PERÍCIA CRIMINAL

Portaria do Governo do Estado altera dinâmica da atuação de peritos criminais e causa polêmica entre a categoria

A normativa foi publicada no boletim da Secretaria de Defesa Social (SDS) e traz mudanças na dinâmica da atuação da perícia criminal em locais de crime

Publicado em: 15/04/2024 05:51 | Atualizado em: 15/04/2024 06:03

A portaria da SDS altera dinâmica do trabalho da perícia criminal no Estado e causou polêmica na categoria  (Foto: Arquivo )
A portaria da SDS altera dinâmica do trabalho da perícia criminal no Estado e causou polêmica na categoria (Foto: Arquivo )
 
Uma portaria da Secretaria de Defesa Social (SDS), publicada no Boletim Geral da pasta, na última terça (2), altera a dinâmica de trabalhos investigativos envolvendo delegados e peritos criminais. 

Isso porque, a normativa de nº 2250, assinada pelo secretário da SDS, Alessandro Carvalho, prevê mudanças sobre o rito profissional de investigadores durante os procedimentos realizados em locais de crime e entre outros cenários de investigação policial. 

A principal alteração está no art. 7º, parágrafo I, que diz que: “O perito criminal terá que informará à autoridade policial quais os objetos ou elementos que possam ter relação com o crime supostamente cometido ou com seu autor, sem prejuízo ao disposto no artigo anterior [..]”.

E no parágrafo II, no dispositivo a), diz que: “a autoridade policial requererá a arrecadação dos vestígios que poderão, segundo o perito policial, contribuir para a evidenciação da materialidade delitiva [..]”. 

As medidas não são bem vistas pelas categorias de peritos criminais, médicos legistas e peritos papiloscopistas. 

Com isso, segundo a Associação de Polícia Científica de Pernambuco (Apoc), o perito criminal perde a autonomia técnica e científica ao depender de uma autorização formal de um delegado para poder coletar provas  e vestígios para o trabalho pericial dos profissionais. 

Além disso, ficará à cargo da autoridade policial apontar quais os objetos e vestígios em que o perito deverá coletar para o trabalho de perícia, assim, prejudicando o trabalho autônomo dos profissionais do Instituto de Criminalística (IC). 

A Apoc emitiu uma nota em que repudiou as mudanças realizadas pela SDS. 

Segundo o documento enviado ao Diario de Pernambuco, diz que: “Já há mais de vinte anos, a Associação de Polícia Científica vem denunciando à mídia e à população as tentativas de subordinação da perícia oficial à chefia da Polícia Civil. Esse modelo de subordinação remonta à época da ditadura militar e já foi superado em Pernambuco há 50 anos. Contudo, as normas e leis que são emitidas tentam frequentemente fazer com que esse modelo retroaja a esse período”. 

Ainda segundo a nota, assinada pela presidente da entidade, Camila Reis, diz que: “Aqui em Pernambuco a gente já teve a tentativa de emissão de lei orgânica da Polícia Civil com essa subordinação é essa portaria de local de crime e cadeia custódia que acabou de ser publicada pela Secretaria de Defesa Social (SDS) confirma essa tentativa de subordinação quando diz que o delegado de polícia deve determinar a arrecadação dos vestígios”. 

Além disso, na normativa publicada pela SDS, em diversos parágrafos, é utilizado a nomenclatura Perito Policial, o que, segundo a Apoc, é usado de forma inconstitucional perante ao Código de Processo Penal (CPP) e a Constituição Federal. 
 
Análise 

Segundo a presidente da Apoc, Camila Reis, as medidas trazem prejuízos ao trabalho investigativo e pericial. 

“Há anos discutimos sobre o assunto acerca da autonomia do técnico científico do perito. O perito precisa ter uma atuação isenta, sem que haja uma interferência da investigação. Isso porque, a investigação trabalha com provas testemunhais. Quando o perito vai analisar a  coleta de vestígios para produzir a prova, ele não terá já uma teoria pré-estabelecida que possa comprometer a idoneidade do trabalho. Ele tem que ser imparcial. Ele tem que analisar o vestígio, o local, coletar as provas, e daquela análise do local em que ele vai fazer sem quais são as teorias da investigação para poder dizer: ‘Olhe, a prova diz isso, a prova diz aquilo, a prova mostra isso’, para que você tenha uma imparcialidade no processo. Apesar da gente ter a autonomia, sempre há uma norma, uma portaria, que faz com o que o perito responda ao delegado de polícia”, reclamou a presidente do Apoc, Camila Reis. 

