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Degradação dos recifes de corais reduz renda e aumenta o trabalho dos pescadores, diz pesquisa

Segundo o Grupo O Boticário, peixes deixaram de aparecer no litoral pernambucano por não encontrarem mais abrigos e alimentos nos corais

Publicado em: 03/11/2023 06:00 | Atualizado em: 03/11/2023 15:05

A poluição e o aquecimento global são os principais inimigos dos recifes de corais (Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário)
A poluição e o aquecimento global são os principais inimigos dos recifes de corais (Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário)

O desordenamento das atividades humanas nos recifes de corais afeta diretamente o equilíbrio destes seres marinhos. Entre os principais problemas estão o turismo não sustentável e poluição. Por causa disso, os peixes têm aparecido cada vez menos no litoral pernambucano, dificultando o trabalho dos pescadores locais. 
 
Este é o resultado de uma pesquisa feita pela Fundação Grupo Boticário, que analisou a saúde dos recifes de corais no Nordeste brasileiro e os impactos da degradação destes animais.
 
Uma das áreas analisadas pela fundação é a praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca, onde os corais são alvos de pisoteamento por causa do alto índice de turismo. Os corais ainda sofrem com a poluição causada pelo crescimento imobiliário da região e falta de saneamento.
 
Um dos principais destinos turísticos do estado, Porto de Galinhas tem movimentação  financeira de mais de R$ 700 milhões, por ano, por causa de visitas aos corais. Os dados foram repassados durante uma visita da equipe do Diario de Pernambuco ao balneário. 
 
O estado de Pernambuco possui pelo menos 11.300 pessoas que vivem da pesca e que dependem da saúde dos recifes de corais para garantir o sustento da família. O número consta no Cadastro de Pescadores Artesanais do Litoral de Pernambuco, realizado em 2019, pela Semas. 
 
No entanto, a tradição secular da pescaria está reduzindo no estado por conta da agressão que os corais sofrem e que afetam diretamente a qualidade e quantidade de peixes capturados. 

"Os recifes de corais são um sistema super importante não só para o oceano, mas para todo o planeta. Ele é uma fonte de renda para várias comunidades através do turismo e pesca. É uma fonte de renda inesgotável de biodiversidade e também é super importante para a regulação climática. Sem os recifes de corais, podemos ter uma perda e fragilidade muito grandes no nosso estoque pesqueiro e isso influencia na nossa insegurança alimentar", explica a oceanógrafa Amanda Albano.

Os únicos ambientes recifais do Atlântico Sul se concentram no Nordeste brasileiro e se estendem por 3 mil quilômetros entre o Maranhão e o sul da Bahia. Estes corais são responsáveis por fornecer terrenos de desova, além de servirem como viveiro para populações de peixes que são economicamente importantes.
 
Pelo menos uma em cada quatro espécies marinhas vive ou passa uma parte da vida nos recifes de corais, onde é possível identificar até 65% dos peixes marinhos. Isso mostra que os corais são verdadeiros condomínios subaquáticos e ainda servem de alimento ou abrigo para animais que estão de passagem.

A prática da pesca para consumo próprio ou venda está cada vez mais difícil, uma vez que os animais têm se aproximado cada vez menos do litoral por conta do branqueamento dos recifes de corais. Este fenômeno pode ser entendido como a perda de cor destes seres vivos em decorrência das agressões sofridas pelo aumento das temperaturas no mar e de ações humanas, como poluição.
 
 (Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário)
Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário

Flávio Conceição, mais conhecido como Ariocó, é integrante da comunidade de pescadores de Brasília Teimosa, no Recife. Ele já sente o impacto do branqueamento dos recifes de corais no trabalho e conta que “a qualidade da pesca caiu muito. Todos os peixes que costumo pescar ainda existem, mas bem pouco e isso afeta a economia. Acho que isso acontece por conta da natureza, que está meio prejudicada. Para reverter isso, eu passo mais tempo em alto-mar. O melhor período para pesca é o verão, mas nem todo verão rende tanto. Vendo o peixe por aqui mesmo, tem gente que vem até de Caruaru para poder comprar”.

