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Reginaldo Veloso, ex-pároco do Morro da Conceição, morre aos 84 anos

Publicado em: 20/05/2022 08:59 | Atualizado em: 20/05/2022 11:42

Reginaldo Veloso foi pároco na comunidade de 1978 a 1989. ( Thalyta Tavares/Arquivo DP)
Reginaldo Veloso foi pároco na comunidade de 1978 a 1989. ( Thalyta Tavares/Arquivo DP)
O padre Reginaldo Veloso, que conduziu por 12 anos a paróquia de Nossa Senhora da Conceição, que fica no Morro da Conceição, faleceu aos 84 anos, na noite da quinta-feira (19), por volta das 23h. Segundo familiares, no final de 2020 ele fez quatro cirurgias para o câncer na bexiga. Passou um mês e dois dias internado na UTI de um hospital particular do Recife. Ele teve melhora, mas contraiu uma infecção e não resistiu. Veloso teve uma longa trajetória na Igreja Católica, iniciada por volta dos 13 anos, quando começou a se preparar para o Seminário. Teve importante atuação na luta para que a então capela no Morro da Conceição se tornasse paróquia e ajudou a comunidade na busca por melhorias sociais. Ele foi ordenado presbítero em dezembro de 1961 e teve diversas titularidades. No ano de 1989, foi destituído da paróquia e suspenso das funções sacerdotais (celebrar missa, realizar matrimônios, fazer batizados) pelo arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso, da ala conservadora da Igreja. Para aplicar a punição, dom José alegou que o padre incitava nos fiéis aversão ao arcebispo. Padre Reginaldo não quis entregar a paróquia. A polícia foi chamada para arrombar as portas da Igreja. Reginaldo trabalhava com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que faziam parte do modelo de Igreja de Dom Helder Câmara. Afastado, somente em abril de 1994, optou pelo matrimônio e se casou. Veloso continuou sendo uma voz ativa na comunidade. O velório está previsto para ocorrer nesta sexta-feira (20), na escola estadual Padre João Barbosa, localizada próxima a Igreja Nossa Senhora da Conceição, no Morro da Conceição. O horário ainda não foi divulgado.

“Falar sobre Reginaldo Veloso... Não é fácil, mas ao mesmo tempo é”, disse emocionada Edileuza Veloso, de 54 anos, esposa de Reginaldo. “É a pessoa mais evangélica que eu conheci. Tinha um compromisso muito grande com os empobrecidos e marginalizados. Era uma pessoa que estava preocupada sempre com bem-estar dos outros. Preocupado com a situação do país o tempo todo. Era uma pessoa muito boa e muito humana. Era uma pessoa que lutava pelos direitos humanos e dos mais fracos. Passou sua vida toda com esse compromisso. Vivia a música litúrgica da Igreja Católica, tinha compromisso com a juventude. Desenvolvida trabalhos culturais nas cidades do Recife, em Jaboatão dos Guararapes e no Cabo de Santo Agostinho”. Edileuza e Reginaldo completaram 28 anos de casados no último dia 23 de abril. Eles têm um filho João José Veloso, que tem 27 anos.

Segundo Edileuza, Reginaldo estava fazendo um tratamento de câncer na bexiga. Ele fez quatro cirurgias desde 2020. Três cirurgias no intestino, devido a uma hernie. “Então, ele foi ficando mais fraco. E além disso, foi passar por um tratamento de quimioterapia por conta do câncer na bexiga. E com esse tratamento, ele não aguentou. Ele foi internado. Passou um mês e dois dias na UTI da Unimed III. Houve melhora depois de 15 dias, mas depois começou um processo de infecção”, conta. Reginaldo faleceu ontem, por volta das 23h. Ele estava internado desde o dia 17 de abril, a Sexta-feira Santa.

Edileuza conta como o seu esposo era dentro de casa. “Era um homem maravilhoso. Era só cuidado e só amor o tempo todo, comigo e com todos aqui em casa. Ele estava o tempo todo preocupado com a gente e queria sempre o nosso melhor. O que eu o quisesse e pensasse queria realizar e fazer”.

