Acervo
Bom velhinho
Missão Papai Noel: a arte de quem leva alegria para a criançada no Natal
No final de ano, eles deixam de lado sua rotina para tornar real uma lenda que atravessa décadas
Publicado: 24/12/2024 às 10:26

/Foto: Marcelo Cavalcante/Especial para o DP
Por Marcelo Cavalcante
A barba e o cabelo brancos não escondem a passagem do tempo. A voz grave e geralmente mansa traz carinho e conforto para crianças, que abrem o sorriso ao vê-lo. Nas costas, transporta um saco cheio de brinquedos. Quem se comportar, ganha, ao menos, um. Diz a lenda que ele nasceu e ainda vive no Lapônia, bem perto do frio e longínquo Círculo Polar Ártico. Mas, na verdade, o Papai Noel está em muitas casas mundo a fora. São trabalhadores que sentem orgulho de tornar real o bom velhinho aos olhos da criançada na festa de Natal.
"Quem se transforma no Papai Noel, jamais deixa de sê-lo. Isso tudo mexe com o sentimento". A frase é de Severino Manoel, 68 anos, que há 30 se veste do Bom Velhinho. Severino nunca teve biotipo para ser o Papai Noel. Mas o acaso cuidou para sua vida mudar. "Fui a uma festa de Natal do Instituto Apolônia da Silveira, que ficava na avenida Norte. O rapaz que se vestia de Papai Noel chegou bêbado e não podia participar da festa. Minha irmã trabalhava na escola e me pediu para que eu fizesse o Noel. Fiz e não parei mais", relata.
Severino tomou gosto. Se no início, usava barba postiça, tratou de deixá-la crescer bem branquinha. Não demorou muito para ser contratado por uma agência de publicidade que o escalou para ser o primeiro Papai Noel de um shopping da capital. "O meu Natal sempre é intenso. Venho para o shopping, onde passo cerca de 4h30. Depois, visito escolas, casas e tantos outros eventos. Só paro de madrugada", conta Severino, que nas horas vagas ainda trabalha como motorista de aplicativo. "Nessa época do ano, até dirijo vestido de Papai Noel", diz.
Quem também traz no peito a emoção de ser Papai Noel por um bom tempo é o policial militar aposentado, Daniel Fernandes, de 65 anos. Sua transformação começou há 12 anos, quando um amigo, que já era Noel, o levou para uma agência de publicidade. "A princípio, eu não queria. Havia me aposentado e desejava descansar. Mas meu amigo insistiu. Me levou para agência de surpresa. Acabei aceitando", conta.
De lá para cá, não parou mais. Pai de quatro filhas e avó de duas crianças, Daniel potencializou a alegria de cuidar de sua família. Para ele, ver o sorriso de uma criança ao vê-lo é uma satisfação incrível. "Minhas filhas e netos sentem orgulho do que faço. Falam para os amigos, vão me ver como Papai Noel. Se no começo, eu resistia... Hoje, eu sou muito feliz sendo o velhinho", garante.
Daniel mantém o visual durante o ano. Cuida da barba com muito zelo. Para deixá-la branquinha, usa um shampoo especial. Sua rotina no Natal não é das mais fáceis. "Faz tempo que não tenho ceia natalina com a família. Saio de casa às 9h, volto para casa para um descanso. Depois do almoço, faço uma sequência de visitas e só paro às 2h da madrugada", diz. "Nessas visitas, é cada pedido. Certa vez, uma mulher me pediu para arrumar um casamento para ela. Outra, uma criança me pediu um avião", conta sorrindo.
Já Edgar Falcão é um Papai Noel mais jovem. Cinegrafista, Edgar acatou a ideia de um amigo produtor cultural para ser Papai Noel em 2022, quando sua atividade profissional estava em recesso. Há tempos que era convidado e respondia com um sonoro não. Até que decidiu encarar. Sua rotina de final de ano é intensa. Sai de casa pela manhã e só volta quase de madrugada. Não há reclamações. Só gratidão.
"Tudo é muito gratificante. Além de atuar nos shopping, participo de muitas festas em restaurantes e residências. É um momento incrível. As pessoas se reúnem e, no auge da festa, a gente chega de surpresa. No ano passado, eu visitei cinco casas", destaca.
Edgar conta que a preparação para se transformar em Noel começa no meio do ano. "Quando o Natal passa, eu faço a barba. Deixo ela bem baixinha. A partir de junho, não toco mais nela. Uso apenas um shampoo para evitar que a barba fique amarelada", revela.
A família é também um dos pilares para que Edgar sinta orgulho de ser o Papai Noel. Sua mãe o visita quase todos os dias enquanto está recebendo as famílias no shopping. Chama até as amigas e posa para foto. É uma festa. O curioso é quando alguns amigos levam os filhos, sem reconhecê-lo. "Quando o encontro já está no auge, eu cito alguma particularidade ou até digo o nome. Eles tomam aquele susto", brinca.
E quem disse que o Papai Noel não chora? Edgar conta que sente a emoção da criança quando está ao seu lado. E fica difícil segurar. "Eu sou besta para chorar. Teve uma criança que pediu para que a mãe ficasse mais tempo em casa, pois ela trabalhava muito. Eu me emocionei. São muitos momentos que eu seguro o choro".
Para Severino, Daniel e Edgar Papai Noel não é lenda. É vida, é confraternização, é gratidão, é amor... Jamais um árduo ofício. Transformar uma lenda em realidade é construir um universo feliz não só para a criançada, mas também para os adultos. Afinal, Papai Noel atravessou décadas e tem espaço reservado no coração de quem sonha com um mundo melhor.