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SDS arquiva denúncia contra policial gravado admitindo tortura em São Lourenço da Mata

Ao todo, quatro policiais civis eram investigados pela Corregedoria; SDS alega que caso prescreveu

Publicado em: 09/04/2025 16:49 | Atualizado em: 09/04/2025 19:19

Tortura teria ocorrido em carceragem da Delegacia de São Lourenço da Mata. (Foto: Reprodução/Google Street View)
Tortura teria ocorrido em carceragem da Delegacia de São Lourenço da Mata. (Foto: Reprodução/Google Street View)
A Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) arquivou um processo administrativo disciplinar que investigava quatro policiais civis por suspeita de tortura em São Lourenço da Mata, no Grande Recife. Segundo a denúncia, os policiais teriam ameaçado e batido em um homem na delegacia da cidade para que confessasse a autoria de dois homicídios.

O caso aconteceu em 2009. Durante a investigação, um delegado chegou a gravar uma conversa com o agente Manoel Aluízio da Silva, um dos investigados, em que confessava ter dado um “acocho” no suspeito para que ele admitisse participação nos assassinatos.

"Acochamos ele, realmente. A gente pegou e fez: 'Eu vou lhe matar se você não disser quem foi que matou esse cara'", diz a transcrição do áudio. "Eu acochei para tirar o serviço, eu queria dar flagrante. Eu não queria... tanto é que me arrependi muito (...) Eu já fiz muito, não vou mentir. Estou aqui abrindo meu coração para o senhor".

No áudio, o investigado também confessa ter batido no suspeito. "Até estou dizendo ao senhor que bati, porque eu bati mesmo, mas o Ronaldo [outro investigado] não bateu. Estou sendo um cabra homem aqui", diz.

Após mais de 15 anos da ocorrência, no entanto, a investigação foi engavetada sem conclusões sobre o crime ou punição contra os responsáveis. Na portaria, publicada no sábado (5), o secretário da SDS, Alessandro Carvalho, alegou que o arquivamento se deu porque o caso prescreveu.

Também eram investigados os agentes de polícia Ronaldo Oliveira da Silva Júnior, Eduardo Ferrer de Santana e Antônio Roberto Cavalcanti de Almeida. O Diario de Pernambuco não conseguiu contato com a defesa dos citados. O espaço segue aberto para manifestação.

Sentença

O caso de tortura também correu na esfera criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), mas o processo foi extinto em 2024. Na decisão, a juíza avaliou que a ação estava parada havia quase 10 anos e nem sequer audiências de instrução foram marcadas. 

Na denúncia, oferecida em 2010, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) afirma que os policiais constrangeram a vítima com emprego de violência e grave ameaça, "causando-lhe intenso sofrimento físico e mental".

Em depoimento, a vítima declarou que foi obrigada a tirar a roupa enquanto um policial ameaçava que iria lhe dar choque e introduzir um cabo de vassoura em seu ânus. O cabo de vassoura teria quebrado após o policial acertar um golpe na nuca dele, segundo o relato.

Em seguida, o homem teria sido levado a um canavial. "A tortura prosseguiu, tendo inclusive sido proferidos disparos de arma de fogo, próximos à vítima, para intimidá-la", diz a denúncia do MPPE.

Um advogado também foi acusado pelo MPPE no processo criminal. Ele teria conseguido a liberação da vítima desde que ela conseguisse a quantia de R$ 2,4 mil, para pagar seus honorários advocatícios e propina a um comissário.

Na ocasião, a Polícia Civil investigava os homicídios do comerciante Eraldo da Silva Nascimento e de seu segurança, Luciano Ferreira de Lima, ocorridos em junho e julho de 2009, respectivamente. As investigações apontavam que o assassinato de Eraldo teria sido cometido a mando de outro comerciante, que tinha um mercadinho concorrente ao dele.

Testemunhas próximas ao suposto mandante declararam que o segurança Luciano Ferreira de Lima teria sido assassinado após dar declarações de que não descansaria até encontrar os responsáveis pela morte de seu patrão.

Na sentença de junho de 2024, a juíza Tatiana Cristina Bezerra Salgado, da Vara Criminal de São Lourenço da Mata, do TJPE, destaca que a denúncia foi recebida em 7 de março de 2013, mas assumiu a comarca em fevereiro de 2024 e só naquele momento tomava contato com os autos.

"O feito ainda não foi instruído e aguarda, desde 2013, quase 10 anos, a realização de audiência de instrução, tendo sido inclusive remarcada inúmeras vezes", escreve a juíza.

Ela analisa na decisão que, mesmo que houvesse a condenação dos acusados, haveria prescrição, o que significaria "a total ineficácia de um juízo condenatório". 

Já a Corregedoria Geral da SDS entendeu que houve prescrição administrativa. "Considerando o dilargado lapso temporal decorrente da data do fato que remanesce ao ano de 2009, há de se reconhecer a incidência da prescrição à pretensão punitiva da Administração Pública estadual, quanto à aplicação do regime disciplinar", diz o secretário Alessandro Carvalho na portaria. 
 
Procurada, a SDS enviou nota reforçando o desfecho sem condenação do processo criminal e argumentando que não se pode atribuir responsabilidade sem o devido amparo legal. Confira o posicionamento da pasta na íntegra:
 
A Corregedoria Geral da SDS informa que o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi arquivado após o encerramento do processo-criminal, cuja sentença declarou a "extinção do feito sem resolução de mérito". Diante da ausência de condenação, e conforme os princípios que norteiam o regime disciplinar da administração pública estadual, não se pode atribuir responsabilidade sem o devido amparo legal. Sendo assim, o PAD foi arquivado por prescrição administrativa, tendo em vista o lapso de tempo da data do fato e da instauração do processo até a atualidade. Destaca-se que a decisão foi tomada com base em critérios legais e técnicos, respeitando o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

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