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TORCIDAS ORGANIZADAS

Barbárie sem fim

Apesar de extintas desde 2020, as Organizadas seguem manchando o nosso futebol. No último sábado, antes de Santa x Sport, cenas de violência tomaram as ruas do Recife

Publicado em: 03/02/2025 07:50

 (Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Foto: Reprodução/Redes Sociais

 

 

“Justiça determina extinção das três principais torcidas organizadas de Pernambuco”. Essa foi a manchete do Caderno de Esportes do Diario de Pernambuco no dia 18 de fevereiro de 2020. Atendendo a um pedido feito pela Procuradoria Geral do Estado, o juiz Augusto Sampaio Argelim, da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Recife, decretou na época a extinção das uniformizadas mais violentas de Sport, Náutico e Santa Cruz.

 

Na decisão, as três facções, que já estavam impedidas de frequentar os estádios pelo longo histórico de violência, agora também teriam encerrados os seus Cadastros Nacionais de Pessoa Jurídica (CNPJ), ficando assim impossibilitados de exercerem quaisquer atividades co- merciais. Elas também teriam suas contas bancárias bloqueadas e as sedes fechadas.

 

Porém, cinco anos depois, a violência segue imperando. No último sábado (1/2), as organizadas de Santa Cruz e Sport transformaram várias ruas da Região Metropolitana do Recife (RMR) em praças de guerra, antes e depois do Clássico das Multidões, no Arruda, e que teve vitória tricolor por 1 a 0. Um dos confrontos mais pesados ocorreu na Rua Real da Torre, na Zona Norte do Recife, mas em Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, e no Cabo de Santo Agostinho também houve confusão.

 

BURLANDO A JUSTIÇA 

 

Apesar de haver a determinação da Justiça da extinção e da proibição de acesso aos estádios, as uniformizadas sempre acabam dando um jeito. Seja trocando o nome da torcida e até deixando as camisas sem nome, apenas nas cores que as caracterizam. Prova disso é que faixas ainda são estendidas em dias de jogos nos estádios, exibindo os nomes das respectivas organizadas.

 

A cada episódio, os clubes tentam negar qualquer ligação com as Organizadas, o que não condiz com a realidade de quem acompanha o futebol. 

 

Clássicos com uma torcida

 

Mandatário do futebol no Estado, o presidente da Federação Pernambucana de Futebol (FPF), Evandro Carvalho, conversou com a reportagem do DP Esportes e anunciou: vai ordenar torcida única até o fim do Pernambucano 2025. Ou seja, o duelo do último sábado (01), entre Santa Cruz e Sport, no Arruda, foi o último clássico com duas torcidas dentro do estádio no Estadual 2025.

 

Adepto da medida de torcida única há anos, Evandro Carvalho “abriu uma exceção” nesta temporada, mas mudou de ideia ao ver as cenas de violência do último final de semana.

 

Em conversa com o DP Esportes, o presidente da FPF não titubeou ao ser questionado sobre o assunto. “Olhe, vou ser direto: vou meter a caneta! Segunda-feira (03) já vou ordenar torcida única até o final da competição. Não tem nem mais o que conversar. Sei que vou desagradar, mas não tem outra opção. O Estadual vai ser de torcida única até o seu encerramento”, disse Evandro.

 

Governadora decreta portões fechados

Governadora Raquel Lyra anunciou no último sábado que Santa Cruz e Sport vão disputar os próximos cinco jogos sem a presença de seus torcedores. A medida já vale para o jogo Sport x Fortaleza, amanhã, pela Copa do Nordeste, na Ilha do Retiro.

 

Lembrando que foi exatamente em um Sport x Fortaleza que Pernambuco viveu um dos seus piores dias. No dia 22 de fevereiro do ano passado, o ônibus da delegação do Tricolor do Pici foi apedrejado por vândalos da torcida organizada do Sport, enquanto o veículo percorria a BR 232 em direção ao Recife. O jogo foi na Arena de Pernambuco.