HOMENAGENS
Sua trajetória dedicada às causas sociais e ao trabalho pelos mais necessitados é celebrada em mensagens de despedidas por autoridades pernambucanas. Confira:

Arquidiocese de Olinda e Recife, por meio do Vigário Geral, Monsenhor Luciano José Rodrigues Brito, expressou condolências:

"Reginaldo Veloso foi presbítero na Arquidiocese de Olinda e Recife, onde exerceu seu ministério sacerdotal na Paróquia Santa Maria Mãe de Deus, no bairro da Macaxeira, e na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, no Morro da Conceição. Muito contribuiu para o Setor de Música Litúrgica da CNBB com suas composições, muitas das quais cantadas nas celebrações litúrgicas em todo o Brasil. Que seja concedido a Reginaldo Veloso cantar diante do Senhor Ressuscitado: Senhor, piedade, vem me socorrer! Minha dor e meu pranto mudaste em prazer; teu nome para sempre eu irei bendizer!"

O governador Paulo Câmara escreveu: 

"Nos despedimos hoje do padre Reginaldo Veloso, um humanista que dedicou sua vida às causas sociais e ao trabalho pelos mais necessitados. Nas décadas de 70 e 80, à frente da emblemática paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no Recife, este alagoano de alma e cidadania pernambucana, adepto da Teologia da Libertação, deixou uma marca na luta contra a repressão e em favor de uma igreja democrática e do empoderamento popular, construindo uma bonita trajetória, recentemente retratada nas telas. Quero externar meu profundo pesar por sua partida e me solidarizar com seus familiares, amigos e seguidores neste momento de dor e tristeza. Que ele esteja em paz".

A deputada Teresa Leitão escreveu:

"Que notícia triste! Padre Reginaldo é daquelas pessoas que não 'passam' pelo mundo, e sim transformam o mundo. Pessoas que fazem muita falta, e ao mesmo tempo a gente sabe que estão sempre presentes. Vá em paz, padre Reginaldo Veloso. O seu legado permanece".

Reginaldo Veloso optou pelo matrimônio. Foi marido de Edileuza e deixa um filho de 27 anos. ( Foto: Arquivo Pessoal)
Reginaldo Veloso optou pelo matrimônio. Foi marido de Edileuza e deixa um filho de 27 anos. ( Foto: Arquivo Pessoal)


Em entrevista, em 2021, à jornalista Tainá Milena, deste caderno, Reginaldo Veloso, conhecido por ser incentivador de grupos de reflexões sobre o evangelho e suas aplicações na vida cotidiana, contou um pouco da sua trajetória de inspiração e luta contra as injustiças políticas, sociais e econômicas.  

Confira a entrevista:

TAINÁ MILENA - O senhor foi uma figura importante no Morro da Conceição como pessoa e como padre. Como o senhor descobriu sua vocação? 

REGINALDO VELOSO - Eu tinha apenas 13 anos e estudava no Ginásio Pio XII, dirigido pelos Padres do Sagrado Coração de Jesus, em Palmeira dos Índios, AL. Sempre fui bastante religioso e ajudava na missa do Colégio. Um padre me perguntou se eu queria ir para o Seminário, preparar-me para ser padre. No dia seguinte, respondi que sim. 

TAINÁ MILENA- O senhor é devoto de Nossa Senhora da Conceição ou possui alguma história de devoção à Mãe de Jesus? 

REGINALDO VELOSO - Aprendi de minha família a querer bem a mãe de Jesus desde criança. minha avó paterna, Maria Veloso de Melo, foi morar com minha família assim que mamãe faleceu, em 1946. Minha avó, ao ver chegar o mês de maio, não se conteve: o que fazia, todos os anos, na sua cidade em Lajedo, tinha que fazer lá em casa. Conversou com a vizinhança, aprontou tudo e eu, como sabia ler, fui escolhido para “tirar as rezas” e, assim, começou minha devoção à Mãe de Jesus.