Ainda segundo ela, com as mudanças previstas na portaria, o trabalho investigativo será prejudicado, pois não haverá o número suficiente de delegados para suprir todas as demandas de local de assassinatos, de acidentes de trânsito ou quaisquer trabalhos periciais feitos pelos peritos. 

“Não terá delegado para estar em todos os locais. Isso não é um problema dos profissionais, e sim do Estado. E aí como eles não conseguem ir até o local, como é que irão conseguir estar nos locais de crime ao mesmo tempo para determinar que o perito colete os vestígios a serem periciados? Isso vai travar completamente a perícia no Estado. Se a gente cumprir a portaria, a perícia vai parar. Porque teremos que ficar lá no local esperando o delegado chegar para assinar um termo para que a gente faça a coleta”, reclamou Camila Reis, acrescentando que o modelo adotado pela SDS também é usado no Rio de Janeiro. 

Ela acrescenta que: “Ou seja, além de tirar a autonomia técnico-científica do perito criminal para avaliar o local do crime, determinar quais são os vestígios que realmente têm relação com o fato e coletá-los de acordo com o seu entendimento técnico-científico, ainda coloca, além de toda essa ilegalidade, um passo burocrático a mais onde o delegado de polícia terá que atuar dentro de todos os Institutos Médico Legais e também estar presente em todos os locais de crime para autorizar o perito criminal a proceder com a arrecadação desses vestígios, o que é um contrassenso legal e burocrático”. 

O que diz o Governo

Procurada pela reportagem do Diario de Pernambuco, a SDS disse oor meio de nota que: “A Secretaria de Defesa Social informa que, a Portaria nº 2251/2024, publicada na data de ontem (02/04), no Boletim Geral da SDS, dispondo sobre os procedimentos policiais em locais de crimes, destinados a assegurar a cadeia de custódia, entre outras providências, foi elaborada a partir de um Grupo de Trabalho integrado por representantes da Polícia Civil, do Instituto de Identificação Tavares Buril (IITB) e da Gerência Geral de Polícia Científica (GGPOC). A SDS explica que a norma foi preparada com o objetivo de regulamentar e adequar as estruturas dos órgãos de perícia técnico-científica à estrita observância das normas processuais penais relacionadas à cadeia de custódia. De modo a garantir a integridade e a rastreabilidade dos vestígios, para preservar a confiabilidade e a transparência da produção das provas periciais, desde a sua coleta até a conclusão do processo judicial”. 

A pasta ainda destacou que: “Importante destacar que, em seu art. 6º, a Portaria dispõe, textualmente, que "No local de crime, o perito policial atuará com autonomia técnica, científica e funcional, conforme o disposto no art. 2º da Lei nº 12.030/2009, e na forma do art. 1º do Decreto Estadual nº 44.469/2017". Logo no art. 1º, a norma conceitua perito policial como o "gênero no qual se inserem os cargos públicos efetivos integrantes do grupo ocupacional policial civil, responsáveis pela realização de exames técnico-científicos e a emissão de laudos, nos limites de suas atribuições". Com isso, a medida buscou assegurar não apenas ao perito oficial criminal, mas também ao perito papiloscopista - nos limites de suas respectivas atribuições - a realização dos trabalhos de natureza pericial livres de ingerências de qualquer natureza”. 

Na mesma nota, a SDS complementou que: “Vale ressaltar ainda que em seu artigo 7º, a Portaria também reproduz, fielmente, a legislação processual penal quanto à condução dos exames periciais no local de crime, conferindo ao Perito Criminal a responsabilidade de informar à autoridade policial quais os objetos ou elementos que possam ter relação com o crime supostamente cometido ou com seu autor, sem prejuízo ao disposto no artigo anterior. Isto é, sem prejuízo de sua atuação com autonomia técnica, científica e funcional - em vez de promover, por si mesmo, a arrecadação dos vestígios que poderão contribuir para a elucidação do crime. Assim, a Portaria mais uma vez observa e respeita a legislação vigente, uma vez que inexiste perícia criminal de ofício”. 

A pasta finalizou a nota dizendo que: “Por fim, a SDS esclarece que a Portaria em questão, assim como qualquer norma é passível de revisão e modificação. E, buscando aprimorar o texto publicado, a Secretaria de Defesa Social analisa, criteriosamente, a possibilidade de realização de ajustes a determinadas disposições da norma, em busca da melhor prestação de serviços à sociedade”.

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