As adversidades enfrentadas por quem tenta  manter a pescaria tem levado pescadores pernambucanos a deixarem a profissão de lado, uma vez que manter o sustento da família através deste trabalho tem se tornado cada vez mais difícil. Passar mais tempo em alto mar ou migrar para atividades no turismo são algumas das poucas opções disponíveis para os pescadores locais. 
 (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“Aprendi a ser pescador com meu pai, comecei com 14 anos, mas depois me tornei jangadeiro. Antigamente, tinha muito mais peixes nos corais. Por conta disso, muitos pescadores deixaram de trabalhar com isso e viram jangadeiros. A gente deixa de ser pescador porque a falta de peixes mexe com o nosso bolso. Isso é resultado de um ecossistema que foi quebrado. Em Boa Viagem, por exemplo, a gente sabe que os recifes de corais não estão vivos”, conta Armando Júnior, jangadeiro da praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca.

Como amenizar os danos aos recifes de corais 
Fazer um turismo consciente e evitar jogar lixo no mar são algumas das ações que ajudam a preservar os corais (Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário)
Fazer um turismo consciente e evitar jogar lixo no mar são algumas das ações que ajudam a preservar os corais (Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário)

Os impactos causados nos recifes de corais pelos seres humanos têm consequências quase irreversíveis. Apesar de serem residentes, os corais são sensíveis às ações externas, principalmente às humanas, como poluição das águas, pesca predatória, modificação do solo para construção de prédios e o turismo desordenado.

O cenário atual demanda medidas urgentes para que os corais consigam se recuperar e continuem cumprindo o papel indispensável na natureza. Diante disso, a Biofábrica de Corais, em Porto de Galinhas, realiza um trabalho de resgate destes seres marinhos através da identificação e coleta de corais fragmentados para que eles sejam inseridos em berços e realocados em fazendas submersas, onde irão se recuperar durante seis meses.

“Estamos nos preparando para enfrentar o branqueamento de corais no ano que vem, previsto para o mês de março. estamos com uma força tarefa para que a gente não fique apenas assistindo o branqueamento e contando o número de animais mortos. Estamos entrando em uma nova era de relação com a natureza. Um recife de coral não pode ser concebido como algo que pode se manter sozinho”, explica Rudã Fernandes, fundador da Biofábrica de corais.

A responsabilidade de manter os recifes de corais saudáveis não é somente de empresas e profissionais engajados, mas também da população e de tomadores de decisão, como políticos. O combate à poluição é um dos principais meios de reduzir os impactos negativos aos corais. Evitar jogar lixo no mar e investir em saneamento básico pode prolongar a vida destes animais.

Desenvolver atividades econômicas sustentáveis como a limitação da expansão urbana em ambientes delicados, realização de turismo responsável e consciente, bem como pesca e agricultura responsáveis, ajuda na conservação dos recifes de corais e, consequentemente, na saúde dos mares e resguardo da pesca.
 
Projetos para preservação dos recifes de corais  
Proteger os recifes de corais é essencial para garantir um futuro com menos problemas ambientais (Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário)
Proteger os recifes de corais é essencial para garantir um futuro com menos problemas ambientais (Foto: Felipe Cadena/Fundação Grupo Boticário)
Os recifes de corais são um dos principais ecossistemas marinhos de Pernambuco, impactando boa parte da população do litoral, seja diretamente ou indiretamente.
 
Para preservar esses seres marinhos, a Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha do estado, por meio de seus instrumentos de gestão, busca proteger os serviços ecossistêmicos e ambientais por eles prestados para o meio ambiente do estado, incluindo a regulação climática. 
 
Atualmente, a Semas Pernambuco executa 10 projetos com ações diretas para os recifes de corais. Além destas iniciativas, a secretaria desenvolve ações e iniciativas que, transversalmente, estão a beneficiar os recifes de corais, como a Política Estadual de Resíduos Sólidos, que envolve a capacitação de todos os municípios do estado para lidar com seus resíduos e rejeitos sólidos e líquidos.
 
