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Vida Urbana
TRAGÉDIA DA TAMARINEIRA

'Se a gente pudesse voltar ao passado, eu teria feito muitas coisas diferentes', afirma mãe do réu João Victor

Publicado: 16/03/2022 às 18:55

/"O crime de trânsito existiu, mas não é homicídio doloso, ele não tinha intenção de matar ninguém. Ele jamais, em sã consciência, faria isso", declarou Ana Patrícia Ribeiro. Foto: Rafael Vieira/Esp.DP

/"O crime de trânsito existiu, mas não é homicídio doloso, ele não tinha intenção de matar ninguém. Ele jamais, em sã consciência, faria isso", declarou Ana Patrícia Ribeiro. Foto: Rafael Vieira/Esp.DP


“Viver esses dias [de júri] me causa muita dor. Eu peço que as pessoas das outras famílias não guardem rancor porque isso não vai trazer ninguém de volta. Se a gente pudesse voltar ao passado, eu teria feito muitas coisas diferentes, mas a gente erra tentando acertar”, o depoimento é de Ana Patrícia Ribeiro, mãe de João Victor Ribeiro de Oliveira, réu após vitimar três pessoas e deixar outras duas feridas em uma colisão entre dois veículos no bairro da Tamarineira, na Zona Norte do Recife, enquanto dirigia alcoolizado e em alta velocidade. João Victor responde pelos crimes de homicídio doloso, com intenção de matar, e tentativa de homicídio. 

Essa foi a primeira vez que a mãe de João Victor falou com a imprensa desde o início do julgamento, que começou na manhã da terça-feira (15). Ana Patrícia chegou ao Fórum Rodolfo Aureliano acompanhada da filha e da irmã, Cláudia Ribeiro, que testemunhou ontem a favor de João Victor. 

“Eu espero que a Justiça de Pernambuco esqueça o sentimento de vingança. Há quatro anos nós estamos lutando para mostrar à sociedade que foi uma fatalidade e que acidentes continuam acontecendo. Querem imputar um crime que ele não cometeu. O crime de trânsito existiu, mas não é homicídio doloso, ele não tinha intenção de matar ninguém.  Ele jamais, em sã consciência, faria isso”, declarou a mãe do réu.

Durante uma entrevista concedida para a imprensa, na terça-feira (15), Miguel da Motta Silveira Filho, sobrevivente da colisão, afirmou que nunca foi procurado pela família de João Victor. 

“Nunca fomos procurados pela família [de João Victor] durante esse tempo, e ser procurado, neste momento, não é ideal. Eu não vou julgar, absolver ou condenar João. Eu só posso dizer para ele e para a família que hoje ele tem que pagar pelo que fez. Eu só espero que a justiça seja feita, esse é o resultado maior”. 
  
Ana Patrícia refutou a declaração. 

“Nós nunca tivemos espaço [para conversar] com eles por conta desse sentimento. Eu entendo o lado dele, a dor da perda realmente é imensurável. O que eu tenho feito é pedir para que Deus toque no coração dele [Miguel] e que ele apague com essa ideia de que meu filho tem que apodrecer na cadeia. Ninguém imagina como é viver num lugar daqueles”.

Relembre o primeiro dia do julgamento
O primeiro dia do julgamento de João Victor Ribeiro de Oliveira, réu por vitimar três pessoas e deixar outras duas feridas após dirigir alcoolizado e provocar uma batida entre dois carros no cruzamento da Avenida Rosa e Silva com a Cônego Barata, no bairro da Tamarineira, na Zona Norte do Recife, foi tomado pelo aguardado depoimento do sobrevivente Miguel Arruda da Motta Silveira Filho e do encontro com João Victor. O réu é acusado de homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e estava sob prisão preventiva desde 2017. 

A sessão teve início na manhã desta terça-feira (15), no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, na Ilha de Joana Bezerra, e foi ministrada pela juíza Fernanda Moura de Carvalho. O júri popular é formado por cinco mulheres e dois homens. O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) esperava encerrar o julgamento na madrugada da quarta-feira (16), mas até às 18h30 o réu ainda não havia sido ouvido. A sessão da terça-feira foi finalizada por volta das 19h e será retomada na quarta-feira (16), às 9h.    
 
No primeiro momento, a acusação do Ministério Público de Pernambuco -baseada em laudos periciais e informações do processo- foi apresentada e afirmou que João Victor consumiu cerveja durante o início da tarde do dia 27 de novembro de 2017. Em seguida, de acordo com o MPPE, o réu foi ao encontro de amigos no Bar e Confraria Zé Perninha, localizado no bairro de Jardim Atlântico, em Olinda. Lá, ele e outros dois amigos pediram um combo, que incluía whisky e energéticos. Por volta das 19h30, o veículo de modelo Ford Fusion, que João Victor Ribeiro de Oliveira dirigia, transitava em uma velocidade de 108km/h, quando a via permitia o limite máximo de 60 km/h. 

