seguir com o poeta, a sua incomunicabiliade vence. Desde o telefonema do marido de Rita (na cena do cinema) à dúvida de Rita de se entregar ou não (cena do início do filme) ao Ivo, o não dito, o motivo da separação, articula cada cena do filme num atmosfera que sufoca o amor.

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A imagem do quadro de Hopper Quarto de hotel no corredor do apartamento de Rita, além de revelar as cores que assinam a boa fotografia do filme, indica a dificuldade contemporânea de vencer a solidão, mesmo quando ela está acompanhada. No caso de Rita, a sua solidão é acompanhada pelo próprio marido (tanto desdenhoso da arte em geral quanto da cultura nordestina ao propor para o fotógrafo, num caricatura do paulista trabalhador, abandonar a fotografia para se dedicar a uma tapiocaria cujo prato principal seria tapioca com queijo brie) e nos mostra outra faceta da obra de Hopper: a alienação de si mesmo. A personagem Rita foge de si mesma. Desvia propositalmente seu olhar de Ivo. Fala nua ao telefone com Ivo, em cena que trabalha perfeitamente o tom branco da pele de Rita e faz outra referência direta a obra de Hopper, especialmente, Agosto na cidade, e levante-se, parcialmente nua, da cama, onde está o marido, (a referência agora é o quadro Verão na cidade), mas nunca se mostra nua na frente de Ivo e não se entrega a ele. Ao contrário, entrega-se sem desejo, sem olhar, ao marido, como mostra a cena em que ela transa com ele. Aliena o corpo do desejo latente por Ivo e escolhe o conforto da relação pálida com o marido; numa espécie de melancolia: própria também das personagens pintadas por Hopper.



A imagem, vista, da janela de vários prédios, quase sobrepostos uns sobre os outros, dá o toque de indiferença das cidades e mostra como o desenho urbano reveste nossa solidão de melancolia. Melancolia que atravessa cada cena e condena Rita a viver prosaicamente até o fim do filme. As últimas cenas são destinadas a mostrar tudo aquilo que Rita abnega, abandona. Lembremos da imagem da gravura no fundo da janela do carro de Rita, que aparece inicialmente no diálogo de Ivo com Lais (responsável pela gravura), reaparece para mostrar que o seu desejo de desenhar ficava para trás também com o seu distanciamento de Ivo. O desejo sofria novamente de asfixia. Os matizes da melancolia se materializam na sequência das fotos, feitas por Ivo, que nos faz perceber o destino resignado de Rita: viver uma relação sem amor, vazia. Permanência é a anti-história de amor. O filme mostra que um dos principais mecanismos de resistência contemporânea é a construção das relações sem ligação afetiva, cotidianamente vazias que são, no máximo, capazes de aprofundar a nossa solidão.

* Érico Andrade é filósofo e professor da Universidade Federal de Pernambuco
* Érico Andrade é filósofo e professor da Universidade Federal de Pernambuco



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