Operação Sentido Proibido

Polícia desmonta fraude milionária de revenda ilegal de carros comprados com ICMS reduzido

Polícia prendeu sete pessoas, incluindo empresários, servidores do Detran e funcionários da concessionária de veículos que deu origem ao esquema

Publicado em: 08/03/2024 13:57 | Atualizado em: 08/03/2024 15:28

Carros eram revendidos de forma ilegal  (Foto: Polícia Civil/Divulgação )
Carros eram revendidos de forma ilegal (Foto: Polícia Civil/Divulgação )
A Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) apresentou detalhes, nesta sexta (8), da Operação Sentido Proibido, que resultou do desarticulação de um esquema fraudulento milionário de revenda ilegal de veículos comprados de montadores com o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) reduzido. 

O esquema criminoso envolvia empresários do setor de revenda de carros, funcionários dessa empresa, servidores públicos do Departamento de Trânsito de Pernambuco (Detran-PE) e funcionários de um cartório.
 
As fraudes causaram prejuízos ao erário público que podem chegar até R$ 5 milhões. 
 
Os nomes da empresa, do cartório e dos sete presos na ação não foram divulgados oficialmente pela polícia. 
 
Além de fraude, a quadrilha praticou também crimes de corrupção ativa e passiva, estelionato, falsidade ideológica e documental, além de lavagem de dinheiro. 
 
Foram apreendidos dois veículos de luxo, além do sequestro de bens da quadrilha que soma R$ 700 mil.
 
Como foi a operação
 
Ao todo, foram cumpridos sete mandados de prisão temporária (válidos por 30 dias) e 19 mandados de busca e apreensão.
Detalhes da operação foram repassados pela polícia em coletiva à Imprensa, nesta sexta (8)  (Foto: Marina Torres/DP )
Detalhes da operação foram repassados pela polícia em coletiva à Imprensa, nesta sexta (8) (Foto: Marina Torres/DP )

Eles  foram cumpridos em Surubim, Bezerros, e Cacheirinha, no Agreste do Estado, em Vertentes, no Sertão, em Carpina, na Zona da Mata Norte, além de quatro cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR), incluindo a capital pernambucana.  
 
Entre os sete presos, há dois funcionários de carreira do Detran, três empresários e dois funcionários da revendedora que foi o alvo principal da investigação da polícia. 

Os detalhes da operação foram repassados em coletiva à Imprensa, na manhã desta sexta (8), na sede operacional da PCPE, no Centro do Recife. 
 
A operação da corporação contou com o apoio investigativo e operacional da Corregedoria-Geral do Detran e de auditores fiscais da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz). 

Como funcionava o esquema

Segundo a investigação da polícia, a operação começou quando um dos envolvidos no esquema foi até a Delegacia do Cordeiro, na Zona Oeste do Recife, e denunciou todo a estrutura criminosa da qual participava. 

O inquérito avançou e foi parar na Delegacia de Crimes Contra a Ordem Tributária (Decot), sob a presidência do inquérito da delegada Gabrielle Nishida. 

As investigações chegaram até o alvo principal do esquema, uma revendedora de veículos que atua na cidade de Surubim, no Agreste do Estado. 

A concessionária aliciava pessoas para extrair os dados delas e assim criar empresas fictícias, conhecidas como “laranjas”. 

Essas empresas, por sua vez, compravam veículos de montadoras por meio do convênio 5100/2020 do Ministério da Fazenda, que consiste na compra de carros diretamente na montadora com benefício do ICMS reduzido.
 
Ou seja, o valor de mercado cai e o comprador consegue adquirir o automóvel com o valor mais acessível. 

Contudo, na compra desse veículo, o automóvel fica proibido de repasse,  pelo período de 12 meses, de acordo com o convênio 6400/2006.

E, quem justamente faz a restrição desses carros são os despachantes do Detran. 
 
A fraude consistia justamente da elaboração de documentos e notas falsas para que o sistema fosse burlado e esses veículos não fossem registrados com a devida restrição, conectando assim, a participação de dois funcionários do Detran (um do setor de atendimento e outro de controle de qualidade) e de trabalhadores de um cartório que fica no Recife. 

Diante dessa articulação, foram identificados, até o momento, a existência de 150 automóveis que não ficaram restritos e que acabaram sendo ilegalmente revendidos por valores acima do mercado. 

Desta forma, a revendedora suspeita de comandar o esquema lucrava com a venda de carros ilegais e o Poder Público deixava de lucrar com os tributos do ICMS, que não eram recolhidos pela fraude cometida. 