 

O Leão acabou punido com oito partidas de portões fechados, punição que foi reduzida pela metade pela Justiça Desportiva depois. Os sete homens presos por participação no atentado foram soltos pela Justiça três meses depois. Os acusados respondem ao processo em liberdade, cumprindo algumas medidas cautelares.

 

Ontem, através das redes socias, a Governadora informou que o Judiciário acatou o pedido do Ministério Público de Pernambuco sobre o pedido de prisão preventiva dos marginais detidos.

 

CADASTRAMENTO 

A nova aposta das autoridades para combater a violência é o cadastramento dos torcedores e implantação da biometria. “Precisamos ter o controle daqueles que compram o ingresso, saber quem foi, ter a biometria. As torcidas organizadas precisam ter seus integrantes cadastrados e isso os clubes não fazem”, afirmou Alessandro de Carvalho, secretário da Sds-pe.

 

Relatório aponta guerra premeditada

Em documento revelado com exclusividade pelo Diario, a Polícia Civil já apontava confrontos entre torcidas organizadas de Sport e Santa

 

Um relatório da Polícia Civil de Pernambuco mostra que os confrontos entre as torcidas organizadas de Sport e Santa Cruz, registrados no último sábado (01), dia do Clássico das Multidões, foram premeditados. As cenas de guerra, que espalharam pânico pelas ruas do Grande Recife, terminaram com ao menos 12 feridos e 20 presos.

 

No documento, que foi revelado com exclusividade pelo Diario de Pernambuco, a Delegacia de Polícia de Repressão à Intolerância Esportiva (DPRIE), responsável por reprimir a violência em jogos de futebol, antecipou que os integrantes dos bandos estavam marcando “pistas”, como são chamadas as brigas de rua, e “utilizando plataformas de redes sociais para disseminar o ódio e a rivalidade entre os envolvidos”.

 

“O monitoramento dessas agremiações foi realizado e vimos que os envolvidos se preparam para possíveis confrontos no dia 01/02/2025, aguardam com grande expectativa”, diz o documento. “Também conseguimos informes que os integrantes preparam bombas caseiras e barrotes com pregos para lesionar o rival com o maior dano possível, bem como danificar patrimônio privados e públicos no deslocamento até o estádio”.

 

Ao todo, 680 policiais militares foram destacados pela Secretaria de Defesa Social (SDS) para atuar na segurança envolvendo o Clássico das Multidões.

 

Para a investigação, os “pontos críticos” no Recife, onde havia maior possibilidade de confronto, eram a Avenida Norte e os bairros da Caxangá, Dois Unidos, Cordeiro, Detran, Afogados e adjacências. A orientação era reforçar o policiamento nesses locais.

 

Já na Região Metropolitana, o policiamento focou em Camaragibe, Olinda, Paulista e nos bairros de Prazeres e Jaboatão Velho, na saída da BR-232, em Jaboatão dos Guararapes.

 

Investigação apontou para confronto com “bombas caseiras e barrotes com pregos“

 

O esquema priorizou, ainda, o monitoramento nos terminais integrados da Macaxeira, Prazeres, Camaragibe, Abreu e Lima, PE 15 e Pelópidas Silveira. Neste último, três pessoas foram presas em f lagrante por tentar invadir o local com explosivos e soco inglês.

 

Em nota, SDS afirmou que os eventos do último sábado “fugiram do padrão“. No último sábado, na reunião entre Governo, Ministério Público e Judiciário, o Secretário de Defesa Social, Alessandro de Carvalho, disse que “não houve falha do policiamento” no últimos sábado.

 

Barbárie é marcada pelas redes

 

Grupos são “bondes“ e muitos sequer vão ao estádioA investigação da Polícia Civil de Pernambuco detalha como as torcidas organizadas de Sport e Santa Cruz agiram para reunir as gangues, tentar escapar da polícia e promover espancamentos de rivais no sábado (1º), dia do Clássico das Multidões. O saldo foi ao menos 12 feridos e 20 presos.