O carro -que pertencia ao pai do, na época, estudante universitário-, colidiu com o SUV importado e blindado de Miguel. No veículo, além do advogado estavam a esposa dele, Maria Emília Guimarães, de 39 anos; o outro filho do casal, Miguel Neto, de 3 anos, e a babá Roseane Maria de Brito Souza, 23 anos, que estava grávida e também era mãe de uma outra criança. A filha de Miguel, Marcela, também sobreviveu, mas vive com sequelas após um traumatismo cranioencefálico causado pelo impacto do acidente. Roseane trabalhava há cerca de um ano com a família. Parentes da babá preferiram não comparecer ao julgamento e ficaram no município de Aliança onde moram com a filha da vítima.  

A deposição de Miguel, na condição de vítima -que deveria ser a primeira do dia-, precisou ser substituída na ordem por uma testemunha. Miguel afirmou que não se sentiu bem para falar no primeiro momento. A testemunha trabalhava como motoboy e comunicou que viu o Ford Fusion atravessar o viaduto do supermercado Carrefour, no bairro da Torre, em alta velocidade. Em seguida, o motoboy informou que Victor quase perdeu o controle do carro em frente a um estabelecimento comercial. Após a colisão, a testemunha afirmou que populares queriam linchar o réu, mas foram impedidos porque havia policiamento no local. O motoboy  ainda relembrou que prestou ajuda aos envolvidos e que acreditava que Victor não utilizava cinto de segurança no momento da colisão.

Por volta das 11h15, Miguel Arruda da Motta Silveira Filho retornou à sala de audiência para prestar o depoimento. A declaração foi interrompida após João Victor, que ouvia o relato de Miguel, gritar que não queria ter matado os familiares do advogado. “Pelo amor de Deus, me perdoe. Me mate, me mate. Eu não queria machucar a sua família nem a de ninguém,  por favor me perdoe”, implorou o réu, aos prantos, que foi retirado da sala pelos policiais do tribunal. Os familiares de Miguel e de João Victor também precisaram se retirar do local. A sessão foi interrompida durante dez minutos. No retorno ao depoimento, Miguel informou que lembra do momento em que foi retirado do carro, pedindo para que ligassem para o seu cunhado, Marcos Alberico. O advogado lembrou do momento em que foi atendido e afirmou que tinha dificuldades para respirar. Quando acordou, após ser hospitalizado, Miguel questionou a mãe sobre a esposa e filho, e soube que ambos teriam morrido na batida. 

“Eu não sou forte, eu estou destruído por dentro. Eu me cobro muito por não ter evitado esse acidente. Ele [João Victor] precisa pedir perdão a Deus. Ele matou a minha esposa, meu filho, Roseane e o filho que ela carregava na barriga. Ele acabou com a minha vida. Todos nós temos que pagar pelo que fazemos. [Para a sociedade eu digo], cuidem dos seus filhos para que eles não se tornem criminosos”, concluiu Miguel. 

Em seguida, outras duas testemunhas de defesa do réu foram ouvidas. Uma delas afirmou que João Victor teria feito uso da maconha no bar em que estavam na noite do acidente. O amigo do réu ainda afirmou que João tinha problemas com drogas, principalmente maconha e cocaína, e que ele já foi internado outras vezes por causa do vício.
 
Relembre o fato

João Victor foi o responsável por uma colisão de trânsito que provocou três mortes no bairro da Tamarineira, no dia 26 de novembro de 2017, e pode ser condenado a mais de 20 anos de prisão. O réu cortou o sinal vermelho do cruzamento entre a Avenida Rosa e Silva e a Rua Cônego Barata quando dirigia um Ford Fusion a 107 km/h (num trecho com máxima permitida de 60km/h), e carregava no sangue o triplo do volume de álcool permitido por lei. 

Trafegando no Toyota Rav-4 que foi atingido em cheio pelo carro do réu numa batida em “T” (quando um veículo se choca com sua parte frontal contra a lateral de outro), a funcionária pública Maria Emília Guimarães da Mota Silveira, de 39 anos, seu filho Miguel Arruda da Motta Silveira Neto, de 3, e a babá Roseane Maria de Brito Souza, de 23, que estava grávida, morreram. 

Pai de Miguel Filho e esposo de Maria Emília, o advogado Miguel da Motta Silveira sobreviveu ao desastre com ferimentos graves, assim como Marcela Guimarães da Motta Silveira, filha do casal. Ambos ainda se recuperam de sequelas físicas e psicológicas. O julgamento está sendo realizado pela 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, sob o comando da juíza Fernanda Moura de Carvalho. 
 
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