A investigação da polícia descobriu que os dois funcionários do Detran que participavam do esquema recebiam valores indevidamente para liberar as documentações falsas que permitam que os veículos não fossem bloqueados para repasse. 
 
Além do processo criminal, os dois servidores também serão alvos de investigação administrativa por meio de uma sindicância instaurada pela Corregedoria do Detran, o que pode acarretar sanções administrativas e a exoneração destes profissionais.  

Já os funcionários do cartório eram responsáveis justamente por elaborar essas falsas documentações. 

Ainda segundo a polícia, a revendedora de carros que articula o esquema aliciava pessoas humildes para extrair dados pessoais e, assim, criar empresas laranjas que comprovam os veículos direto na montadora. 
 
Um desses “laranjas”, era um trabalhador da limpeza de veículos que trabalhava para receber menos de um salário mínimo por mês. 

Segundo a delegada Gabrielle Nishida, até o momento, foram sequestrados em bens da quadrilha o montante de R$ 700 mil, que servirá, justamente, para garantir possíveis ressarcimentos por meio de medidas judiciais acionadas pelas vítimas.
 
 A investigadora recomendou que quem se sentir lesado, procure a Decot e registre um boletim de ocorrência para registrar o prejuízo. 

“Já identificamos diversas vítimas e peço que quem for lesado procure nossa unidade para registrarmos a queixa e colher o depoimento.  Desarticulamos um esquema estruturado de estelionato e corrupção, além da prática de outros crimes tributários, O repasse desses carros só era possível devido ao conluio desses funcionários do Detran que não registraram as devidas restrições.  E funcionários do cartório chancelaram a atuação dessas empresas fantasmas justamente com documentos falsificados, possibilitando toda fraude ocorrida. Os veículos eram comprados de forma irregular e repassados também de forma ilegal”, explicou a investigadora.
A delegada Gabrielle Nishida, deu detalhes sobre o esquema fraudulento  (Foto: Marina Torres/DP )
A delegada Gabrielle Nishida, deu detalhes sobre o esquema fraudulento (Foto: Marina Torres/DP )

Ela acrescentou também que com um dos alvos presos na operação desta sexta (8), foram encontrados diversos documentos falos e R$ 20 mil em espécie, além da posse ilegal de uma arma de fogo. 


Cruzamento de dados e medidas punitivas 

Segundo a Secretaria da Fazenda (Sefaz), a modalidade da venda de veículos de montadoras direto ao consumidor final, prevista no convênio 5400/2000, gera uma balança anual de 40 mil transações. 

Nos últimos cinco anos, mais de 200 mil veículos foram vendidos por fabricantes com o imposto de ICMS reduzido. 

Segundo o gerente de veículos da Sefaz, Júlio Lóssio, com a descoberta do esquema fraudulento, a pasta tomou a iniciativa, juntamente com o Detran, de fazer uma força-tarefa para cruzar os dados destes 200 mil veículos para identificar quantos automóveis não tiveram a devida restrição de repasse registrada.  

“Essa operação já identificou 150 veículos que foram alvos do esquema desde 2022. Mas, vamos fazer o cruzamento de dados de 2020 até hoje. Nós temos uma margem de venda de 200 mil carros neste período. Estimamos que esse esquema gerou um prejuízo aos cofres na ordem de 5 milhões”, disse o auditor. 
O gerente de transportes da Secretaria da Fazenda, Júlio Lóssio, destacou que a pasta irá cruzar dados de mais de 200 mil veículos para identificar possíveis fraudes  (Foto: Marina Torres/DP)
O gerente de transportes da Secretaria da Fazenda, Júlio Lóssio, destacou que a pasta irá cruzar dados de mais de 200 mil veículos para identificar possíveis fraudes (Foto: Marina Torres/DP)

Já o corregedor-geral do Detran, o coronel André  Ângelo, disse que os dois servidores do órgão estão sendo investigados internamente e podem ser exonerados no fim das apurações. 
O corregedor-geral do Detran, o coronel André Ângelo disse que os dois funcionários presos serão alvos de investigações do órgão  (Foto: Marina Torres/DP )
O corregedor-geral do Detran, o coronel André Ângelo disse que os dois funcionários presos serão alvos de investigações do órgão (Foto: Marina Torres/DP )

“Desde  que a operação foi deflagrada, a presidência do Detran determinou que fosse instaurada uma sindicância para apurar a conduta destes dois servidores. Além do processo criminal, eles estão passíveis a responder por medidas administrativas. O processo está em pleno curso. Na casa de um dos servidores foram encontrados carimbos do órgão e documentos falsos”, explicou o corregedor.

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