Confira abaixo alguns dos projetos para preservação da vida marinha: 
 
  • Plano de Ação para Controle e Monitoramento do Coral-Sol no litoral continental e oceânico de Pernambuco
A implementação do Plano de Ação para combate ao coral-sol, uma espécie exótica-invasora identificada no litoral do Estado, visa garantir a segurança da biodiversidade dos ecossistemas dos recifes nativos e impedir que essa espécie invasora comprometa o futuro dos nossos recifes e de todo o ecossistema marinho associado. Para viabilizar a sua execução e por meio de processo licitatório, foi contratada empresa especializada para prestação do serviço de diagnóstico, remoção e destinação adequada de colônias de coral-sol, em naufrágios contaminados do litoral pernambucano.
  • Plano de Ação para Controle e Monitoramento do Peixe-Leão em Pernambuco 
Estratégia integrada entre poder público, sociedade civil e pesquisadores, com o objetivo de controlar a população do peixe-leão na região costeira e oceânica de Pernambuco por meio de ações de prevenção, remoção e monitoramento, visando garantir a conservação da biodiversidade recifal nativa e, consequentemente, a manutenção da pesca artesanal e do turismo.
  • APA Marinha Recifes Serrambi
A primeira Unidade de Conservação Marinha foi instituída pelo Decreto n.º 46.050/2018, com 84 mil hectares, incluindo mar territorial, defronte aos municípios de Ipojuca, Sirinhaém, Rio Formoso e Tamandaré, visando conciliar e ordenar os diversos usos dos ambientes costeiro e marinho, considerando atividades pesqueiras, náuticas, manejo de áreas, turismo e demais atividades socioeconômicas, compatibilizando-as com a conservação ambiental e a proteção da biodiversidade dos ambientes costeiro e marinho. 
  • Gestão Integrada da Orla Marítima 
Conhecido como Programa Orla, o instrumento de planejamento auxilia os municípios litorâneos e estuarinos e contribui na democratização dos acessos públicos às praias e na garantia da função socioambiental da orla, por meio de ações estratégicas que vêm orientando o processo de ordenamento da orla do estado. Os 12 municípios defrontantes com o mar, ou 92% do total, já concluíram seus PGIs.
  • Zoneamento Ecológico-Econômico Costeiro
Tem como objetivo avaliar e orientar o processo de ocupação e uso do solo na zona costeira, através do planejamento participativo e da implementação de ações integradas de gestão, visando a melhoria da qualidade de vida das populações locais e o disciplinamento da utilização dos recursos naturais na Zona Costeira. 
  • PELD Tamandaré
Dinâmica espacial e temporal dos ecossistemas marinhos: conectividade, resiliência e uso sustentável no sul de Pernambuco, coordenado pela  Prof. Dra. Beatrice Padovani Ferreira, Universidade Federal de Pernambuco,CNPq/MCTI/CONFAP-FAPs - Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração – PELD. no Litoral Sul de Pernambuco que inclusive identificou Recifes Endêmicos.
  • Projeto Tem Peixe
Consiste em uma rede de profissionais focada na valorização da pesca artesanal do litoral pernambucano, além de identificar alternativas econômicas potenciais do local.
 
O projeto foi viabilizado através do Fundo Estadual de Meio Ambiente (Fema) e se subdivide em três colônias presentes nos municípios que fazem parte da APA Santa Cruz: a Z10, localizada em Itapissuma, e as Z15 (Atapuz) e Z17 (Tejucupapo), situadas em Goiana.
  
O ‘Tem Peixe’ visa integrar o ordenamento pesqueiro na APA de Santa Cruz, que envolve os municípios de Goiana, Itapissuma e Itamaracá, e qualificar, estruturar e fortalecer as partes envolvidas na atividade da pesca artesanal. 

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