Entrevista >> Alfredo Sternheim
"O ambiente da Boca do Lixo era família", diz diretor do polo conhecido pelas pornochanchadas
Alfredo Sternheim é consultor da série Magnífica 70, série que estreia neste domingo da HBO Brasil
Por: Gabriel Trigueiro
Publicado em: 24/05/2015 11:26 Atualizado em: 24/05/2015 16:18
Coube ao crítico e diretor de cinema Alfredo Sternheim a difícil tarefa de ser consultor da série Magnífica 70, ambientada no polo cinematográfico paulistano da Boca do Lixo, conhecido pelas pornochanchadas. Em entrevista ao Diario, o diretor, que assinou produções como A herança dos devassos e Fêmeas que topam tudo, fala sobre os mitos e verdades da Boca e a recriação do período histórico pela série, que estreia neste domingo, às 21h, na HBO.
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A Boca foi muito estigmatizada e eu, pessoalmente, levei muita pedrada ao longo dos anos. Para mim, no entanto, o saldo é positivo. A Boca mostrou que é possível fazer cinema no Brasil com diversidade de temas e autofinanciamento, sem leis de renúncia fiscal. Sabíamos economizar tudo e fazer os recursos renderem o máximo. Vale lembrar que saiu da Boca O pagador de promessas (1962), único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Também são de lá outros filmes brasileiros importantes, como Independência ou morte (1972) e A moreninha (1970).
Magnífica 70 conta a história de um censor do regime militar que se apaixona por uma atriz de pornochanchadas e depois vira diretor de filmes. A produção é fiel à verdadeira Boca?
A história é bizarra, nunca ouvi nada parecido. Mas a série é muito fiel na recriação do período, que foi reproduzido sem preconceitos. Ao contrário do que muitos podem pensar, o ambiente na Boca era até meio família. Eu produzi 20 filmes e nunca vi ninguém usando droga. Alcoolismo trinha muito, mas drogas não (risos). As mulheres que tiravam a roupa nos filmes eram geralmente casadas.
É lenda. Algumas pessoas ganharam muito dinheiro, como David Cardoso (ator e diretor) e Oswaldo Massaini (produtor), mas foram exceções. Eu, por exemplo, tenho 72 anos, ando de ônibus e vivo de free-lances como jornalista, porque minha aposentadoria não é suficiente pra me sustentar.
Sua filmografia começou com títulos mais subjetivos, como A herança dos devassos, e evoluiu para Sexo doido e Sexo em festa, entre outros. O que provocou essa mudança para o sexo explícito?
Foi uma exigência do mercado. O cinema era o lugar no qual se tinha acesso ao erótico, nunca época em que não havia internet, DVD e nem mesmo videocassete. O sexo provocava catarse e vendia muito. Com o sucesso de O império dos sentidos (filme japonês considerado um marco do erotismo), os distribuidores passaram a exigir mais sexo nos filmes, numa linguagem brasileira, com a qual as pessoas se identificavam. Mas muitos atores e atrizes não toparam os filmes de sexo explícito.
E foi essa a ruína da Boca?
Dizem que a Boca terminou por causa do sexo explícito, mas acho que o principal motivo foi que a Embrafilme (estatal de distribuição) passou a ser dominada cada vez mais pelas produções do Rio de Janeiro, onde era sediada. A Embrafilme nos anulou e perdemos o alcance.
Você ainda acredita que ainda haja possibilidade de se fazer cinema no Brasil sem leis de renúncia fiscal?
Deveria haver. É um absurdo o que se gasta de dinheiro público em filmes no Brasil. Um exemplo é Chatô, o rei do Brasil, que passou 20 anos para ser produzido (e captou R$ 65 milhões através de leis de incentivo). Há coisas mais importantes para se fazer com dinheiro público do que filmes.
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