 

Segundo a investigação, as uniformizadas usaram diferentes perfis em redes sociais para marcar as “pistas”, nome dado às brigas de rua promovidas entre as gangues. Uma das publicações detectada pela polícia mostrava uma faixa amarela, instalada em um viaduto, com a frase: “Sábado vai jorrar sangue”. Outros posts lembraram de mortes já registradas e de integrantes que foram espan- cados anteriormente no Estado.

 

Os grupos que participam das “guerras” nas ruas são chamados de “bondes”, segundo a investigação. Eles começam a se formar a partir de pequenos bairros, escolhidos com antecedência, que se juntam a integrantes de outras regiões até reunir o maior número possível de pessoas.

 

Parte dos integrantes nem sequer tem ingresso para o jogo e só vai às ruas para “causar desordem”, de acordo com a Polícia Civil. Subtrair a camisa usada pela torcida rival é considerado “um dos troféus desses confrontos”.

 

Para guardar armas, principalmente barrotes e artefatos explosivos, os bandos se utilizam de veículos de apoio. Carros e motocicletas são usad s, ainda, em tentativas de fugir de ações policiais.

 

Quatro feridos estão na restauração

 

O Hospital da Restauração (HR) informou ontem que quatro pessoas seguem internadas após os confrontos violentos entre torcidas organizadas de Sport e Santa Cruz, no último sábado (01), antes do Clássico das Multidões.

 

Segundo a unidade de saúde, o quadro de saúde dos pacientes é considerado estável. Ao todo, 12 pessoas foram atendidas na emergência do hospital devido às brigas. Só no Recife, 14 torcedores foram detidos por envolvimento nos atos de violência, com ocorrências registradas nos bairros da Iputinga, Torre e Madalena. Na delegacia de Paulista, três pessoas foram presas em f lagrante ao tentar invadir o Terminal Integrado Pelópidas. Já no Cabo de Santo Agostinho, outras três foram detidas após um confronto com uso de explosivos.

 

A mãe do presidente da principal torcida organizada do Sport saiu em defesa do filho. Em publicação nas redes sociais, Viviane Eugênia disse que “João Victor da Silva não é marginal”. Ela, que é professora da Rede Municipal, ainda “cobrou providências das autoridades”.

 

João Victor foi espancado em um dos vários confrontos que aconteceram na Região Metropolitana do Recife no sábado (01), antes e depois do clássico entre Santa Cruz e Sport, que teve vitória tricolor por 1 a 0, no Arruda, pelo Campeonato Pernambucano. Ele é uma das quatro pessoas que seguem internadas no Hospital da Restauração até o momento.

 

Sport vai recorrer contra jogos de portões fechados

 

O Sport se manifestou sobre os episódios de violência ocorridos antes do Clássico das Multidões frente ao Santa Cruz. Através de nota oficial publicada ontem, o clube rubro-negro lamentou profundamente os episódios ocorridos, mas discordou da decisão do Governo de Pernambuco, que proibiu a presença de público nos cinco próximos jogos do Leão e do Santa Cruz. O Sport entende que a decisão é apenas para jogos na Ilha do Retiro.

 

Assim que a governadora Raquel Lyra anunciou a medida, o Rubro-negro suspendeu a venda de ingresssos para a partida contra o Fortaleza, amanhã, na Ilha do Retiro. Com os cincos jogos de portões fechados, os dois clubes somarão um prejuízo de cerca de R$ 2 milhões para cada, valor que seria arrecadado com a venda de ingressos.

 

Ainda na nota, o Sport reiterou não ter responsabilidade pela segurança pública nas ruas e afirmou que tomará todas as medidas cabíveis para recorrer da decisão, inclusive recorrendo ao Poder Judiciário.

 

JOGOS

Após as cenas de selvageria e violência registradas na Região Metropolitana do Recife antes do clássico do último sábado (1), a Governadora do estado de Pernambuco, Raquel Lyra, informou a proibição de público nos próximos cinco jogos do Santa Cruz e do Sport.