TAINÁ MILENA - O senhor já tinha tido a experiência de servir em um Santuário antes de chegar ao Morro? 

REGINALDO VELOSO - Estudei Teologia em Roma, e especializei-me em História da Igreja. Fui ordenado presbítero, em dezembro de 1961. Voltei ao Brasil em fevereiro de 1966. Fui como professor/formador de seminaristas, durante dois anos e meio, no então Seminário Cristo Rei, em Camaragibe.

Em 1968, juntamente com um amigo holandês, assumi a Pastoral da Paróquia de Santa Maria, na Macaxeira, Casa Amarela, no Recife. Passei 10 anos tendo contato com as demais igrejas do Setor Pastoral dos Altos e Córregos de Casa Amarela, inclusive, como coordenador do Conselho Pastoral deste setor, trabalhei pela criação da nova paróquia do Morro. Em maio de 1978, eu cheguei como novo pároco. 

TAINÁ MILENA - Como era a comunidade ao redor, quando o senhor chegou ao Santuário de Nossa Senhora da Conceição? 

REGINALDO VELOSO - Os meus dois desafios maiores eram acompanhar o processo de desenvolvimento das quatro comunidades e atender da melhor maneira, essencialmente com a preocupação da evangelização, os devotos de Nossa Senhora da Conceição, que chegavam no santuário de todas as partes, especialmente na época da festa. 

TAINÁ MILENA - Durante esse período em que o senhor estava no Santuário, quais mudanças aconteceram? 

REGINALDO VELOSO - Fruto do trabalho de evangelização nas quatro comunidades, surgiram grupos de evangelização e coordenação nas igrejas que cuidavam de catequese e liturgia, por exemplo. Mas também surgiram grupos comunitários para lutar em busca de melhorias para as classes jovens, adultos da terceira idade e com um destaque especial para o surgimento do Centro de Atendimento à Criança com Deficiência, o CERVAC. A necessidade de uma igreja-matriz mais ampla levou à construção de uma nova igreja, um projeto idealizado por  três arquitetas chamadas Marias, sob orientação do Administrador Arquidiocesano Bosco Gomes e do Administrador Paroquial. A construção chegou ao ponto de acabamento, mas não foi adiante, porque o Administrador Paroquial foi destituído pelo, então, sucessor de Dom Helder, e quem o substituiu não levou adiante. 

TAINÁ MILENA - Quando o senhor foi destituído da função de Administrador Paroquial foi necessário deixar de ser padre?

REGINALDO VELOSO - Eu nunca precisei deixar de “ser padre”, melhor dizendo, nunca deixei de exercer o ministério presbiteral, para o qual fui ordenado em dezembro de 1961, há 60 anos. Por ter optado pela vida matrimonial, a instituição me impede de exercê-lo oficialmente. Respeitando as limitações que me são impostas, venho exercendo sem quebra de continuidade o ministério presbiteral, de muitas maneiras, e prestando vários serviços, como no acompanhamento de Comunidades Eclesiais de Base.

TAINÁ MILENA - Como o senhor percebeu sua vocação para o matrimônio? 

REGINALDO VELOSO - Tudo aconteceu naturalmente, na convivência comunitária, no acompanhamento das CEBs. Tudo foi conversado e amadurecido entre nós, eu   minha esposa, nossas famílias e comunidades. Solicitei a permissão para casar às autoridades eclesiásticas, externando minha vontade de continuar exercendo o ministério Me responderam que de acordo com a legislação vigente, não seria possível. Celebramos com as comunidades nosso casamento, na manhã de 23 de abril de 1994, na capela da Comunidade de São José Operário, no Alto José Bonifácio, comunidade à qual pertencia Edileuza. Em maio de 95, nasceu nosso filho, que recebeu o de meu pai e o do pai de Edileuza, João José.
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