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Fabricante e concessionária de veículos são condenadas a indenizar consumidor por causa de "vício oculto" em equipamento

Segundo TJPE, problema em câmbio automático foi descoberto após o período de garantia legal

Publicado em: 15/04/2024 10:49

Câmbio automático de carro zero apresentou "vício oculto" (Foto: Arquivo)
Câmbio automático de carro zero apresentou "vício oculto" (Foto: Arquivo)
Um fabricante de veículos e de uma concessionária de automóveis foram condenados a pagar indenização a um consumidor por causa de um "vício oculto no câmbio automático". 
 
A decisão é  da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
 
O colegiado  manteve, por unanimidade, a condenação das duas empresas, que não tiveram os nomes informados pelo tribunal. 
Segundo o TJPE, o "vício oculto" foi  descoberto após o período de garantia legal de um carro modelo Renault Duster.
 
O carro  comprado era "zero quilômetro" e foi comprado em 2011. 
O câmbio automático apresentou defeito após 40 mil quilômetros rodados, quando deveria apresentar funcionalidade superior a 100 mil quilômetros rodados. 
 
Além de custear o conserto integral do veículo que ficou parado devido ao problema, as duas empresas ainda deverão dividir os custos da indenização de R$ 10 mil a ser paga à proprietária do veículo a título de danos morais.
 
Como foi

O julgamento da apelação nº 0035487-04.2017.8.17.2001 aconteceu no dia 4 deste mês. 
 
 Na sessão, o relator, desembargador Adalberto de Oliveira Melo, negou provimento aos recursos interpostos pelas duas empresas e manteve a sentença da juíza de Direito Maria do Rosário Monteiro Pimentel de Souza, da 24ª Vara Cível da Capital – Seção B. 
 
"Em se tratando de bem durável, cujo consumo gera legítima expectativa de longo período de uso, além da responsabilidade das fornecedoras de bem e serviço em garantir adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar. Responsabilidade objetiva e solidária de  empresas fornecedoras e integrantes da cadeia produtiva. Condenação ao reparo e pagamento de indenização moral acolhidos em sentença", escreveu no voto o magistrado.
 
A decisão dele foi seguida pelos desembargadores Humberto Costa Vasconcelos Júnior e Sílvio Romero Beltrão. A decisão colegiada ainda pode ser objeto de novo recurso.

Os autos
 
De acordo com os autos, o veículo foi comprado em 30 de novembro de 2011, na concessionária com zero quilômetro e 5 anos de garantia legal. 
 
Inicialmente, o carro apresentou defeito de trepidação e ruídos no câmbio em 2014. 
 
Houve revisão do sistema no dia 07.10.2016, com 40.503 quilômetros rodados em 7 anos de uso, somente vindo a ser devolvido quase 60 dias depois, em 20.12.16, sem resolução do problema, quando detectado que não se conseguia passar as marchas. 
 
O conserto da peça teve orçamento superior a R$ 10 mil. 
O veículo não apresentava sinais de mau uso; os cinco pneus ainda eram originais e a quilometragem era baixa em relação à média de usuários. 
 
O defeito no câmbio também não era comum em veículos com baixa quilometragem e a cliente não habitava em local acidentado. 
O carro passou por perícia técnica que atestou o vício oculto e descartou a hipótese de mau uso e/ou culpa da consumidora.

Voto
No seu voto, o desembargador Adalberto de Oliveira Melo esclareceu que, ao comprar um carro, o consumidor tem a expectativa de usar cada peça presente no veículo no tempo de vida útil estabelecido pelo fabricante e essa expectativa também deve ser cumprida pela cadeia produtiva envolvida, de acordo com Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 
 
O relator citou trecho do acórdão do Recurso especial (REsp) nº 1661913/MG, de  relatoria do ministro Luiz Felipe Salomão, julgado em 20 de outubro de 2020: "A responsabilidade do fornecedor envolvendo a venda de produto usado, nesse passo, há que conjugar os critérios da garantia de utilização do bem segundo a funcionalidade do produto (análise do intervalo de tempo mínimo no qual não se espera que haja deterioração do objeto) associado, em se tratando de vício oculto, ao critério de vida útil do bem (a contar da constatação do vício segundo a  durabilidade variável de cada bem). Nessa circunstância, a responsabilidade do fornecedor sobressai em razão do dever a este inerente de inserir no mercado de consumo produto adequado ao seu uso, ainda que segundo a sua própria qualidade de bem usado, por um prazo mínimo para o seu uso, a ser aferido, em cada caso, segundo o critério de vida útil do bem".

Segundo o desembargador, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também ampara essa legítima expectativa do consumidor em relação ao tempo de vida útil dos bens, estendendo os prazos de reclamação de vício oculto para além do prazo de garantia legal do produto.
 
"No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por inadequação. - Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade", afirmou o relator no voto.

Sentença
 
Na sentença da 24ª Vara Cível da Capital – Seção B prolatada em 19 de julho de 2022, a juíza Maria do Rosário Monteiro Pimentel de Souza esclareceu que tanto a fabricante quanto a concessionária respondem conjuntamente por eventuais defeitos surgidos no carro novo comercializado, nos termos do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
 
"Constatado que o veículo novo adquirido apresentou uma série de defeitos ao tempo do seu uso, situação anormal e inesperada por quem adquire um veículo zero quilômetro, cumpre reconhecer a presença do dano moral indenizável, diante da frustração psicológica causada. A fixação do valor da indenização deve ocorrer com o prudente arbítrio, de modo que, não seja inexpressiva gerando a repetição de fatos, tais como, os narrados nos autos, nem seja exorbitante ocasionando enriquecimento sem causa, em face do caráter pedagógico dos danos morais", escreveu a magistrada. 
 
A indenização de R$ 10 mil por danos morais será corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora na base de 1% ao mês a partir da data da sentença.

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