 

O clube tricolor, que atualmente disputa apenas o Campeonato Pernambucano, não terá a presença do torcedor nos três últimos jogos da primeira fase. A Cobra Coral visita o Jaguar, na Arena de Pernambuco, recebe o Central, no Arruda, e encerra primeira fase contra o Maguary, em Bonito. Os dois jogos restantes da proibição ainda não estão definidos devido ao andamento do Estadual e podem ser cumpridos em eventuais fases de quartas ou semifinais da competição. Em caso de eliminação ainda na fase inicial do Pernambucano, o Santa Cruz teria que cumprir a proibição nas duas primeiras rodadas da Série D deste ano.

 

O clube rubro-negro por sua vez, já tem definido os cinco jogos que não poderá contar com torcida. Com a proibição sendo cumprida de maneira imediata, o Sport não poderá contar com seu torcedor já no confronto de amanhã, frente ao Fortaleza pela Copa do Nordeste, na Ilha do Retiro. Em seguida, o clube Leonino tem mais dois confrontos em seus domínios, frente ao Maguary e ao Náutico, ambos pelo Campeonato Pernambucano. Os dois últimos jogos da punição são contra o Moto Club, também na Ilha do Retiro, pelo Nordestão e encerra contra o Petrolina, fora de casa, novamente pelo Estadual.

 

Com isso, o Leão já teria a sua torcida de volta no mata-mata do Estadual.

 

Mppe vai pedir cadastro

 

As duas principais torcidas organizadas de Santa Cruz e Sport transformaram as ruas do Recife e de outras cidades da Região Metropolitana em verdadeiras praças de guerra no sábado (1/2). A medida de portões fechados já vale para Sport x Fortaleza, amanhã, na Ilha do Retiro, pela 2ª rodada da Copa do Nordeste. O Tricolor só volta a campo na sexta-feira (7/2), contra o Jaguar, na Arena de Pernambuco.

 

Durante esse período, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) vai publicar uma resolução recomendando que os clubes realizem o cadastramento biométrico de seus torcedores. A medida virou a aposta das autoridades para tentar virar o jogo contra a violência.

 

Sobre a investigação, o secretário Alessandro Carvalho, da Sds-pe disse que a Polícia Civil está analisando as imagens e identificando os envolvidos. Em nota, a Polícia Civil informou que 14 pessoas foram detidas, após incidentes nos bairros da Iputinga, Torre e Madalena e outros bairros da RMR.

 

“Não tem mais limite“, diz presidente

 

O futebol ficou em segundo plano no último final de semana. Isso por conta da selvageria promovida pelas duas principais torcidas organizadas dos dois clubes desde as primeiras horas do dia. Doze pessoas ficaram feridas e nove delas precisaram ser internadas no Hospital da Restauração (HR), no Derby, na área central da capital.

 

O presidente do Santa Cruz, Bruno Rodrigues, compareceu à entrevista coletiva ao lado do técnico Itamar Schülle e falou duras palavras sobre a guerra vista no último sábado (01) nas ruas de vários bairros da Região Metropolitana do Recife.

 

“Estou muito triste com o que aconteceu, a gente não aceita. Chegou a um ponto insustentável. Foram imagens que repercutiram internacionalmente. Infelizmente tem gente infiltrada, bandidos. É uma questão maior do que ocorreu hoje. Não tem mais limite”, disse Bruno.

 

Márcio Cadar, investidor da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do Santa Cruz, esteve presente no estádio para acompanhar a partida, mas usou suas redes sociais para expressar seu repúdio às cenas de violência que marcaram o clássico.

 

“Esse jogo jamais sairá da minha memória. Dentro de campo, uma vitória gigante do Santa Cruz. Fora dele, cenas lamentáveis que não podem se repetir. Estamos fazendo nossa parte, cuidando do Santa. Espero que as autoridades também cumpram seu papel”, disse Márcio.

 

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