Luto Amigos e parceiros se despedem do baixista Renato Rocha Apesar de ter ajudado a erguer a Legião Urbana, Negrete morreu no ostracismo

Por: Diego Ponce de Leon

Por: Gabriel de Sá - Correio Braziliense

Publicado em: 23/02/2015 11:40 Atualizado em:

Foto: Instagram/Reprodução
Foto: Instagram/Reprodução

Assim que a notícia da morte do músico foi confirmada, artistas, amigos e familiares compartilharam algumas palavras sobre Renato Rocha. Um dos primeiros a recorrer às redes sociais foi o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini: “Recebo a notícia com profunda tristeza e, paradoxalmente, com a leveza de ter podido estar ao seu lado nos últimos tempos, compreendendo-lhe e amparando o grande amigo de meu pai”, diz na mensagem.

Giuliano aproveitou para destacar a qualidade do artista. “Músico virtuoso, espírito de criança, ser humano generoso e profundamente bom, foi um dos companheiros de Renato Russo desde os primórdios da Legião Urbana”, comenta. Ao final, despede-se em tom de lamúria. “Como dizia o mestre Guimarães Rosa, as pessoas não morrem, elas ficam encantadas. Renato já pertence a história de nossa música e viverá na melhor de nossas lembranças.”

O ex-companheiro de banda, Dado Villa-Lobos, também preferiu se expressar pelas redes, mas optou por um texto curto: “Fica a melhor lembrança, encontrou a paz. E, há tempos, muita saudade...”. A mensagem veio acompanhada de uma foto na qual se pode ver a formação clássica da banda, com os quatro integrantes.

Um pouco depois, por meio de um blog pessoal, o baterista Fê Lemos (Capital Inicial) publicou um emocionante relato. Ele narra o primeiro encontro com Negrete e lista os atributos do músico. Ao final do texto, ele se despede: “Descansa em paz, baixista extraordinário. A gig no céu está cada vez melhor. Pena não podermos ouvir vocês tocando. A mediocridade aqui embaixo está precisando. Muito”.

Outros amigos acabaram sendo informados da morte de Negrete por meio da página oficial do artista, que era administrada pela irmã. “Renato faleceu nesta manhã, de parada cardíaca, em São Paulo. Vai com os anjos, Renato. Força ao seu casal de filhos, sua netinha, ao seu pai e aos seus demais familiares”, dizia a nota.

Livro conta como Negrete entrou na Legião Urbana
 
A seguir, trecho do livro Renato Russo: O Filho da Revolução em que o autor, o jornalista Carlos Marcelo, narra a entrada na Legião Urbana de Renato Rocha, o “Negrete”, pouco antes das gravações do primeiro disco da banda brasiliense.
 
Toda crise gera uma oportunidade. Ao saber da indefinição quanto ao produtor do disco de estréia da Legião, o jornalista carioca José Emílio Rondeau se oferece para o trabalho. Sua experiência era quase nula: tinha co-produzido o segundo disco dos punks baianos Camisa de Vênus. Mas já conhecia a Legião por meio das fitas toscas, capinhas estilizadas, recebidas pela mulher, Ana Maria Bahiana, e de um amigo jornalista, Tom Leão. Ficara especialmente impactado com as letras, com a voz. Conhecia o tipo de música que eles faziam e intuía onde eles queriam chegar; tinha certeza que poderia ajudá-los a atingir o objetivo. A companhia escala um engenheiro de som experiente, Amaro Moço. Mayrton Bahia mesmo envolvido com o terceiro disco da Blitz, assume a direção de produção. Banda e gravadora estão prontos para tentar outra vez. A Legião desembarca no Rio com um integrante a mais. Tem agora um baixista. Apelidos: Negrete, Billy. Nome: Renato.
 
Filho de sargento, o carioca Renato Rocha tinha chegado a Brasília no primeiro dia de 1970, aos 10 anos. Na infância, pegava a bicicleta e saía de sua quadra (306 Norte) desbravando os ermos da cidade. Cruzava córregos, deparava-se com  animais silvestres: lobo-guará, araras, carcará, roedores. Aventuras menos perigosas do que as batalhas entre as quadras da Asa Norte. Para enfrentar a turma da 312, o pessoal da 306 se armava com correntes e pedaços de madeira, fazia zarabatanas com canudos de antena e agulhas recolhidas no lixo de clínica hospitalar. Tática de guerrilha.
 
Negrete gostava de jogar vôlei, andar de skate, fazer capoeira, participar de torneios de queda-de-braço. Além de intensa atividade física, curtia música. Aos seis anos, já dominava o arcodeon. Na adolescência, passou a curtir rock pesado: Canned Heat, Black Sabbath, Uriah Heep, Led Zeppelin. Um dia escutou:
 
— Você é negro, não gosta de escola, não toca samba, não joga bola? Vai serlixeiro.
 
Negrete se insurgiu. Por que tinha que tocar música brasileira? Por que Brasília tinha que copiar o Rio de Janeiro? E por que os baixistas tinham que ficar em segundo plano? Ao menos para a terceira indagação, vislumbrou a resposta ao ver Stanley Clarke, Jaco Pastorius e o Earth, Wind & Fire em ação. Passa a freqüentar a Colina, monta a banda Metamorfose, acompanha a trajetória do Aborto Elétrico. Não tem grande trabalho para virar punk: sempre usa a mesma calça, o mesmo par de tênis. Ao conhecê-lo, Renato pergunta o signo e o ascendente. Gosta das respostas, gosta de Negrete. E conta que estava temporariamente impossibilitado de tocar baixo. Tinha cortado o próprio pulso. Frustrado pelo impasse com a Emi-Odeon, Renato vive dias infelizes em Brasília. Aos amigos próximos, conta que tem sérios desentendimentos com os pais. Ao saber que a mãe proibiu Carmem Teresa de sair com as primas, resolve interceder:
 
— Mãe, deixa as meninas irem para a festa!
 
— Não, Júnior, elas não vão sair!
 
Furioso, ele corre para o quarto. Alguns minutos depois, Carminha ouve o grito:
 
— Mãe, vem aqui! Me ajuda!
 
Ao entrar no quarto do meio, Carminha vê o filho sangrar. O corte no pulso esquerdo faz o sangue esguichar no carpete. Mais assustado do que desesperado, Renato toma o cuidado de direcionar o sangramento para a lixeira de cortiça. A irmã e as primas também correm para ver. Geórgia tem um ataque de choro, se descontrola. A dona da casa não se abala. Está furiosa com a atitude do filho, considera o ato uma grande molecagem. Vai até o quarto e desperta o marido:
 
— Renato, acorda. Temos que ir para o hospital!
 
Tentam estancar o sangramento e seguem para o hospital mais próximo. O atendimento demora. A irmã e as primas se exasperam, à espera de notícias. Quando voltam, já é madrugada. Renato, suturas no pulso, está todo enfaixado; por pouco, o corte não atingiu os nervos da mão. Mas terá que ficar algumas semanas sem tocar e a Legião tem gravação à vista — daí o convite a Negrete. O baixista faz dois ensaios com Dado e Bonfá na casa da mãe do guitarrista, na Península dos Ministros. É aprovado.


Trecho do livro Renato Russo: O Filho da Revolução (Editora Agir, 2009), de Carlos Marcelo, editor-chefe do Estado de Minas.


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